Na casa de um dos alvos foi apreendido dinheiro em espécieFoto: Divulgação/PF
Segundo reportagem do jornal O Globo, durante os três primeiros anos do governo Bolsonaro, a Abin teria usado, sem qualquer protocolo oficial, a ferramenta FirstMile para monitorar os passos de até 10 mil proprietários de celulares a cada 12 meses. Entre eles estavam advogados, policiais, jornalistas e até ministros do STF. Dentre os magistrados, teria sido registrado uma pesquisa a um homônimo de Alexandre de Moraes, ministro do Supremo Tribunal Federal.
Agência julga ferramenta como "incompatível com sistema jurídico brasileiro"
De acordo com a Associação Data Privacy Brasil de Pesquisa, o FirstMile funciona como "serviço de geolocalização de dispositivos móveis em tempo real, capaz de decodificar as identidades lógicas dos dispositivos e de gerar alertas sobre a rotina de movimentação dos alvos de interesse".
Para a Data Privacy, "a utilização do serviço FirstMile, desenvolvido pela Cognyte, é incompatível com o sistema jurídico brasileiro".
"A empresa desenvolvedora da FirstMile, Cognyte, é uma empresa conhecida por violações sistemáticas de direitos humanos da perspectiva das consequências dos usos de suas tecnologias", diz em parecer enviado à Procuradoria-Geral da República (PGR) para subsidiar as investigações sobre o uso da ferramenta.
Em 23 de março deste ano, o Ministério Público Federal (MPF) enviou um pedido de informações à Abin e à empresa israelense Cognyte sobre a utilização do sistema de geolocalização de dispositivos móveis em tempo real. O caso motivou ainda a abertura de uma investigação na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
O contrato, com dispensa de licitação, para o uso do software de localização teve início no fim de 2018, no governo de Michel Temer (MDB). O programa foi comprado por R$ 5,7 milhões da empresa israelense Cognyte, de acordo com o MPF.
Em nota, a Abin diz que a Corregedoria-Geral da agência concluiu, em 23 de fevereiro de 2023, uma Correição Extraordinária - uma apuração interna - para verificar a regularidade do uso de sistema de geolocalização adquirido pelo órgão em dezembro de 2018. A partir das conclusões dessa correição, foi instaurada sindicância investigativa no dia 21 de março. De acordo com a Abin, a ferramenta deixou de ser utilizada em maio de 2021.
"Desde então, as informações apuradas nessa sindicância interna vêm sendo repassadas pela ABIN para os órgãos competentes, como Polícia Federal e Supremo Tribunal Federal. Todas as requisições da Polícia Federal e do Supremo Tribunal Federal foram integralmente atendidas pela ABIN. A Agência colaborou com as autoridades competentes desde o início das apurações. A ABIN vem cumprindo as decisões judiciais, incluindo as expedidas na manhã desta sexta-feira (20). Foram afastados cautelarmente os servidores investigados", diz em nota.
Ex-delegado da Polícia Federal, Ramagem estava à frente da Abin durante o uso da ferramenta. O ex-diretor da Abin ganhou a confiança do clã Bolsonaro antes mesmo da eleição de 2018.
Foi designado para cuidar da segurança do então presidenciável após o atentado à faca em Juiz de Fora (MG), em 6 de setembro de 2018. E teve ascensão rápida no novo governo. Chegou a ser nomeado superintendente da Polícia Federal (PF) no Ceará, em fevereiro de 2019, mas foi deslocado para um cargo de assessor especial do então ministro da Secretaria de Governo, general Santos Cruz. Em julho, foi para a Abin. Bolsonaro quis nomeá-lo diretor-geral da PF. O presidente queria ter, segundo o então ex-ministro Sérgio Moro, alguém com quem pudesse "interagir" e que lhe fornecesse relatórios de inteligência.
Ainda na gestão de Ramagem, a agência de inteligência teria atrapalhado investigações envolvendo Jair Renan Bolsonaro, filho "04" de Bolsonaro. Um agente da PF admitiu que recebeu a orientação de "levantar informações sobre uma operação que tinha Jair Renan como alvo para prevenir 'riscos à imagem' de Bolsonaro". À época, a PF afirmou em um relatório que Abin teve um papel de "interferência nas investigações".
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