Comprova classifica como enganosa postagem que afirma serem os vacinados mais vulneráveis a contrair a covid-19Arte/Comprova
Os dados citados na publicação foram extraídos da “Síntese diária de óbitos notificados em 15 de fevereiro”, um documento produzido pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (Divep/SVS). Segundo o informe, foram notificadas oito mortes por covid-19 no DF em 15 de fevereiro de 2022.
O autor do post ressalta que todas as oito vítimas haviam recebido ao menos duas doses da vacina contra a covid-19; quatro delas também tinham recebido a dose de reforço. “NENHUM ÓBITO DE NÃO VACINADO”, destaca o tuíte, induzindo à conclusão de que pessoas vacinadas são mais vulneráveis ao coronavírus, como mostram comentários feitos no post original (1 e 2).
A realidade do atual momento da pandemia, no entanto, é a oposta. Dados divulgados em fevereiro pelas secretarias de Saúde de estados como Amazonas, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo mostram que pessoas não vacinadas ou que não completaram o esquema vacinal, ou seja, não receberam as três doses, têm mais chances de morrer pela doença.
No Distrito Federal, dos 93 idosos acima de 60 anos que morreram entre 1º de janeiro e 7 de fevereiro, período analisado por um estudo feito pela Secretaria de Saúde, 79 (82,3%) não haviam recebido três doses da vacina. As informações foram divulgadas em 11 de fevereiro, portanto, estavam disponíveis quando o post investigado foi publicado. Não há informações sobre quantos estavam apenas com uma, duas ou nenhuma dose da vacina. O estudo leva em consideração que a população vacinada é aquela que completou o esquema básico (duas doses) e reforço.
Especialistas consultados pelo Comprova alertam que outras informações são relevantes ao se analisar dados de óbitos por covid-19. O tuíte aqui verificado diz que todas as oito vítimas notificadas no boletim de 15 de fevereiro do DF tinham mais de 60 anos. No entanto, o autor não menciona outros fatores de risco que constam no boletim e podem estar relacionados aos óbitos. Por exemplo, entre as oito mortes, cinco eram de pessoas com mais de 80 anos. Cinco delas também tinham comorbidades.
A Secretaria de Saúde do DF informou ao Comprova que está “em processo de revisão” do formato dos informes sobre covid-19, “no intuito de mitigar possíveis equívocos” e “interpretações errôneas” dos dados. Anteriormente, a secretaria já havia emitido um comunicado contextualizando as informações de um post parecido da deputada federal Bia Kicis (União Brasil-DF), que isolou dados do dia 14 de fevereiro de 2022.
O autor do tuíte aqui verificado também foi procurado pela equipe do Comprova, mas se recusou a comentar sobre o post.
O conteúdo foi considerado enganoso porque usa dados incompletos e omite informações importantes, induzindo a uma conclusão errada.
Em seguida, buscamos especialistas que pudessem explicar o que os dados apresentados no post indicam sobre a eficácia das vacinas. Entrevistamos Breno Adaid, coordenador e professor de estatística no mestrado em administração do Centro Universitário IESB, e Julival Ribeiro, infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.
A equipe ainda fez uma busca por informações oficiais divulgadas recentemente para entender o contexto da atual fase da pandemia de covid-19. Procuramos dados de estados brasileiros que informaram a situação vacinal das vítimas do coronavírus.
Por fim, o Comprova entrou em contato com o autor do tuíte.
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 3 de março de 2022.
O boletim aponta ainda que todas as vítimas tinham mais de 60 anos de idade; cinco tinham mais de 80. Cinco delas também tinham comorbidades. O relatório traz tabelas separadas de acordo com as características gerais dos casos, como gênero, faixa etária, região administrativa, tipos de comorbidade e situação vacinal. Porém, não detalha o perfil individual de cada paciente, de forma que não há como saber se as pessoas que estavam vacinadas com a dose de reforço eram as mesmas que tinham comorbidades ou outros fatores de risco, por exemplo.
Breno Adaid, pesquisador de dados de covid-19, afirma que informações divulgadas dessa forma podem contribuir para o surgimento de comparações que geram desinformação, como no post investigado. “Cientificamente falando, o correto é comparar grupos mais homogêneos possíveis. No caso, taxa de mortalidade antes e depois da vacina”, explica. “Quando você pega casos isolados, corre o risco de, sem querer ou intencionalmente, pegar dados com particularidades”, completa.
