A nomeação do pediatra foi assinada pelo ministro Marcelo Queiroga e publicada no Diário Oficial da União, mas Gurgel nunca chegou a exercer o cargo efetivamenteMarcello Casal Jr/ Agência Brasil
Gurgel, que assumiria o cargo, é professor de pediatria e, no mesmo dia em que sua nomeação foi publicada, deu declarações que contrariam Bolsonaro. Em entrevistas, defendeu a vacinação de adolescentes, que chegou a ser suspensa no mês passado pelo Ministério da Saúde após pressão de bolsonaristas. Também afirmou ser contrário ao uso do chamado "kit covid", composto por medicamentos ineficazes contra a doença, como cloroquina e ivermectina, que é incentivado pelo presidente.
Ao Estadão, o médico relatou ter sido recebido no Ministério da Saúde apenas por um coordenador de departamento. "Ele me comunicou que eu não tomaria posse", afirmou. "Não me disseram mais nada. Não teve justificativa."
O médico disse ter se encontrado uma única vez com Queiroga, quando foi entrevistado para o cargo. Ele contou que não conhecia o ministro e não houve mais contatos desde então. "Eu não tenho acesso ao ministro", disse.
A nomeação chegou a ser divulgada no site do Ministério da Saúde no dia 7 de outubro. "A partir de agora, Gurgel estará à frente de temas prioritários para o Ministério da Saúde, como a cobertura vacinal dos imunizantes previstos no Calendário Nacional de Vacinação e a continuidade da campanha contra a Covid-19, que já imunizou quase 94% da população adulta com a primeira dose", diz o texto, que ainda está no ar.
Em manifestação ao site, Gurgel chegou a planejar como seria o trabalho no PNI. "A prioridade será reforçar as coberturas vacinais dos calendários do PNI, principalmente das crianças, mas também dos adolescentes, grávidas e idosos. Precisamos colocar em níveis seguros, para que essas doenças não retornem. É claro que também temos muito trabalho relacionado à vacinação contra a covid-19", afirmou à época.
Reincidência
O caso de Gurgel não é inédito no Ministério da Saúde. Anunciada em maio como chefe da Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à covid-19, a médica Luana Araújo foi informada dez dias depois que sua nomeação não seria concretizada.
Luana é defensora da vacinação em massa e já declarou ser favorável a medidas restritivas e contra o "kit covid". Em uma entrevista, a médica afirmou que "todos os estudos sérios" demonstram a ineficácia da cloroquina e que a ivermectina é "fruto da arrogância brasileira" e "mal funciona para piolho".
Na época, Queiroga negou pressão do Planalto. Sem informar o motivo de Luana ter deixado o cargo, se limitou a dizer que a pasta buscaria por outro nome com "perfil profissional semelhante: técnico e baseado em evidências científicas".
Poucos dias depois, no entanto, durante audiência da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, o ministro disse que a doutora era uma "pessoa qualificada" e tinha as condições técnicas para exercer "qualquer função pública", mas não foi nomeada porque além de "validação da técnica", era necessário "validação política" para nomeação. "Vivemos em um regime presidencialista", afirmou o ministro.
Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou sobre o caso de Gurgel.
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