- MOISÈS SILVA/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
MOISÈS SILVA/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Por Andrea Castello Branco

Brumadinho - Hoje seria mais um domingo comum, com as ruas cheias e o burburinho da feira, só com produtos colhidos nas centenas de hortas existentes na vizinhança. Era para ter caldo de cana depois da missa e pelada dos moleques do Brumadinho Futebol Clube. No rio, estariam as famílias pescando e preparando o almoço ali mesmo, às margens do Rio Paraopeba, onde as crianças poderiam se refrescar do calorão de mais de 30 graus que tem feito na cidade. Os bares já teriam providenciado a cerveja gelada para mais um dia de movimento.

Mas esse não será um domingo qualquer, como não foi o último. Não se pode mais tomar banho no rio, a Igreja de São Sebastião se transformou em moradia para desabrigados e o povo de Brumadinho está sem clima de festa, numa espécie de luto coletivo. Desde que a barragem da Mina do Feijão, da mineradora Vale, se rompeu, há nove dias, a cidade ficou triste, num silêncio reverente às centenas de pessoas soterradas pela lama de rejeitos que varreu toda a administração da empresa construída logo abaixo da barragem e dezenas de casas em povoados. Também matou córregos, até se diluir nas águas do rio Paraopeba, transformando sua cor e exterminando também os peixes que ali viviam. A vida mudou.

O som quase ininterrupto agora é dos 15 helicópteros que cruzam o céu da cidade entre as bases de apoio e a barragem rompida, a cerca de 8 quilômetros dali, em busca de vítimas. Até agora foram localizados 121 corpos, 226 pessoas ainda continuam desaparecidas sem perspectiva de serem resgatadas vivas. O movimento nas ruas de Brumadinho é de bombeiros, policiais militares, técnicos da Defesa Civil, socorristas e jornalistas vindos do mundo inteiro para cobrir o desastre.

Parentes consultam a lista de nomes à procura de desaparecidos no rompimento da barragem da mineradora Vale - Andrea Castello Branco

Além da tristeza, o sentimento da população da cidade também é de incredulidade. "Nunca imaginamos que isso poderia acontecer, nunca tive medo", "eu poderia estar ali", são frases que se repetem a cada conversa com quem se salvou por uma fração de minutos ou com algum familiar em busca de parentes desaparecidos.

Tâmara Coimbra, 34, aguarda notícias do marido, o soldador Rafael Mateus de Oliveira, 35, que pediu transferência para a Mina do Feijão há dez meses para poder ficar mais perto da filha que estava para nascer. Técnica de Segurança, Tâmara conta que já trabalhou em mineradoras e nunca teve medo do trabalho do marido. O casal só falava do rompimento da barragem em tom de brincadeira. "A gente brincava que se estourasse a Mina do Feijão, Brumadinho acabava. Não literalmente, mas porque existe uma dependência econômica muito grande da Vale aqui. Era uma piada, nunca acreditamos que isso pudesse acontecer", relembra, ainda a espera do marido desaparecido.

Reinidalva da Cruz Silva, 47, perdeu a voz logo após receber a notícia do rompimento da barragem. Na hora do estouro, seu filho Cassio Cruz Silva Pereira, 27, e seu marido, Carlos Augusto dos Santos, 49, almoçavam no refeitório. "A lama levou tudo. Perder um já é difícil, imagina perder dois", lamenta, fazendo uma triste contabilidade dos mortos da família, que inclui dois sobrinhos. No espaço destinado ao apoio e informação aos familiares das vítimas, a Estação do Conhecimento, histórias de mães, pais, filhos, esposas e irmãos desolados desfiam um rosário de tristeza compartilhado. Duas mães que não se conheciam descobrem ali que seus filhos trabalhavam na mesma área, eram amigos, e a partir do encontro uma se torna apoio para a outra nos dias seguintes de espera por uma notícia.

Informações desencontradas

O primeiro boletim divulgado pelo Governo do Estado de Minas Gerais, às 21h12 de sexta, ainda não revelava o tamanho da catástrofe humana e ainda permitia aos parentes alguma esperança. "Foram retiradas nove pessoas com vida da lama e cerca de 100 pessoas ilhadas foram resgatadas. Segundo dados transmitidos pelo representante da Vale, havia 427 pessoas no local, sendo que 279 foram resgatadas vivas. São cerca de 150 pessoas desaparecidas, no momento, com vinculação à empresa", dizia a nota. Mas a realidade era bem pior. Além de subestimar o número de funcionários que estavam na empresa na hora do acidente, a Vale não levava em conta a população atingida pela lama em distritos próximos, como Parque da Cachoeira, Córrego do Feijão e Tejuco.

Bombeiros usam helicópteros para chegar aos locais mais críticos da região - AFP

A comunicação da empresa com as famílias tem sido sistematicamente criticada e algumas vezes causou falsa expectativa, com nomes constando na lista de resgatados e, em seguida, na lista de desaparecidos. Sônia Rosa de Fátima Silva, mãe de Alexis Adriano da Silva, 41, engenheiro de produção da Vale ainda desaparecido, estava indignada. "Estou me sentindo impotente, desrespeitada, revoltada. Tem gente dada como desaparecida que estava ali conversando. O que eu espero é que eles sejam mais corretos e honestos e ofereçam informação correta, seja boa ou ruim. Eles têm obrigação de dar uma notícia precisa", exigia.

Gustavo Barroso, 33, irmão de Isabela Barroso Câmara, engenheira de mina que trabalhava há pouco mais de três meses na Mina do Feijão, também se sentiu desrespeitado com o tratamento recebido pela Vale. "Não tiveram o cuidado de ligar para o contato de emergência dos funcionários para falar que a barragem tinha rompido. Soube pela mídia. A Vale quer dar uma resposta para a sociedade, para o mercado acionista, dizendo que está acolhendo as famílias. Não teve acolhimento nenhum. Vi 50 famílias chorando, completamente desoladas, sem notícia, e a Vale não fez nada, nenhum porta-voz, assistente social, psicólogo, nada", criticava, ainda à procura da irmã.

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