Adaid ressaltou que a melhor forma de tratar os dados seria colocá-los dentro de um contexto maior. Por exemplo, junto às comorbidades, faixa etária e outros fatores que podem ter contribuído para o agravamento dos casos.
Ao Comprova, a SES-DF informou que está em processo de revisão do método de divulgação dos dados sobre a situação vacinal dos óbitos. A mudança ocorre justamente para evitar interpretações equivocadas. Recentemente, o órgão desmentiu uma publicação da deputada federal Bia Kicis, que também usava dados do boletim epidemiológico para questionar a eficácia das vacinas.
O médico também esclarece que a vacinação diminui, mas não exclui totalmente o risco de morte pela covid-19. Fatores como idade e comorbidades podem contribuir para um agravamento do quadro. “Essas pessoas têm mais chance de virem a complicar e resultar em óbito. Isso é esperado. Agora, o que não se pode fazer é uma análise mostrando que não vacinados são mais protegidos. Isso não existe”, afirma.
Ribeiro ressalta que, apesar disso, a vacinação teve um impacto positivo também sobre essa população mais vulnerável. No Distrito Federal, os dados de 2022 mostram que a taxa de mortalidade por covid-19 de idosos com ciclo vacinal incompleto (que não receberam três doses) foi 33 vezes maior. Em 25 de janeiro, a Secretaria de Saúde do DF informou que 90% das pessoas hospitalizadas naquele momento não haviam completado o esquema vacinal.
A taxa de hospitalização de indivíduos não vacinados ou com vacinação incompleta também se manteve superior em Santa Catarina. No mesmo período, o índice de internações foi 31 vezes maior entre idosos que não completaram o esquema vacinal. Já entre adultos, a taxa foi 20 vezes maior do que entre aqueles que não receberam a dose de reforço.
No Rio Grande do Sul, dados do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) apontam que a dose de reforço reduziu em 95% a incidência de óbito em idosos no período de agosto a novembro de 2021. Entre as pessoas com mais de 20 anos com esquema vacinal completo, o risco de morte foi reduzido em 87%.
Um levantamento feito pelo G1, com índices do Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, além dos estados já citados na verificação, mostra um cenário semelhante: de que os não vacinados são os que mais morrem. Os dados reforçam o que especialistas e organizações nacionais e internacionais defendem: as vacinas contra a covid-19 são eficazes e a dose de reforço é fundamental para reduzir o risco de internação e óbito.
Faria foi um dos responsáveis pela defesa do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que em fevereiro de 2021 teve prisão determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, após publicar vídeo ofendendo juízes do tribunal, defendendo a sua destituição, e elogiando o Ato Institucional nº5, instrumento legal de repressão da ditadura militar brasileira (1964-1985).
O Comprova entrou em contato com o advogado, que respondeu em tom agressivo, crítico do trabalho de agências de verificação de fatos. Afirmou que projetos como o Comprova “adotaram a mentira, deturpação dos fatos, violações de honras e intimidades de quem pensa dissonante da ideologia progressista, como máxima de suas atuações”.
Em seguida, fez uma série de questionamentos sobre a verificação e disse que “medidas judiciais” seriam tomadas contra os jornalistas envolvidos na checagem e os veículos para os quais trabalham, caso fossem feitas publicações de caráter “não-jornalístico” e “viés político-ideológico” que atingissem sua “honra e dignidade”.
A equipe do Comprova então respondeu algumas das perguntas levantadas por Faria, informando quais especialistas foram consultados na verificação. Também deixamos links para matérias dos sites Metrópoles e G1, que trazem dados oficiais sobre a situação vacinal de vítimas da covid-19. Em resposta, o advogado voltou a fazer ataques à imprensa e ameaçou tomar medidas judiciais contra “todos os envolvidos”, em caso de violação à sua honra.
Conteúdos que trazem desinformação sobre as vacinas contra a covid-19 podem provocar dúvidas e desestimular a população a aderir a campanha de vacinação em curso no Brasil. A eficácia e segurança das vacinas são temas constantes nas verificações do Comprova.
Já mostramos que um post que relacionava a morte de uma criança à CoronaVac era enganoso; que vacinas não criaram novas cepas ou mais casos de covid em Israel; e que o leite materno não substitui vacinação de crianças contra a covid-19, como sugeriu o ex-senador Magno Malta.
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.