As estimativas variam muito. No entanto, ninguém duvida: se o projeto regulamentando a criação de novos municípios que tramita na Câmara em regime de urgência para votação for aprovado, os atuais 5.570 municípios do Brasil serão mais de 6 mil em bem menos de uma década. Segundo especialistas em estudos municipais, cerca de 800 distritos planejam desengavetar propostas de emancipação. Isso significa que teríamos, no mínimo, mais 7,2 mil cadeiras de vereadores. E em torno de uma centena de milhar de novos servidores municipais. E nem um centavo a mais de arrecadação.
"Não podemos vender ilusões", diz Chico Alencar (Psol-RJ). "Ter mais de 400 novos municípios não resolve problemas de falta de recursos, nem de saúde ou saneamento".
No entanto, o deputado não tem muitas esperanças de que a proposta, já aprovada no Senado, possa ser barrada. "O único partido que se posicionou 100% contra foi o nosso; os outros ficaram divididos. Criar toda essa estrutura vai representar gastos a mais desnecessários, que vão acabar gerando dívidas no futuro".
O projeto é um dos muitos que a atual legislatura da Câmara, em clima de fim de festa, está pautando a toque de caixa, sem se preocupar em determinar de onde os novos governantes vão retirar dinheiro para bancar as despesas.
"Na defesa do projeto, sempre estão os candidatos a prefeito e vereador desses possíveis novos municípios. O que está em jogo é o interesse de políticos locais", diz Alencar.
O autor da proposta, o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) rebate. "Temos a convicção de que a emancipação acelerará o desenvolvimento econômico, compensando as despesas associadas com as novas estruturas".
O parlamentar cita casos como o de Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira (PA), com 15 mil habitantes, cuja distância da sede é de amazônicos 1.1 mil quilômetros. "Não podemos ignorar as dificuldades enfrentadas pelos habitantes de distritos que precisam gastar dinheiro e tempo para se deslocar à sede a fim de resolver qualquer pendência".
Logo após a Constituição de 1988, que transferiu da União para os estados a responsabilidade pela aprovação das leis de criação de novas unidades municipais, 1,4 mil novos municípios foram criados, muitos deles claramente sem viabilidade econômica. Em 1996, uma emenda tentou conter o estrago, retomando a necessidade de lei federal para o desmembramento de municípios. Muitos processos já estavam em andamento e seguiram em frente. Só a partir de 2005, o movimento estancou.
Desde então, é a terceira vez que se tenta aprovar novas regras. A última delas, um projeto idêntico ao atual, foi vetado pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2014. "Haverá aumento de despesas com as novas estruturas municipais, sem que haja a correspondente geração de novas receitas", justificou Dilma, em decisão que contrariou, inclusive, parte do PT.
O novo texto é quase idêntico ao de 2014. Apresenta critérios para a criação de novas municipalidades - como população mínima, de 6 mil, na Região Norte, a 20 mil, no Sudeste, e estudo prévio de viabilidade econômica - e reestabelece o primado das Assembleias Legislativas para dar início ao processo.
Resta saber se é oportuno, no momento em que o país enfrenta um rombo nas contas públicas estimado para esse ano em R$ 149 bilhões. "É uma proposta totalmente descabida e extremamente inoportuna", diz Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas. "Não é coincidência que esse projeto esteja em pauta agora, véspera de eleição. Os parlamentares que votarem a favor vão chegar nas localidades e falar 'Graças ao seu parlamentar, vai ser criado um novo município', e as pessoas vão achar ingenuamente que aquilo será um bom negócio".