O jornal O Estado de S. Paulo revelou, nesta semana, que, mesmo há 15 dias com R$ 10,8 milhões recebidos para esse objetivo, a Funai ainda não havia usado um centavo. Um dia depois, de acordo com a Procuradoria, empenhou R$ 53,9 mil. Já a pasta de Damares tem R$ 45 milhões em caixa, e, segundo o Ministério Público Federal, empenhou apenas R$ 1.059,00.
Tanto à Funai, vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, quanto à pasta de Direitos Humanos, o subprocurador-geral ressalta que "a necessidade é urgente em cada comunidade indígena, seja por alimentos, seja por proteção e segurança".
"Não se descura do fato de que o prazo é exíguo para a execução da totalidade dos recursos, mas a necessidade urge em cada população quilombola, cigana, ribeirinha, entre outras, seja por alimentos, seja por proteção e segurança", diz, especificamente a Damares.
Da pasta dos Direitos Humanos, o subprocuradora-geral cobra "informações acerca da estruturação das atividades do Ministério para implementar as ações emergenciais de combate ao coronavírus a que se destinam os aludidos recursos, bem como a celebração do Termo de Execução Descentralizada (TED) à Funai para compra de cestas de alimentos para o pronto atendimento às comunidades que delas carecem para sobreviver".
"Por fim, solicito informações acerca da estruturação logística dessa Autarquia para a alocação desses recursos orçamentários de forma a implementar as devidas ações emergenciais de combate ao Covid-19", requer Bigonha à Funai.
Questão não é financeira
Uma nota técnica do MPF que embasa o pedido de informações ainda dá conta de que "há intenção do MMFDH transferir à Funai, via TED - Termo de Execução Descentralizada, o valor aproximado de R$ 5 milhões para incremento nas compras de cestas básicas aos indígenas"
"Em conversa telefônica com a Funai, eles posicionaram que a maior dificuldade atual para a utilização dos recursos extraordinários é o arranjo logístico para entrega de 308 mil cestas de alimentos a famílias indígenas de diferentes regiões do país. O que abrange quase 154 mil famílias em mais de 3 mil comunidades indígenas", narra, em documento do dia 15, a assessora econômica da Procuradoria, Romana Coêlho de Araújo.
"Desse feito, a questão não é financeira, pois os recursos já estão disponibilizados e o seu trâmite e execução não se submetem aos limites do teto de gasto e nem da regra de ouro, como impostos no orçamento tradicional", conclui.
Entenda o caso
No dia 2 de abril, a Funai passou a dispor de R$ 10,840 milhões a partir da publicação da medida provisória 942, que tratou de uma série de medidas federais de enfrentamento à pandemia. A MP tem efeito imediato. Por isso, o recurso, de caráter emergencial e extraordinário, ficou à disposição da Funai.
Os dados do sistema federal mostram, porém, que até ontem apenas um gasto de R$ 11,4 mil foi empenhado pela Funai, ou seja, o valor foi bloqueado dos recursos, mas sequer foi efetivamente pago pela fundação.
Para se ter uma ideia, o orçamento total da Funai previsto para este ano é de R$ 506 milhões, dos quais mais de R$ 151 milhões serão usados para pagamento de pensões e aposentadorias de servidores. O valor destinado à proteção dos índios contra a covid-19 corresponde a um quinto das despesas administrativas do órgão, que consomem mais de R$ 50 milhões por ano.
Com a palavra, FUNAI
A Fundação Nacional do Índio (Funai) reitera que a execução de verba pública depende de atendimento a procedimentos fixados em lei. De imediato, foram adotadas ações para aplicação do montante de modo legal e absolutamente planejado, ou seja, em articulação com os demais setores governamentais envolvidos, tais como Ministério da Saúde, Ministério da Justiça e Segurança Pública, além da própria Presidência da República.
A Funai não está parada. Seu quadro exíguo de servidores tem trabalhado diuturnamente para executar as ações emergenciais de combate à covid-19. As 39 Coordenações Regionais da Funai já realizaram a cartografia das comunidades e o levantamento das necessidades em suas áreas de atuação (vide anexo). Os recursos serão empregados de acordo com o mapeamento, levando em conta as especificidades dos diferentes povos indígenas. As localidades onde o acesso se dá apenas de barco ou avião contarão, inclusive, com plano de entrega específico, dada sua a complexidade logística.
Cabe esclarecer, ainda, que os R$ 10,8 milhões de aporte orçamentário serão utilizados para diferentes fins, como a compra emergencial de alimentos para áreas de extrema vulnerabilidade social, o deslocamento de equipes às Frentes de Proteção de povos indígenas isolados e de recente contato, bem como aquisição de veículos e embarcações para viabilizar o transporte de servidores até as aldeias e de indígenas até as unidades de saúde.