O presidente Jair Bolsonaro (PL) associou a redução do número de assassinatos no país ao acesso de armas de fogo por parte da populaçãoAFP

Rio - A queda de 7% no número de assassinatos registrada no Brasil em 2021 - a menor taxa desde 2007 - foi um dado bem-vindo divulgado pelo projeto 'Monitor da Violência'. Criado pelo 'G1', em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os dados apresentados fomentaram o debate entre especialistas e criou a brecha para a controversa opinião do presidente Jair Bolsonaro, que atribuiu a redução no número mortes violentas no país à política de armamento da população defendida pelo governo federal. 
"Vocês viram que o número de homicídios por arma de fogo caiu ao menor número histórico, né? A imprensa não fala que, entre outras coisas, a liberação das armas para o pessoal de bem, o cara pensa duas vezes antes de fazer uma besteira. Agora, se tivesse aumentado, quem era o culpado? Não precisa dizer", disse Bolsonaro, aos risos, em conversa com apoiadores na manhã desta segunda no cercadinho do Palácio da Alvorada.
A facilitação no acesso e na circulação de armas no país ainda é visto de forma temerária para a população. No ano passado, o país registrou 41,1 mil mortes violentas nos 26 estados e do Distrito Federal: homicídios dolosos, incluindo feminicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. 
Cientista político e professor do Laboratório de Violência, ligado ao departamento de Ciências Sociais da Uerj, João Trajano Sento Sé rebateu a fala do presidente.
"Foi um argumento falacioso, de quem está querendo surfar na onda dos dados do indicador. Estudos indicam índices mais altos de violência em países mais permissivos em relação à regulamentação de armas de fogo. Não é por aí. A tendência positiva, mas precisamos olhar com cuidado", pontuou João Trajano.
A falta de clareza e, em muitos casos, e a inexistência de políticas de segurança pública que estimulem cada vez mais a criação e manutenção de programas integrados, em nível estadual e federal, são entraves significativos para a diminuição mais coordenada e consolidada nos índices de mortes violentas no país.
"É difícil apontar um ou dois fatores para redução, que tem se mostrado uma tendência. Por isso, acho precipitado tirar conclusões (...) Quanto mais armas em circulação, maior será a incidência de mortes violentas. O governo federal e a maioria dos estaduais não apresentam política pública alguma e, portanto, não merecem créditos pela tendência de queda, que pode ser justificada por programas mais antigos, mesmo desativados ou extragovernamentais", concluiu.
Debruçados sobre os dados da pesquisa, especialistas na área de segurança pública têm uma visão mais aprofundada, crítica e técnica para explicar os números que já indicavam a tendência antes do governo Bolsonaro, defensor da política armamentista. "É difícil precisar razões pra uma queda pontual, descolada de um recorte temporal razoável", pondera o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ, Rafael Borges, deixando clara a posição em relação à associação feita pelo presidente da República.
"Zero. Não existe relação alguma entre quantidade de armamento em circulação e redução de indicadores criminais. Essa 'lógica' torta parte do pressuposto equivocado de que as armas geram efeitos dissuasórios ou inibitórios. O que nunca se confirmou. Nunca", avaliou Rafael Borges, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB-RJ, que, de forma categórica, concluiu:
"A presença de armas em circulação é fator de insegurança, empoderamento de pessoas despreparadas e gatilho de soluções radicais para problemas cotidianos. E é preciso deixar claro também que esta é uma premissa falsa. As armas não estão 'liberadas' no país. Estão mais acessíveis por força de decretos liberatórios".
Com 38 anos de experiência em segurança pública, Paulo Storani, antropólogo e capitão veterano do Bope, considera que uma série de fatores influenciam os números apresentados pelo indicador de mortes violentas no país. Entre os pontos destacados, Storani aponta para a redução de circulação da população, em especial nas metrópoles no país, motivada pelas medidas de restrições adotadas nos estados durante a pandemia do novo coronavírus.
"Podemos considerar ações importantes como a atuação das instituições policiais estaduais e federais, com recordes de apreensão de armas e drogas, os grandes insumos da violência. A segunda tem relação com o polêmico aumento da aquisição de armas de fogo por parte da população. A última estaria relacionado com a diminuição de pessoas em circulação. Essa premissa está sendo reconsiderada, pois já vivemos uma relativa normalidade e os índices continuam a cair. O tempo e os indicadores nos mostrarão se tratar de uma tendência ou não", disse Storani.
 
 

cientista político João Trajano Sento Sé, professor do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).