A Cadeia de Benfica é uma das unidades prisionais do Rio. Hoje, em todo o Brasil, há 726 mil presos - Foto de Maíra Coelho / Agência O Dia
A Cadeia de Benfica é uma das unidades prisionais do Rio. Hoje, em todo o Brasil, há 726 mil presosFoto de Maíra Coelho / Agência O Dia
Por DIRLEY FERNANDES

Rio - Para problemas complexos como a violência, assim como para qualquer questão difícil, não faltam respostas fáceis de oferecer e com muita capacidade de convencer quem precisa se agarrar a alguma esperança. Uma dessas respostas fáceis é expressa pela frase "Cadeia neles!". É claro que prender e deixar presas autoridades que se bandeiam para o crime organizado, como o governador Pezão, é altamente produtivo para inibir quem pensa em seguir a mesma trilha. O mesmo, no entanto, não se pode dizer sobre C. S., um jovem roraimense que, vendo a sua família passando fome, sob desespero, tentou roubar uma bicicleta e, flagrado, foi jogado na prisão e ficou por lá alguns meses esquecido num cárcere superlotado e insalubre sem qualquer assistência jurídica.

Esse foi um dos casos testemunhado pelo perito José de Ribamar de Araújo e Silva na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo. Como membro do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura, do Ministério dos Direitos Humanos, ele periciou a unidade onde uma rebelião em 2017 deixou 33 mortos - e mais de 70 desaparecidos - e é a maior do estado em que a União teve que intervir no mês passado, assumindo um sistema carcerário em total colapso.

O rapaz preso por "bagatela" não é uma exceção. Quatro de cada dez encarcerados no país estão na cadeia sem ter sofrido qualquer sentença. São provisórios. E em média, 37% desses presos não são condenados à pena de prisão, segundo levantamento da ONG Conectas. Chegamos ao fim de 2018 com 726 mil presos em todo o país. Nunca tivemos tanta gente atrás das grades. E a política de hiperencarceramento em nada melhorou a segurança. Nunca se matou tanto no Brasil: foram 63.880 mil homicídios em 2017, número mais alto da história, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Se a situação dos cárceres já é ruim, pode piorar, caso prosperem propostas sobre a mesa, como a do fim da progressão de pena, da audiência de custódia e de qualquer tipo de indulto, além do aumento do tempo de prisão para determinados delitos. São propostas amplamente populares, capazes de produzir votos, mas sem evidências de efetividade. Como em todo o remédio aplicado na dose errado, o resultado pode ser fatal.

"As pessoas querem mais segurança e mais ordem. É uma aspiração totalmente legítima", diz Luiz Guilherme Paiva, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. "Só que precisa ser dito que mais encarceramento, na situação atual, vai significar mais violência. Não há relação entre mais gente presa e redução de criminalidade. Quem patrocinar essa ilusão terá que responder pelas consequências".

"O que vivemos é o hiperencarceramento com seletividade", afirma Ribamar, que tem longo histórico de convívio com o sistema carcerário, se referindo ao fato de que, longe das manchetes, são homens, pobres, negros e os de baixa instrução os que alimentam as estatísticas prisionais.

Ele chama a atenção para o fato de o próprio Estado colaborar para a organização do crime. "Jogamos na prisão, contra o que determina a lei penal, réus primários, sem julgamento. A primeira pergunta que lhes é feita é a que facção pertencem. A decisão dele é tomada ali, muitas vezes. E é necessária, porque, na cadeia, os chefes das organizações criminosas controlam até o fornecimento de papel higiênico". Em alguns casos, como o do ladrão de bicicletas citado no início do texto, a única assistência jurídica disponível também é fornecida pelas facções criminosas.

A situação já foi admitida pela principal autoridade do país na área, o ministro da Segurança Pública, que disse no mês passado. "(O sistema) é controlado pelas facções criminosas, que, de dentro dessa base prisional, comandam os crimes nas ruas". Ninguém se espantou.

Manter tanta gente presa custa caro demais

Para manter um preso, o custo médio, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, está hoje em torno de R$ 2,4 mil mensais. "Não faz sentido arcar com esse preço para manter atrás das grades pessoas que cometeram crimes menores. Prisão é para delitos graves ou para reincidentes", diz José Ribamar, do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura.

Para resolver a superlotação, que está por trás de quase todas as rebeliões nos cárceres do país (78% delas, segundo o Tribunal de Contas da União), seria necessário criar, se ninguém mais entrasse no sistema, 358 mil novas vagas.

O estado em que a criação dessas vagas saiu mais barato, segundo dados de 2017 do TCU, foi o Amapá (R$ 31,9 mil). Dessa forma, para resolver o déficit de vagas, na melhor das hipóteses, seriam necessários R$ 11,4 bilhões.

Caso nenhuma das propostas que resultam em mais encarceramento prospere, ainda assim é esperado que o número de presos no país atinja a marca de 1 milhão antes de 2026. O custo total anual apenas na "manutenção" dessa população atrás das grades chegaria a R$ 28,8 bilhões, que é dez vezes o orçamento total do Ministério da Segurança para 2018 (R$ 2,7 bilhões). "É óbvio que é uma conta que não fecha. Isso desvia recursos que poderiam ser usados em políticas mais efetivas no combate à violência. Não temos capacidade para construir tantas vagas. A menos que aceitemos que não há qualquer limitação para a destruição de direitos e, onde hoje estão 500 amontoados em locais onde só cabem 100, joguemos outros 100. Mas depois teremos que lidar com as consequências aqui fora", diz Luiz Guilherme Paiva, do IBCCRIM.

ALTERNATIVAS

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais , com outras instituições, consolidou uma lista de sugestões na contramão das propostas de mais prisão em voga no documento '16 Propostas contra o Encarceramento em Massa'. Segundo um dos autores do texto, o advogado Luiz Guilheme Paiva, as propostas"combatem a ideia confortável da relação entre mais encarceramento e redução de criminalidade".

1 - Medir o impacto

Uma das propostas é que qualquer mudança da lei penal no Congresso só possa ser protocolada acompanhada de estudo orçamentário. "Com isso, os processos de tomada de decisão serão fundados em estudos reais de impacto econômico e social", diz o documento.

2 - Porte de drogas

Segundo o estudo, "a distinção entre usuário/a e traficante ainda não é clara e é aplicada de forma seletiva". A proposta é criar parâmetros, como "a necessidade de comprovação do tráfico como atividade comercial".

3 - Reparação

Diversos tribunais já têm reconhecido que o pagamento do dano ou a restituição da coisa subtraída após delito patrimoniais, como furto, "muitas vezes resolve o conflito social". Isso tornaria dispensável a pena de prisão. Só falta regulamentar esse entendimento.

 

 

 

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