Em 2022, uma pessoa morreu a cada duas horas em rodovias federais brasileirasPolícia Rodoviária Federal/Bahia

O Brasil registrou no ano passado 5.432 mortes em rodovias federais —  aumento de 0,6% em comparação com 2021. De acordo com o levantamento feito pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), isso equivale a um óbito a cada duas horas. 
Durante o período, outras 18.088 pessoas ficaram gravemente feridas em um total de 64.301 acidentes. São dados que impressionam. Entretanto, o inspetor da Coordenação de Comunicação Institucional da PRF e especialista em Segurança no trânsito, Alexandre Castilho, revela que a situação indica relativa estabilidade nos números.
“De fato houve um aumento no número de mortes, mas é um aumento de 0,6%, saindo de 5.397 mortes para 5.432 — aumento de 35 mortes de um ano para o outro. Se você for pegar essa média de uma morte a cada duas horas, não houve aumento. Considerando 35 mortes por um período de um ano inteiro, 0,6% dá para indicar uma relativa estabilidade nos números. Então, critico essa premissa de aumento. Houve matematicamente um aumento mas analisando o percurso histórico dos números está muito mais próximo da manutenção do número de mortes em 2022 do que um aumento.”, afirma Castilho.
Inspetor Alexandre Castilho da Coordenação de Comunicação Institucional da Polícia Rodoviária Federal e Especialista em Segurança no Transito - Arquivo Pessoal/Whatsapp
Inspetor Alexandre Castilho da Coordenação de Comunicação Institucional da Polícia Rodoviária Federal e Especialista em Segurança no TransitoArquivo Pessoal/Whatsapp
A base de dados apresentada no levantamento expõe que em 2022 o número de acidentes registrados chegou a 64.301, ante aos 64.441 do ano anterior — o que representa redução de 0,1%. De acordo com Castilho, as estatísticas, neste caso também mostram estabilidade.
“Mais importante do que diminuir o número de mortes é diminuir a letalidade dos acidentes. A gente está conseguindo reduzir o número de vítimas fatais e o número de feridos graves em cada ocorrência”, destaca o inspetor.
Castilho ainda lembra de uma proposta feita pela ONU em 2010 sobre a década da Segurança Viária. A iniciativa sugeria que todos os países membros tentassem promover condições para um trânsito mais seguro, com o objetivo de reduzir em 50% o número de acidentes e mortes. O especialista reforça o papel crucial da PRF neste objetivo.
“No Brasil, a gente saiu até antes de a ONU propor isso, né? Mas é porque já havia um trabalho em curso de redução da letalidade. Eu sempre vou falar muito de letalidade e menos de acidente porque o acidente não conseguimos necessariamente evitar. Na década da segurança viária, em 10 anos a PRF saiu de 8.400 mortes e agora nós temos 5.400, apesar do aumento da frota, apesar do aumento de motoristas, apesar do aumento de malha viária sobre circunscrição da PRF, ainda assim as mortes temos conseguido reduzir.”, afirma Castilho.
Obstáculos     
O aumento da frota de veículos em circulação nas rodovias federais, o acréscimo da malha rodoviária no país e, naturalmente, um número maior de motoristas, são alguns dos fatores crucias que dificultam a redução de acidentes e mortos.
Estima-se que nos últimos 20 anos o número de veículos tenha crescido em 170%, enquanto a malha viária foi ampliada em cerca de 15 mil quilômetros. 
“A frota nos últimos 20 anos no Brasil aumentou 170% de veículos, um aumento considerável de veículos em circulação nas rodovias federais. Depois vem o aumento da malha rodoviária, Vamos colocar no mesmo período, em 20 anos, a malha viária cresceu aproximadamente 115 mil quilômetros. Então nós temos mais veículos em circulação, temos uma maior malha viária para fiscalizar e temos naturalmente mais motoristas, porque a população segue crescendo”, explica o inspetor da PRF.
Períodos de crescimento econômico também contribuem para que haja mais acidentes. Isso ocorre pelo número maior de viagens, ampliação do consumo, produção e circulação de cargas, boa parte delas transportadas pelas rodovias federais. Com isso, segundo Castilho, o número de ocorrências nas estradas cresce. 
O inspetor lembra ainda que 2022 foi o primeiro ano com poucas restrições restrições por conta da pandemia. “Para os setores de turismo e de transportes, o ano de 2022 é considerado como o melhor ano da indústria turística e de movimentação de passageiros na década. Havia um número muito grande de muitas pessoas que queriam viajar. Então, tivemos uma circulação enorme de veículos e de pessoas nas rodovias no último ano. Por isso, houve esse aumento de 35 mortes”, avalia.
