Guarda Civil Metropolitana invade centro de acolhida de moradores de rua em São Paulo - Reprodução/ Youtube
Guarda Civil Metropolitana invade centro de acolhida de moradores de rua em São PauloReprodução/ Youtube
Por Beatriz Perez

Rio - Uma ação de zeladoria urbana, conhecida como 'rapa', acabou em confronto com um preso e feridos, inclusive um padre de 69 anos. O caso aconteceu na manhã desta sexta-feira, na Mooca, Zona Leste de São Paulo e vai ser investigado pelo Ministério Público de São Paulo. O Vigário Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, Padre Júlio Renato Lancellotti, 69 anos, contou que foi agredido e xingado.

O padre disse que a Guarda estava tomando material de pessoas em situação de rua, inclusive material reciclado, o que provocou reação. Ele foi chamado em sua paróquia, nas proximidades, para mediar o conflito. "Quando cheguei, a Guarda estava atacando com spray, gás de pimenta e taser (arma de choque) os moradores de rua". O padre conta que se posicionou entre os dois grupos em uma cena que descreveu como o 'Exército de Israel atacando a Faixa da Gaza'. O pároco disse ter recebido insultos e agressões da Guarda: "Me xingaram de padre de merda, me mandaram ir atrás dos 'meus filhos de merda', empurraram com escudo, deram soco no estômago e bateram com cassetete", conta. Ele disse que já havia sido hostilizado, mas nunca tão afrontado, acrescentando que chegaram a cuspir nele.

A Polícia Civil informou que um homem - identificado como Diego Luiz Aleixo - de 20 anos, foi preso em flagrante por Guardas Civis após arremessar um extintor na direção de uma viatura durante a confusão.Ele foi indiciado por dano qualificado contra o patrimônio e lesão corporal.Também foi arbitrada fiança no valor de um salário mínimo, que não foi paga até o momento. Diego está detido no 6º DP (Cambuci). O padre disse que não viu o extintor, mas que o rapaz teria reagido com pedras à ação dos agentes.

Lancellotte conta que conduziu os moradores de rua ao Centro Comunitário São Martinho de Lima. A Guarda invadiu o local, e o tumulto foi registrado em vídeo. Segundo o padre, havia cerca de trezentas pessoas no centro, que oferece alimentação e abrigo às pessoas em situação de rua. "Entraram com escudos, armas, invadiram a cozinha, o banheiro, só terminaram quando pegaram quem eles queriam", disse.

Diego Luiz Aleixo era procurado por ter reagido à ação da Guarda. Ele foi agredido e conduzido à 6ª DP. 

O Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito civil para apurar o caso. Os promotores de Justiça responsáveis, Eduardo Ferreira Valerio e Bruno Orsini Simonetti, vão apurar se a Guarda agiu de acordo com as normas previstas para zeladoria urbana. "Afinal, a população em situação de rua necessita e tem direito a ações governamentais objetivas, que visem a desassociá-las das expressões de violência urbana decorrentes do preconceito e que lhes assegurem os direitos fundamentais inerentes à sua condição de vulnerabilidade", diz o inquérito. 

O Ministério Público pede à Secretaria de Segurança Urbana informações sobre a atuação da Guarda Civil Metropolitana nesta operação de zeladoria urbana e a identificação dos guardas e dos comandantes envolvidos em 30 dias. O inquérito também pede ao delegado de Polícia Titular do 8o Distrito Policial da Capital cópias do boletim de ocorrência, do auto de prisão em flagrante, dos laudos de exame de corpo de delito (do autuado e dos guardas civis) e outros documentos relativos à prisão em flagrante de Diego Luiz Aleixo, em 30 dias.

Imagens colhidas pelo sistema de circuito interno de TV instalado nas dependências do Núcleo de Convívio São Martinho de Lima, no também foram solicitadas.

A Arquidiocese de São Paulo divulgou uma nota de repúdio à ação na qual cobra uma investigação dos responsáveis pelo ato (Leia a íntegra no fim da reportagem). "Lamentamos que a violência diariamente sofrida pelos moradores de rua se volte agora contra entidades e pessoas que tentam devolver o mínimo de dignidade a esses irmãos", diz a nota.  A entidade considera que as agressões 'são tanto mais inaceitáveis' por terem acontecido dentro de um local destinado ao atendimento da população de rua, 'historicamente abandonada pelo Poder Público'.   

Procurada, a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo não retornou. O espaço está aberto para manifestação.

Nota de Repúdio da Arquidiocese de São Paulo

Na manhã desta sexta-feira, 14 de setembro, o Núcleo de Convivência São Martinho de Lima, do Centro Social Nossa Senhora do Bom Parto, da Arquidiocese de São Paulo, localizado no bairro do Belenzinho, na zona leste da capital, foi invadido de forma truculenta por cerca de 20 agentes da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo (GCM).

A confusão começou após uma abordagem que a GCM fez em alguns moradores de rua que estavam em frente ao Núcleo. Acuados pela violência da abordagem, os moradores de rua tentaram se refugiar dentro do edifício onde funciona a entidade. O prédio foi, então, violentamente invadido por agentes que portavam cassetetes e sprays de pimenta.

Na invasão, foram agredidos moradores de rua, funcionários da entidade e o Vigário Episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, Padre Júlio Renato Lancellotti, que tem 69 anos de idade e havia sido chamado para tentar mediar o conflito. As agressões são tanto mais inaceitáveis por terem ocorrido dentro de um local destinado ao atendimento da própria população de rua, historicamente abandonada pelo Poder Público.

A Arquidiocese de São Paulo repudia a ação violenta da Guarda Civil Metropolitana de São Paulo e exige que uma investigação seja imediatamente instaurada para a punição dos responsáveis pelo ato. Lamentamos que a violência diariamente sofrida pelos moradores de rua se volte agora contra entidades e pessoas que tentam devolver o mínimo de dignidade a esses irmãos.

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