Médico faz declarações falsas sobre o coronavírusReprodução da Internet
O Ministério da Saúde, em conjunto com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e as secretarias estaduais e municipais de saúde, monitora a ocorrência de efeitos adversos pós-vacinação. Também são divulgados boletins periódicos com apresentação e análise desses dados. O último deles, com números contabilizados até novembro de 2021, aponta que, em um universo de 295 milhões de doses aplicadas em 155 milhões de pessoas, foram registrados 428 eventos adversos graves (EAGs) após a vacinação. Eventos adversos graves ou que levam a óbito são estudados semanalmente pelo Comitê Interinstitucional de Farmacovigilância (GFARM).
Em relação à efetividade das vacinas, especialistas consultados pelo Comprova e o próprio Ministério da Saúde afirmam que os imunizantes têm se demonstrado eficazes, especialmente para conter os casos graves da doença, ainda que as infecções tenham atingido patamar elevado nas últimas semanas. Também não é verdade que o sequenciamento genético do novo coronavírus ainda seja parcialmente desconhecido, uma vez que já existiam diversos vírus semelhantes, da família dos coronavírus, sequenciados e relatados na literatura científica, o que também já vem ocorrendo com o Sars-CoV-2, que causa a covid-19.
O Comprova tentou contato tanto com o autor da postagem aqui viralizada quanto com o médico Alessandro Loiola, que aparece no vídeo, mas não obteve retorno. Para o Comprova, a postagem é falsa porque apresenta conteúdo inventado.
A equipe tentou contato telefônico por meio do número que o site Doctoralia apresenta como o da clínica de Alessandro Loiola. O próprio médico também foi procurado por meio dos canais de comunicação divulgados em suas redes. A equipe ainda fez contato com os Conselhos Regionais de Medicina de São Paulo e de Minas Gerais, estados onde o médico mantém registro ativo nos respectivos conselhos, para obtenção de informações sobre a atuação profissional do médico. O Sindicato dos Médicos de São Paulo também foi procurado na tentativa de obter informações a respeito da carreira do profissional, mas não houve retorno.
A reportagem tentou, sem sucesso, contato com o perfil responsável pela publicação do vídeo que viralizou.
Para verificar as informações técnicas mencionadas no vídeo, a equipe do Comprova conversou com a microbiologista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Giliane Trindade, com o epidemiologista e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Eduardo Martins Netto, e com a bióloga e professora da Universidade Federal de Goiás (UFG) Mariana Telles. Além deles, foram consultados formalmente por e-mail a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde.
Também foram analisados os boletins de acompanhamento de Efeitos Adversos Pós-Vacinação divulgados periodicamente pelo Ministério da Saúde.
Por fim, a plataforma Our World in Data, mantida pela Universidade de Oxford, foi consultada para o levantamento dos números de casos e de óbitos registrados no Brasil ao longo da pandemia.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 26 de janeiro de 2022.
O trecho do evento que foi recortado e utilizado no vídeo viral também está disponível no canal oficial da Câmara no YouTube, nomeado como “parte 2” da audiência, e tem pouco mais de 1 hora e 54 minutos de duração. De acordo com divulgação da Câmara de Sorocaba, o evento foi uma iniciativa do vereador Vinícius Aith (PRTB).
Segundo a pesquisadora, essa relação foi descoberta a partir do sequenciamento do genoma do novo coronavírus, e da sua comparação com vírus semelhantes que já eram estudados. “A origem é dada como ‘provável’ porque, até hoje, de fato, não foi encontrado nenhum animal com o vírus 100% idêntico ao que infecta os seres humanos, mas há essa enorme semelhança”, afirma a pesquisadora.
“Em resumo, podemos dizer que provavelmente o vírus já circulava em alguma espécie de animal, que ainda não foi possível identificar, mas que os estudos genéticos indicam que sejam os morcegos. Em algum momento esse vírus pode ter saltado diretamente de um morcego para um ser humano, ou de um morcego para alguma outra espécie animal, e dessa espécie animal para um ser humano”, acrescenta.
A origem natural do novo coronavírus também é mencionada como a mais provável nos sites da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e do Instituto Butantan.”Pesquisadores chineses identificaram que o novo vírus é originário de morcegos, assim como a maioria dos outros coronavírus. Sabe-se atualmente que houve o fenômeno de ‘transbordamento zoonótico’, quando um coronavírus que acomete animais sofre mutação e passa a infectar humanos. As pesquisas nos permitem concluir que essa mutação foi um processo natural e não induzido pelo homem em laboratório”, afirma a Fiocruz.
O Instituto Butantan também aponta a origem natural e correlação com vírus encontrados em morcegos e o Sars-CoV-2, que causa a covid-19: “No final de março de 2021, a OMS (Organização Mundial da Saúde) divulgou um relatório de 120 páginas, desenvolvido por cientistas da China e de outras partes do mundo, que reforçou a origem natural da epidemia. A tese mais aceita diz que o vírus passou do morcego para um mamífero intermediário, e dele para o ser humano. A transmissão de um morcego diretamente para um humano também foi apontada como uma hipótese possível e provável”.
