MPF pede ação urgente contra garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami Marcelo Camargo/Agência Brasil

O padre Corrado Dalmonego, indigenista e missionário do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), está em missão com a população Yanomami, na Amazônia, há 15 anos. As cenas que chocaram o Brasil nos últimos dias, segundo ele, não são fruto de um processo recente, mas de abandono que se estende por anos. Ele avalia que o garimpo ilegal está no cerne das mazelas vividas pelos indígenas — e nele vê diversas das causas da alta da desnutrição. Segundo Damonego, os "Yanomamis falam que a floresta está morrendo".

O trabalho do Cimi, vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), se divide em duas frentes, conforme explica o padre. Uma de assessoria jurídica junto aos movimentos indígenas e outra de trabalho de base nas comunidades. Até 2021, esteve em campo com os povos e, agora, acompanha e integra um grupo com pesquisadores Yanomami em Boa Vista, que estuda, sob uma visão étnica, os impactos do garimpo.

Na semana passada, o governo federal decretou emergência em saúde na terra indígena, diante de problemas de acesso a serviços de saúde e aumento dos casos de fome e malária. Especialistas dizem que o enfraquecimento dos órgãos federais de apoio aos indígenas na gestão Jair Bolsonaro (PL) agravaram a crise. "Estamos vivenciando nos últimos quatro, cinco anos, uma situação que dez anos atrás era inimaginável", diz Dalmonego.

Segundo o padre, a tribo é "um povo que conserva sua língua, suas tradições, cultos, espiritualidade, de forma particular entre os povos indígenas no Brasil. Sobre essa situação que está sendo fortemente visibilizada, sabemos que é consequência não de algo recente, mas de uma situação de abandono, não apenas omissão, mas de ações culposas, dolosas que foram frequentemente denunciadas e apresentadas a todas as instâncias: os três poderes do Estado brasileiro, e também internacionais".
"É um genocídio que está ocorrendo há anos, com culpas além de omissões. Trabalho com eles há quinze anos e posso dizer, partilhando com outros amigos e parceiros do povo Yanomami: estamos vivenciando nos últimos quatro, cinco anos, uma situação que dez anos atrás era inimaginável", acrescentou.

Dalmanego ainda explica que a invasão ilegal do garimpo "traz consequências devastadoras", não apenas no ambiente, mas também acarreta consequências desastrosas para as comunidades que são obrigadas, em seu território, a "viver com invasores que agem desenvolvendo atividades ilegais associadas a grupos criminosos", como investigações da polícia já evidenciaram.
"Agora, por exemplo, estavam circulando as informações sobre a desnutrição da população, a fome que se difundiu no território. Por quê? O primeiro fator certamente é a invasão do território por essa atividade ilegal de exploração minerária. No que isso acarreta? A floresta Yanomami é urihi, não é apenas um bosque, a floresta é viva, a floresta tem sua dimensão biológica mas também social e espiritual", pontuou.

"Agora a floresta está morrendo, dizem os Yanomami. E os recursos, portanto, com um olhar mais ocidental, que garantem a sobrevivência dos que vivem de roça, caça, colheita e pesca, são ameaçados. O barulho dos maquinários, dragas nos rios, motobombas para a destruição das margens dos rios e da floresta para a extração mineral, afugenta a caça. A contaminação mata os peixes. A destruição da floresta afeta os recursos naturais. A destruição das roças. Isso afeta a sustentabilidade alimentar, a autossuficiência alimentar das comunidades. Isso claramente tem impactos naquilo que agora está sendo noticiada como a desnutrição da população", ressaltou.
O padre também chamou a atenção sobre a forma como o garimpo influencia nos indivíduos da tribo sendo "um veículo de fornecimento de bebidas alcoólicas, drogas, armas, munições e aliciamento dos jovens da força de trabalho para o garimpo". Isso acaba tirando a força de trabalho de pessoas que seriam indispensáveis para autossustentação das famílias.

O missionário também lembrou que a atividade ilegal também impede a atuação das equipes multidisciplinares de saúde para o atendimento às comunidades. "O garimpo ilegal é vetor também de patologias, de doenças que podem ser a malária, tuberculose, infecções respiratórias, mesmo a covid-19.  Já foi notificado no ano passado que por diversos meses alguns postos de saúde chamados UBSI (unidades básicas de saúde indígena) tiveram de ser abandonados pelas equipes de saúde por causa de conflitos", disse.
O povo de Yanomami é um dos mais numerosos povos indígenas do Brasil, apesar de falar seis línguas diferentes, as línguas são intercompreensíveis. "Com certeza, podemos reconhecer que é a riqueza, a diversidade de povos, de culturas, de línguas é uma riqueza para a sociedade brasileira e para o mundo inteiro", disse Dalmonego sobre a importância da cultura da tribo.
"O que está acontecendo, o genocídio físico, é a dimensão mais evidente da destruição. Mas esse genocídio físico é também acompanhado de um etnocídio, pois a sociedade envolvente, com uma ausência de políticas públicas. Isso traz para os Yanomami, os piores aspectos de nossa sociedade", concluiu.

O que diz o Ministério da Saúde

Segundo o Ministério da Saúde, uma equipe de 13 profissionais da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS) foi enviada a Boa Vista para fortalecer a assistência médica e outra equipe multidisciplinar, com oito profissionais de saúde da Aeronáutica, será deslocada de Manaus para a região.

A pasta também pretende acelerar um edital do programa Mais Médicos para "recrutar profissionais, tanto formados no Brasil como no exterior, para atuação nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI) de maneira permanente, inclusive no DSEI Yanomami".

No último domingo, 22, o ministério também tornou disponível o link de cadastro para inscrições de novos voluntários que queiram apoiar a Força Nacional do SUS para serviços em território Yanomami. Só entre domingo e segunda-feira, 23, foram quase 20 mil inscrições, diz o governo.