Brasília - O presidente do Sindicato dos Caminhoneiros do Brasil disse ao povo para estocar comida e combustível porque a greve iria ser longa. A pauta do movimento pede a renúncia de Temer. O governo vai cortar o sinal da internet e do Whatsapp no Brasil todo em função da greve. E Marcelo Rezende previu a paralisação em 2014.
É tudo mentira, claro. Mas as cascatas foram compartilhadas por legiões nos dias em que o pânico com a paralisação dos caminhoneiros deixou os 120 milhões de usuários brasileiros de WhatsApp mais propensos a acreditar nas 'fake news' - notícias com certa aparência de reais, porém mais falsas que notas de 3 reais.
O tema é muito sério. As 'fake news' se espalham por todas as áreas. E não param de se espalhar. No primeiro trimestre do ano, elas atingiram 2,9 milhões de acessos, segundo o dfndr.lab, grupo de 'white hackers' (profissionais especializados em cibercrime). No período, os temas que mais motivaram a disseminação foram os ligados á área da Saúde. Na semana passada, a epidemiologista Laurence Cibrelus, da Organização Mundial da Saúde (OMS), lamentou o fato de as fake news terem impedido o país de atingir a meta de 80% de cobertura de vacinação contra a febre amarela - estamos em 55%.
Quem passa adiante uma 'fake news' está ajudando os criadores da publicação a atingir pelo menos um de dois objetivos: ganhar dinheiro ou manipular a opinião pública. "O crescimento recente foi o segundo caso. Gente mal-intencionada querendo lucrar com a exibição de publicidade nos sites em que elas são publicadas. Os sites de notícias falsas são repletos de banners. Fake news dá muito acesso, que é remunerado", diz Emílio Simoni, diretor do dfndr lab.
Simoni prevê muito trabalho para os próximos meses, à medida que se aproximam as eleições e hackers do mal começam a entrar em ação a serviço de alguns candidatos. "O volume de fake news relacionadas a políticos e ao governo vai crescer exponencialmente. O maior número de cliques virá de golpes disseminados via WhatsApp". diz.
Agências de checagem combatem fake news e despertam revolta
Para o advogado Gustavo Carvalho, que tem pesquisado os efeitos das notícias falsas, não é uma lei que vai reduzir os riscos ligados às fake news. "Não adianta criminalizar. A forma de se defender é a autorregulação; as redes sociais estão buscando criar ferramentas para isso".
Carvalho se refere a um projeto do Facebook para tentar conter a disseminação das fake news. A rede social fechou parcerias com agências de fact-cheking (que buscam conferir se uma informação publicada é verdadeira) brasileiras, a exemplo do que já fez nos Estados Unidos.
O Facebook quer que essas agências - como Lupa e Aos fatos - ajude a rede social a detectar e sinalizar fake news em suas páginas. O acordo foi anunciado em 10 de maio e gerou uma onda de protestos de sites identificados com posições de direita, que o consideraram um perigo à "liberdade de expressão". Profissionais das agências denunciaram perseguições pessoais dos insatisfeitos.
Uma publicação da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV identificou quase 45 mil menções relacionadas à parceria em uma semana, no que considerou uma prévia da 'guerrilha virtual' que marcará as eleições deste ano. No embate, ambos os lados usaram 'robôs' para acelerar a disseminação de suas teses.
O artigo de Marco Aurelio Ruediger e Amaro Grassi conclui que é necessária "uma ação coordenada em torno de valores comuns, partindo da sociedade, para interromper a disseminação de ataques virtuais" contra "guerrilhas nas redes com alto potencial de dano à democracia".
Maioria não faz por mal, mas espalhar mentira é crime
A maior parte das pessoas que acessa ou espalha fake news não tem má intenção. "Eles compartilham acreditando que estão contribuindo para combater alguma injustiça ou dar alguma informação sobre o tema abordado", diz Emílio Simoni, do dfndr.lab.
No entanto, ainda que sem intenção, os viciados em compartilhar áudios, vídeos ou links se arrisca a cometer um crime. "O cidadão que dissemina notícias falsas pelo whatsApp ou uma rede social pode ser responsabilizado se o ato configurar crime contra a honra, como calúnia, difamação e injúria (artigos 139 a 145 do Código Penal). E quem se sentir prejudicado por uma fake news pode pleitear de quem a cria ou dissemina indenização pelo prejuízo material ou moral", diz Isadora Forgiarini Balem, advogada especialista em Direito da Família.
Para a advogada, é pouco. "O Brasil ainda não possui lei específica para criminalizar fake news ou legislação cível que trate exclusivamente do assunto". Isso pode mudar em breve, já que tramitam no Congresso pelo menos dois projetos de lei (6.812/2017 e 473/2017) tratando do tema.