A microbiologista Giliane Trindade explica que a afirmação é falsa. “Já existem centenas de genomas depositados em bancos de dados. O estudo dos coronavírus foi muito incrementado depois das emergências anteriores [provocadas por vírus desse tipo], como a da Síndrome Respiratória Aguda (Sars) e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers). O genoma é totalmente conhecido”, diz.
Os coronavírus são uma extensa família de vírus semelhantes, e que incluem o Sars-CoV, responsável pela Síndrome Respiratória Aguda (Sars); o Mers-Cov, responsável pela Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers) e o Sars-CoV-2, que causa a covid-19.
De acordo com o virologista e professor da UFBA Eduardo Martins Netto, todo o genoma do Sars-CoV-2 tem sido repetidamente sequenciado e relatado na literatura científica. “O sequenciamento de RNA do novo coronavírus já é totalmente conhecido, o que ainda não é 100% conhecido é a implicação que cada trecho pode causar quando infecta o ser humano”, diz.
A bióloga e professora da UFG Mariana Telles também afirma que cientistas de todo o mundo têm amplo trabalho de sequenciamento do vírus que provoca a covid-19, realizado por meio da análise de amostras fornecidas por pacientes que tiveram a doença.
Telles coordena o trabalho de sequenciamento em Goiás e explica que realizar o estudo é importante para entender as diferentes mutações pelas quais o vírus passa, que podem apontar se há maior facilidade de disseminação ou aumento de virulência (capacidade de produzir efeitos graves), por exemplo. “O sequenciamento é a única metodologia que permite a gente entrar neste nível de detalhe. Os testes de diagnóstico não permitem isso, eles vão dizer se a pessoa tem ou não tem o vírus”, afirma.
As consequências relacionadas ao risco de trombose e falência múltipla dos órgãos também estão citadas na página do Ministério da Saúde que lista os sintomas da doença. No entanto, essas consequências são apresentadas como complicações relacionadas aos casos mais graves de covid-19, o que, segundo a mesma página do Ministério, corresponde a cerca de 5% de todos os casos da doença.
A pasta ressaltou ainda que eventos adversos pós-vacinação muito raros, graves ou que levem a óbito são discutidos semanalmente pelo Comitê Interinstitucional de Farmacovigilância de Vacinas e outros Imunobiológicos (Cifavi), formado pelo PNI, Gerência de Farmacovigilância (GFARM) da Anvisa, o Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), além de especialistas com expertise em vacinologia e farmacovigilância de vacinas, em imunologia, infectologia, neurologia, cardiologia, reumatologia e pediatria. “Neste comitê são avaliados se o EAPV tem ou não relação causal com a vacina”, diz o Ministério.
De acordo com último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde de acompanhamento EAPVs, com dados entre 17 de janeiro e 20 de novembro de 2021, o Brasil havia aplicado 295 milhões de doses em 155 milhões de pessoas, e registrado 9.896 eventos adversos graves (EAGs) após a imunização.
Desses 9.896 casos, 3.537 foram classificados como tendo relação inconsistente com os efeitos da vacina após análise. Ou seja, foram eventos causados por condições preexistentes decorrentes de outros fatores, que não as vacinas. Até o momento, apenas 428 casos de EAGs tiveram relação comprovada com a vacina, enquanto outros 5.148 ainda estão sob análise, ou são casos com informações incompletas.
A Anvisa também foi contatada para esclarecimentos a respeito do acompanhamento de casos de efeitos adversos da vacinação, mas não respondeu até o fechamento desta verificação.
Houve aumento de casos de coronavírus no Brasil nas últimas semanas, mas não é verdade que a vacina não seja importante. A bióloga Mariana Telles afirma que as mutações que a variante ômicron apresenta explicam a facilidade que o vírus tem de entrar nas células. Ela explica que também já foi verificado que o vírus se aloja mais nas partes altas das vias aéreas, o que facilita a disseminação. Para a professora, esses pontos ajudam a explicar o aumento de casos de covid-19 no País.
Telles ressalta que o número de óbitos e internações não acompanhou, na mesma proporção, o aumento de casos positivos de covid-19 – ao contrário do que ocorreu antes de os brasileiros começarem a ser vacinados. “A gente está vendo explosão de casos, mas não vemos explosão de internação e óbito porque a vacina está segurando”, explica.
De acordo com números da plataforma Our World in Data, no dia 1º de abril de 2021 o Brasil registrou a maior média móvel de novas mortes diárias por covid-19 durante todo o período da pandemia: 3.107. Nesse mesmo dia, a média móvel de novos casos de covid-19 registrados no país era de 73.508 por dia. Ou seja, a relação nesse dia foi de 23,6 casos de covid-19 para cada morte registrada.
