Supremo recebeu ADC e analisará matériaReprodução

Rio - No Brasil, os cursos superiores em Medicina possuem regulamentação específica que difere dos demais. Desde 2013, a abertura de novos cursos e o aumento do número de vagas ofertadas devem ocorrer dentro de chamamentos públicos, organizados pelo Ministério da Educação, e de acordo com o programa Mais Médicos. No entanto, portaria de 2018 travou os dois tipos de processo. O embargo, segundo especialistas, afeta a concorrência no setor, ao manter monopólio dos grandes grupos educacionais, e prejudica a oferta de ensino à população, principalmente fora dos grandes centros.
Em reunião recente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), colocou-se em votação a proposta de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), a ser ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF), pleiteando que a única forma de se pedir novos cursos de Medicina e buscar aumento de vagas em cursos já autorizados no País seja a via da Lei do Mais Médicos e que sejam paralisadas e tornadas sem efeito as ações judiciais que pleiteiam a possibilidade de se ter a abertura de processos de autorização de novos cursos da área.
Embora a votação tenha sido de 7 votos contra a ação, 4 a favor e uma abstenção, uma manobra realizada pela presidente da entidade, Elizabeth Guedes, com o argumento de que os votos teriam peso proporcional ao número de instituições mantidas por cada associada, com número reduzido de universidades, garantiu a vitória ao grupo minoritário, já que, dentre as 4 que votaram favoravelmente à ação, estavam as mantenedoras do Grupo Kroton, que representou, na reunião, 158 instituições, e as mantenedoras do Grupo Afya, que representou 13 instituições.

Ao que ficou claro, a Anup, que é presidida por Elizabeth Guedes, voltou-se contra os interesses da sociedade brasileira para garantir reserva de mercado de uma pequena parte de seus associados, que são justamente aqueles que detêm grande fatia dos cursos autorizados de Medicina do Brasil, em especial a Afya. "O interesse do setor educacional brasileiro, no que diz respeito aos cursos de Medicina, é que se tenha livre concorrência e livre iniciativa, garantindo-se todos os padrões de qualidade estabelecidos pelo Ministério da Educação", reforça Edgard Larry, presidente da Associação Brasileira das Mantenedoras das Faculdades (ABRAFI).

Segundo Larry, buscar reservar mercado, favorecendo quem já têm cursos autorizados em detrimento de instituições que detêm qualidade para abrir novos cursos, desbalanceia o setor.
"Paralisar ou tornar sem efeito ações judiciais legítimas, muitas já com decisões definitivas, para proteger fatia de mercado para alguns não deve ser o papel de nenhuma Associação de classe, ainda mais quando a maioria de seus associados votou contrariamente à medida. Importante que se diga que as ações judiciais em curso não buscam a aprovação de um curso de Medicina, mas sim buscam o direito de pleitear, junto ao MEC, a abertura do protocolo para tramitação do processo de autorização de curso de Medicina, sujeitando-se a todo o rigor de análise e avaliação do próprio Ministério, suas Secretarias e Autarquias", complementa.
A Ação Direta de Constitucionalidade foi protocolada pelo escritório Sergio Bermudes Advogados no STF nesta quarta-feira (8) e distribuída para relatoria do ministro Gilmar Mendes.

Médicos no Brasil

De acordo com o último Relatório Demografia Médica no Brasil, de 2020, produzido por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com cooperação técnica do Conselho Federal de Medicina, o país conta com mais de 500 mil médicos, uma razão de 2,38 médicos por mil habitantes. Apesar do aumento desse valor, ainda estamos abaixo de vários países como Chile (2,5), Estados Unidos (2,6), Reino Unido (2,8), Austrália (3,0), Argentina (3,2), Itália (3,5), Alemanha (3,6), Portugal (3,9) e Espanha (4,0).

O déficit de profissionais fica ainda mais evidente quando analisados documentos do Ministério da Saúde que revelam que, nos últimos dez anos, foram abertos 146 mil postos de primeiro emprego formal no Brasil, contra 93 mil formados em Medicina. Durante a pandemia da covid-19, instituições de ensino foram autorizadas a anteciparem a colação de grau de seus estudantes concluintes para reforçar a força de trabalho de combate à crise sanitária.
Resposta da ANUP
Em resposta à reportagem “Grupos econômicos tentam manobra para manter monopólio na oferta de cursos de Medicina no Brasil”, a Anup vem a público esclarecer que a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), ajuizada no STF, teve por único objetivo a obediência à Lei Federal vigente, que prevê que abertura de cursos de Medicina deve ser precedida por editais de chamamento público, e vem sendo desrespeitada de forma afrontosa. Criada para que a expansão de cursos de Medicina siga critérios essencialmente técnicos, com o objetivo de equilibrar a distribuição de médicos pelo Brasil, a Lei já mostrou resultados práticos importantes, como o desenvolvimento da rede de saúde em municípios do interior e mais remotos do país.
Como política pública, os Editais de Chamamento Público exigem contrapartidas rígidas às instituições que se habilitam: capacidade de investimento na rede de saúde local, concessão de bolsas a alunos de baixa renda, que sonham em cursar Medicina, e um projeto pedagógico de implantação da residência médica na região para atrair e fixar médicos especialistas nessas regiões.
Grande parte dos grupos de educação do país aderiu à via constitucional: habilitar-se nos dois editais até então criados pelo governo: o chamamento de 2014 e o de 2018. No entanto, não se pode caracterizar como monopólio, uma vez que a grande maioria dos 387 cursos de Medicina do país não está relacionada a grupos educacionais, referidos como "grupos econômicos", que representaram menos de 10% do total. A maior parte das escolas médicas privadas são operadas por pequenas mantenedoras, por meio de universidades, centros universitários e faculdades isoladas. Mas, alguns grupos vêm optando pela via judicial, que, até o momento, os isenta de contrapartidas financeiras e sociais junto aos municípios, além de não precisar comprovar experiência em implantação de cursos de Medicina, de conhecida complexidade. É, exclusivamente, contra esta manobra que a Anup se posiciona, por meio da presente ADC, na certeza de que a lei deve ser cumprida e a sociedade protegida e não a favor de grupos ou monopólios.