Fachada do edifício sede do Supremo Tribunal FederalMarcello Casal Jr/Agência Brasil
O processo sobre o assunto estava previsto para ser julgado em junho deste ano, mas foi adiado em função das sessões destinadas ao julgamento do ex-presidente Fernando Collor.
A descriminalização do porte começou ser analisada em 2015, mas o julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
O caso trata da posse e do porte de drogas para consumo pessoal, infração penal de baixa gravidade que consta no Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006). As penas previstas são advertência sobre os efeitos das drogas, serviços comunitários e medida educativa de comparecimento à programa ou curso sobre uso de drogas.
Até o momento, três ministros - Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes - votaram, todos a favor de algum tipo de descriminalização da posse de drogas.
O recurso sobre o assunto tem repercussão geral reconhecida, devendo servir de parâmetro para todo o Judiciário brasileiro.
Criminalizar a conduta do consumidor de drogas resulta em estigmatização, o que prejudica os esforços de redução de danos e prevenção de riscos preconizados pelo próprio Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, sustentou Mendes.
Ao fundamentar sua decisão, o relator se valeu da tradição doutrinária alemã e concluiu ser dever do Supremo ajustar a proporcionalidade de normas penais que tratem de danos abstratos, como é o dano contra a saúde pública supostamente praticado pelo usuário de drogas. Neste caso, ao criminalizar a conduta, o legislador teria sido desproporcional, extrapolado suas atribuições, defendeu o ministro, o que justificaria a intervenção da Corte.
O relator se empenhou ainda em argumentar a diferença entre descriminalizar o consumo e legalizar drogas ilícitas. Legalizar, frisou Mendes, é um processo legislativo autorizador e regulador do consumo, nos moldes do que foi feito em países como o Uruguai e em alguns estados dos Estados Unidos.
“Quando se cogita, portanto, do deslocamento da política de drogas do campo penal para o da saúde pública, está se tratando, em última análise, da conjugação de processos de descriminalização com políticas de redução e de prevenção de danos, e não de legalização pura e simples de determinadas drogas.”
Autocontenção
O ministro, contudo, ressalvou que o tema é “hipercomplexo”, havendo “ausência de resposta perfeita”. Fachin frisou ainda que o caso concreto em julgamento trata do porte de maconha, e que, por dever de autocontenção, a decisão do Supremo de descriminalizar o porte de drogas para consumo pessoal deve se ater apenas a essa droga.
Fachin destacou que, a seu ver, o porte de drogas para consumo próprio não causa, em si, dano a bem alheio. São somente condutas derivadas desse consumo que resultam em tais danos - como o furto para sustentar o vício. Tais condutas derivadas, porém, já são previstas como crime por outros dispositivos penais, não sendo necessário criminalizar o porte de drogas para consumo próprio, concluiu o ministro.
O ministro Luís Roberto Barroso seguiu a mesma linha de raciocínio, votando pela descriminalização do consumo exclusivamente de maconha, em virtude dos direitos à intimidade e à vida privada garantidos pela Constituição.
Assim como Mendes, Barroso frisou que isso significa dizer que o Estado não tem poder de interferência, ou muito menos sancionador, sobre o porte de drogas para consumo pessoal. Tal afirmativa, porém, não resulta na legalização do consumo de drogas ilícitas, nem mesmo da maconha, sustentou o ministro.
Barroso admitiu ser inconsistente descriminalizar o consumo ao mesmo tempo em que a produção e a distribuição de drogas seguem sendo crimes. Ele defendeu, contudo, que caberá ao Legislativo, um dia, equacionar tal inconsistência por meio de eventual legalização. O ministro também citou exemplos vistos por ele como bem-sucedidos, como os de Portugal e Uruguai.
“Estamos lidando com um problema para o qual não há solução juridicamente simples nem moralmente barata.”
Quantidade
Nessa linha, Barroso insistiu ser necessário estabelecer uma quantidade específica para distinguir o consumo do tráfico, pois deixar essa distinção a critério das autoridades, seja policial ou judicial, apenas escancara o racismo presente nas instituições, argumentou ele.
Ao votar, Barroso disse considerar prioridade “impedir que as cadeias fiquem entupidas de jovens pobres e primários, pequenos traficantes, que entram com baixa periculosidade e na prisão começam a cursar a escola do crime, unindo-se a quadrilhas e facções. Há um genocídio brasileiro de jovens pobres e negros, imersos na violência desse sistema.”
Valendo-se do exemplo de Portugal, país pioneiro ao ter legalizado o consumo de todas as drogas em 2011, Barroso sugeriu a quantidade de até 25 gramas como adequada para diferenciar o porte de maconha para consumo ou para o tráfico. Em nome da coerência, já que comprar a droga seguiria sendo crime, o ministro sugeriu a liberação do cultivo de seis plantas fêmeas de maconha.
Como é em outros países
Em parte desses países – como na Argentina, Colômbia e Polônia, entre outros – a flexibilização para o porte e o consumo de drogas ocorreu por decisão judicial. Em outros – como em estados dos EUA, em Portugal e no Uruguai – foi o Legislativo que atuou para legalizar e estabelecer regras para o porte e o uso de drogas ilícitas.
Países como República Tcheca e Suíça possuem regras específicas para maconha, enquanto outros, entre eles a Estônia, flexibilizam o porte de qualquer substância.
Há ainda países como a Holanda, em que a solução foi informal, sendo uma política oficial das autoridades policiais não atuar contra o consumo de pequenas quantidades de drogas. Em outros, como na Alemanha e no México, foram os órgãos acusadores, equivalentes ao Ministério Público brasileiro, que resolveram não mais abrir processos criminais relacionados ao consumo de pequenas quantidades.
Há lugares – como em alguns estados da Austrália e na Itália – em que ser flagrado andando com a droga, apesar de não ser crime, resulta em sanções administrativas, como multas e confisco do material. Em outros, como Bolívia e Paraguai, não há sanções previstas.
Como se vê, as origens da liberação, bem como as minúcias legais, variam bastante ao redor do mundo. O estado atual da descriminalização é compilado periodicamente pelo projeto Talking Drugs, mantido pela organização não-governamental britânica Release em parceria com a International Drug Policy Consortium, consórcio internacional formado por 194 entidades, em 75 países, dedicado ao tema das drogas.
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