Já no último dia 25 de janeiro, o Brasil atingiu o maior patamar na média móvel de novos casos registrados em um único dia: 158.924,43. No mesmo dia, a média móvel de mortes diárias por covid-19 no país era de 332,29, também de acordo com levantamento da Our World in Data. A relação era de aproximadamente 478,27 casos para cada óbito registrado.
A não proporcionalidade entre aumento do número de casos e do número de óbitos por covid-19 registrados atualmente no país também pode ser observada nos dados referentes ao mês de janeiro de 2022. Entre o dia 1º e o dia 25 deste mês, a média móvel de novos casos diários confirmados da doença saltou de 8.189,14 para 158.824,43 (um aumento de 1.840,6%). No mesmo período, a média móvel de óbitos diários foi de 97,29 para 332,29, um aumento de 241,5%. Os números também são da plataforma Our World In Data.
Estes são os números mais atuais relacionados à pandemia no Brasil, pois o vídeo aqui verificado viralizou nas últimas duas semanas, o que pode levar a população a entender que os questionamentos são recentes. No entanto, a audiência pública foi realizada em 10 de novembro de 2021, quando o número de casos de covid-19 estava em queda.
Em nota, o Ministério da Saúde destacou que a variante ômicron, que tem se mostrado a cepa do coronavírus de maior circulação neste momento, “apresenta certa capacidade de evasão à resposta imune às vacinas, além de transmissibilidade aumentada”. No entanto, segundo o Ministério, ainda assim, as vacinas mantiveram elevada efetividade para prevenção de formas graves da doença. “De tal forma que o aumento no número de casos trouxe uma elevação menos significativa das hospitalizações e óbitos, até o presente momento, em relação ao que foi observado nas ondas prévias de covid-19”.
O registro mais antigo é o do Espírito Santo, de 1996. Atualmente esse registro aparece como “transferido”, enquanto o de Minas Gerais (inscrição feita em 2002) e São Paulo (inscrição em 2010) estão ativos. Nos conselhos regionais de Minas Gerais e Espírito Santo, constam como áreas de atuação médica a cirurgia geral e a proctologia ou coloproctologia. Em São Paulo não há indicação de especialidades.
Em outra verificação do Comprova, também sobre conteúdo falso divulgado a partir de falas do médico, a equipe mostrou que, em novembro de 2019, Loiola foi escalado pelo então secretário especial da Cultura do governo federal, Roberto Alvim, para o cargo de coordenador-geral de Empreendedorismo e Inovação, do Departamento de Empreendedorismo Cultural, da Secretaria da Economia Criativa.
Na época, a nomeação foi assinada pelo então ministro do Turismo, Marcelo Henrique Teixeira Dias, e publicada no Diário Oficial da União de 27 de novembro de 2019. Cerca de dois meses depois, Loiola e outros dois funcionários da Secretaria Especial da Cultura foram exonerados dos cargos também pelo ministro Dias. As exonerações foram publicadas no Diário Oficial da União no dia 24 de janeiro de 2020. Alvim foi demitido dez dias antes, após fazer um pronunciamento oficial com referências nazistas, como mostra esta reportagem publicada por O Globo.
O Comprova também já verificou outros conteúdos enganosos que envolvem Loiola, como quando o médico tirou de contexto dados sobre um estudo para sugerir que o uso de máscara é ineficiente para diminuir a disseminação da covid-19 e outro caso em que medidas protetivas foram desqualificadas.
A equipe tentou contato direto com Loiola por meio de telefone disponível no site Doctoralia, mas o número pertence a uma igreja presbiteriana da cidade de São José dos Campos (SP). O médico também foi procurado por meio dos canais de comunicação divulgados em suas redes (WhatsApp e e-mail). O Comprova encaminhou mensagem questionando Loiola sobre a fonte de suas afirmações no vídeo, o local onde atendia pacientes na época do vídeo e atualmente, além de posicionamento diante da produção da reportagem.
Em resposta por meio do aplicativo de mensagens (usado para agendamento de consultas com Loiola e venda de seus livros), uma mulher, que se identificou como assessora pessoal e esposa do médico, informou que as respostas aos questionamentos estão nos livros publicados por ele sobre a pandemia. Também foi encaminhada uma foto que mostra a capa das duas obras. Não houve resposta por e-mail.
Publicações como estas prejudicam o avanço da campanha de imunização contra a covid-19, fazendo com que a população tenha dúvidas sobre a eficácia e segurança das vacinas. Instituições públicas e especialistas afirmam que os benefícios de receber as doses são maiores do que os efeitos adversos que os produtos podem provocar.
Recentemente, o Comprova também verificou que o Ministério da Saúde descartou relação entre a vacina e a morte de um adolescente em João Pessoa e o caso do vídeo de um pai desesperado, que é antigo, foi filmado no Amazonas e não tem relação com o imunizante.
Falso, para o Comprova, é todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.