Por mais que os números despertem preocupação, o especialista diz que o trabalho desenvolvido pela PRF está no caminho certo.
“Às vezes parece que estamos pregando no deserto quando pedimos atenção ao motorista, mas nos convencemos que estamos no caminho certo quando as operações acontecem, quando salvamos vidas, quando a gente tem o depoimento de alguma pessoa que foi fiscalizada e que mudou sua maneira de dirigir. Então tudo isso nos mostra que o caminho está certo.”, declara.
Estados com mais ocorrências em rodovias federais
O levantamento da PRF também indica as rodovias com maior incidência de acidentes, de feridos e de mortes. Minas Gerais lidera o ranking de acidentes (8.269) e de óbitos (701), seguido de Santa Catarina que registrou 7.572 ocorrências e 350 mortes.
Adiante, os estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia, completam a lista. O inspetor Castilho nota que as ocorrências se sucedem de forma recorrente em estados do Sudeste e Sul e lembra que o número de acidentes e óbitos, novamente, está associado a lugares de maior atividade econômica.
“Por que citei 7 e não 5 ou 3? Para mostrar que só aparece o Nordeste no sétimo lugar do ranking. Por que isso? O número de acidentes está diretamente relacionado à atividade econômica. Quanto maior produção industrial, quanto maior o número de riquezas em circulação, quanto maior o número de veículos de passeio misturados a veículos de carga, maior vai ser o número de ocorrências. Então a prosperidade econômica muitas vezes ela também é refletida em números de acidentes rodoviários.”, explica o inspetor.
Já as rodovias que tiveram maior número de mortes foram a BR-101, principalmente no trecho que cruza Santa Catarina, com 364 casos. Em segundo lugar ficou o trecho da BR-116 em São Paulo, com 517 óbitos; e em terceiro o da BR-040 em Minas Gerais, com 380 mortes.
BR-101, em Santa Catarina, lidera ranking de acidentes - Divulgação: Ministério da Infraestrutura
BR-101, em Santa Catarina, lidera ranking de acidentesDivulgação: Ministério da Infraestrutura
A partir da base de dados, Castilho argumenta que a análise de ocorrências em rodovias deve ser feita com mais atenção para certos trechos, já que há estradas que cruzam todo o país e que. Isso explica por que a BR-101 e a BR-116 lideram o ranking.
“Tem rodovias no Brasil que começam no Rio Grande do Sul e vão ao Rio Grande do Norte. Temos a BR 101 e a BR-116. Então é mais fácil você falar de trechos das rodovias do que de rodovias. Na. BR-101, você vai ter São Paulo, Rio, Espírito Santo, Bahia, Sergipe, Alagoas", avalia.
Castilho destaca o modelo de estruturação do transporte no país como um fator que deve ser levado em consideração. 
"O Brasil privilegiou investir no transporte rodoviário para circulação de cargas. Não temos linhas férreas; as que temos são para pequenos percursos e geralmente para transporte de grãos. Não há navegação costeira, não há hidrovias. Toda a produção industrial do Brasil circula em rodovias. Eu fiz um estudo recente que aproximadamente 75% de tudo que o Brasil negocia ou comercializa no território nacional passam por rodovias federais. Três quartos de tudo consumimos todos os dias, passou por uma rodovia. Como esses produtos circulam nas rodovias? Por caminhões. Assim começa o grande problema, quando você coloca um veículo de passeio que pesa uma tonelada e meia circulando ao lado de uma carreta de 60 toneladas.”, lembra.
Acidentes mais letais
As colisões frontais e traseiras, o excesso de velocidade e a ingestão de álcool antes de dirigir são os principais vilões responsáveis por um maior número de acidentes e de letalidade.
A colisão traseira, por exemplo, é o tipo de acidente que mais matou em 2022. Foram 578 mortes em 12.041 acidentes registrados. Já a colisão frontal registrou 1.679 óbitos em 4.446 acidentes. Em seguida, o excesso de velocidade, com 515 mortos em 4.978 ocorrências. Já ingestão de álcool antes de dirigir foi responsável por 201 mortes e 4.306 episódios registrados.
Os trechos com pista simples são os que mais registram acidentes e mortes. Em 2022 foram 31.807 ocorrências, que resultaram em 3.812 óbitos — número bastante acima dos 1.363 registrados nos 26.721 acidentes em pistas duplas. As rodovias com mais de duas faixas tiveram 258 mortes, em 5.773 acidentes.
Os dados da PRF ainda revelam que quase metade (49,47%) dos sinistros de trânsito ocorreu em rodovias com pista simples. As que apresentam pista dupla tiveram 41.56% dos registros.
