Ensaios técnicos na Sapucaí, por exemplo, têm incentivo da Lei Rouanet - Alexandre Macieira / Riotur
Ensaios técnicos na Sapucaí, por exemplo, têm incentivo da Lei RouanetAlexandre Macieira / Riotur
Por ANTONIO PUGA E MARTHA IMENES

Rio - Prometida no período eleitoral e tida como certa nos discursos após a posse presidencial, a mudança da Lei Rouanet foi anunciada em um retuíte do presidente Jair Bolsonaro, no melhor estilo Donald Trump: tuitou e fim. Sem explicação, sem nada. Um vídeo do PSL exibido no perfil de Bolsonaro no microblog traz as seguintes "velhas novidades": o teto para um único projeto cairá de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões. Os gigantes Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Petrobras e BNDES vão patrocinar projetos de artistas não famosos.

A escolha de qual projeto terá o incentivo da Lei Rouanet, lei federal de incentivo à cultura criada em 1991, será feito em parceria com o Ministério da Cidadania, sob a batuta do ministro Osmar Terra. Outro ponto citado no vídeo é a retirada de projetos do eixo Rio-São Paulo, passando a focar no interior. As gratuidades passarão a 40% nos espetáculos financiados com verba pública.

Essas medidas já estavam em estudo pelo governo. Logo no início do ano, o ministro falou em reduzir o valor máximo de captação nas empresas e o aumento da gratuidade para espetáculos financiados pela verba pública.

E o discurso de membros do governo sobre o fim da Lei Rouanet está afinadíssimo: no final do ano o secretário especial José Henrique Pires, que assumiu a pasta da Cultura com o fim do ministério, expressou o desejo de mudar o mecanismo de controle da Lei Rouanet.

"A proposta não é enfraquecer a Lei Rouanet, mas obviamente deve ter melhoramentos nos mecanismos de controle, uma atenção nas prestações de contas", garantiu.

O fato de excluir famosos e "direcionar" o incentivo da lei é rebatido pelo ator Alcemar Vieira. Ele ressalta que qualquer pessoa conhecida ou não, pode usar a Lei Rouanet. "Qualquer pessoa, conhecida ou não, pode fazer uso do benefício da lei. O problema neste caso específico é a empresa que se beneficia com a isenção fiscal querer patrocinar somente artistas que já possuem visibilidade, com retorno mais midiático. O patrocinador deveria estar mais ligado a qualidade do projeto", avalia.

As mudanças geram dúvidas por quem até hoje lutou para conseguir ter seu projeto aprovado. O diretor da ONG Favela Mundo, Marcello Andriotti, considera a Lei Rouanet importante para manutenção de várias iniciativas de impacto social e defende que fama não deveria ser um dos critérios adotados para aprovação ou desaprovação do projeto.

"Em um momento em que se fala de desemprego, mudança de lei e empoderamento feminino, o projeto A Arte Gerando Renda que trabalha justamente a capacitação profissional, o resgate da autoestima e valorização pessoal é um projeto patrocinado através da Lei Rouanet", revela.

Para a produtora cultural e escritora Cristina Pimentel é importante que as novas regras atendam os artistas menos conhecidos. "Para que as novas regras realmente funcionem, ou seja, que os artistas que ainda não são tão conhecidos do grande público tenham sucesso e acesso aos investidores, seria necessária a redefinição de critérios, que precisam estar a serviço da democratização dos projetos", diz.

Retorno maior que isenção

Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas, encomendada pelo extinto Ministério da Cultura e divulgada no final do ano passado, mostrou que a Lei Rouanet movimentou quase R$ 50 bilhões entre 1993 e 2018.

A cifra é a soma de impacto direto (R$ 31 bilhões) e indireto (R$ 18,5 bilhões) no período analisado. O número, conforme levantamento da FGV, supera o valor da renúncia fiscal concedida pelo mecanismo de incentivo, que foi de R$ R$ 17,6 bilhões desde 1993, em valores nominais — em valores corrigidos, totalizam R$ 31 bilhões.

Na época o ministério era responsável pela aprovação de projetos inscritos na lei, principal instrumento de financiamento de atividades culturais no Brasil. Agora fica a cargo do Ministério da Cidadania.

Disputa desde antes das eleições

Nos embates em relação a Lei Rouanet envolvendo Bolsonaro e artistas vêm desde antes da eleição. Quando Bolsonaro ainda era presidenciável, um grupo de artistas assinou um manifesto contra o agora presidente. Para eles, a vitória de Bolsonaro prejudicaria a classe artística, a começar pela extinção do Ministério da Cultura, o que se confirmou.

Em resposta, ele atacou artistas famosos e bem estruturados que receberam dinheiro da Lei Rouanet que poderiam ser mais úteis para artistas em começo de carreira. “Incentivos à cultura permanecerão, mas para artistas talentosos, que estão iniciando suas carreiras e não possuem estrutura. O que acabará são os milhões do dinheiro público financiando ‘famosos’ sob falso argumento de incentivo cultural, mas que só compram apoio! Isso terá fim!”, disparou.

Agora é esperar por mais um round nessa queda de braço entre Bolsonaro e a classe artística. 

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