Álcool e Direção
A ingestão de álcool antes de dirigir se torna um dos fatores determinantes para a ocorrência de mortes e acidentes nas rodovias federais. No ano de 2022, o consumo de bebida pelos motoristas foi responsável por 201 óbitos e 4.306 acidentes.
Para combater e diminuir esses números, Castilho explica que a PRF possui três frentes de atuação:
- Educativa
A primeira delas é a educativa e consiste na conscientização dos motoristas sobre a forma correta de dirigir e seguir as leis dentro das rodovias federais. Para isso, a PRF propõe palestras em empresas, entrevistas para grandes meios de comunicação, como também ações nas próprias estradas. 
“A PRF trem 3 linhas de atuação: uma é a Educativa que é justamente o tempo que a gente investe na conscientização de motoristas, nós temos ações na própria rodovia, nós temos ações dentro de empresas, é muito comum ter um PRF fazendo uma palestra dentro de uma grande empresa pelo menos uma vez por ano, entrevistas que nós damos o tempo inteiro(…)".
- Fiscalização
Já a segunda linha de atuação tem por objetivo fiscalizar, de forma efetiva, dentro das rodovias federais não só através de lei secas, como também a partir de dispositivos técnicos responsáveis por fiscalizar a velocidade de cada veículo.
"A segunda linha de atuação é a fiscalização. Nós fiscalizamos efetivamente. Nós vamos para a rodovia, nós paramos os veículos, nós convidamos o motorista para assoprar o bafômetro, se ele for reprovado ele vai arcar com todo o peso da lei", afirma Castilho.
- Proposição de Políticas Públicas
A última linha de atuação se trata da parte institucional do órgão. Com ela, a Polícia Rodoviária Federal propõe políticas públicas junto aos poderes executivos e legislativo afim de gerar alterações e melhorias dentro da lei.
"O início da Lei Seca, por exemplo, partiu de uma proposição da PRF. Os limites de álcool, como é que deveria ser feito, como deveria ser a punição, a PRF participou de tudo isso e sempre que a polícia rodoviária federal identifica a necessidade de alterar a lei, de alterar a forma de fiscalizar em todo o Brasil, a Polícia Rodoviária Federal, procura seja um legislativo, sejam os órgãos executivos, procura justamente para propor essas alterações.”, explica o inspetor. 
Dicas de Segurança
Para uma viagem segura, motoristas e pedestres precisam ter atenção. Algumas devem ser seguidas, alerta o inspetor da PRF. 
“Primeira coisa, entender que rodovia é diferente de cidade. O motorista deve chegar na rodovia sabendo que não pode dirigir como dentro da cidade. Ele precisa manter distâncias maiores dos outros veículos, haverá poucos obstáculos à circulação, não há semáforos, não vai ter faixa de pedestre, dificilmente terá cruzamentos. Quando se tira todos esses obstáculos, você diminui sua atenção. Então quando o motorista for para a rodovia, tem que se manter alerta o tempo inteiro. Não pode cair naquela armadilha, que chamamos de hipnose rodoviária: está dirigindo, olha para frente, vê o horizonte, a vista bonita e, de repente, se desliga da estrada. O trânsito urbano é diferente do rodoviário, essa é a primeira coisa.”.
Castilho ainda recomenda o respeito às sinalizações e o papel das fiscalizações na margem das rodovias.
“O motorista vá de alerta elevado, mantenha distância seguras dos outros veículos, respeite os limites de velocidade e a sinalização. A sinalização não foi colocada à margem da rodovia por um capricho do estado, foi colocada através de um estudo, de uma análise técnica que está preservando a vida dele" (...). "Então que o motorista vá para a rodovia carregando todos esses conceitos, não dirigindo como se dirige dentro da cidade.” 
Por último, o inspetor destaca a importância do planejamento da viagem e da análise do veículo.
“E aí obviamente que ele olhe as condições do veículo dele, as condições básicas de circulação, de segurança, use cinto de segurança, não beba álcool, que as crianças dentro do carro estejam sendo transportadas dentro da lei, que ele planeje a viagem, isso é fundamental porque as vezes a pessoa não sabe as características de trânsito que vai enfrentar(...)". "Com isso, se o motorista tiver essa consciência de que a rodovia é diferente de cidade, que ele é parte fundamental da segurança Viária, entenda que a PRF não é onipresente e o único responsável pela segurança dele é ele, pode ter certeza que a viagem será segura.", esclarece o inspetor. 
* Matéria da estagiária Cinthia Guimarães sob a supervisão de Marlucio Luna