Alexandre de Moraes e Dias Toffoli, ambos ministros dos STFFabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, a inclusão das vítimas como assistentes de acusação é decisão incomum e não deveria ser tomada sem uma discussão mais ampla. Ela faz uso de uma brecha legal relacionada ao artigo 268 do Código de Processo Penal. O artigo diz que, "em todos os termos da ação pública, poderá intervir, como assistente do Ministério Público, o ofendido ou seu representante legal".
Ou seja, o texto da lei é claro ao dizer que a intervenção como assistente deve ocorrer na fase de processo. Mas, ao mesmo tempo, não a proíbe na fase de inquérito. "O ministro Dias Toffoli ignorou qualquer discussão a respeito do tema e simplesmente admitiu o ministro Alexandre de Moraes e familiares como assistentes. Isso é ruim e gera uma evitável exposição do tribunal a críticas", afirmou o ex-defensor público e professor Caio Paiva.
O assistente de acusação age no processo penal como um "auxiliar" do Ministério Público e, a partir do momento em que um juiz concede a alguém essa condição, a pessoa tem alguns direitos, como apresentar alegações finais e interpor recursos. Podem ser assistentes de acusação vítimas do crime ou, se não estiverem vivas, seus familiares.
Argumento
A PGR argumenta que é inconstitucional ter assistente de acusação na fase de inquérito e que as vítimas não poderiam desempenhar esse papel. A manifestação é assinada pela procuradora-geral da República interina, Elizeta Maria de Paiva Ramos, e pela vice-procuradora-geral da República, Ana Borges Coêlho Santos.
"Não se tem notícia de precedente de admissão de assistência à acusação na fase inquisitorial. Tal privilégio jamais foi admitido para quaisquer das autoridades elencadas, nem mesmo para o presidente da República", diz o recurso apresentado ontem A decisão de Toffoli, relator do inquérito, atendeu a pedido das vítimas. Antes, a PGR já havia afirmado não haver "previsão legal" para a medida nesta etapa.
Caso Marielle
Uma questão parecida ocorreu na investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ). Embora a dinâmica do crime tenha sido esclarecida pela polícia, ainda não se sabe quem foi o mandante da execução. Diferentemente de Moraes, que teve seu pedido logo atendido, a família de Marielle teve de recorrer e esperar meses para poder participar do inquérito. A Justiça do Rio negou o pedido, que só acabou por ser aceito pela 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
O Código de Processo Penal é de 1941 e, de lá para cá, muita coisa mudou. "O papel de vítima, que antes era secundário no nosso sistema, vem cada vez ganhando mais espaço. O tema está em constante discussão na jurisprudência, mas o fato é que a vítima, segundo o entendimento mais moderno, tem direito de contribuir com as investigações, seja como assistente de acusação ou como cidadão", disse o advogado José Carlos Abissamra Filho, doutor em Direito Penal.
Há outros casos que podem servir de referência. Um deles é o da Favela Nova Brasília, no qual o Brasil foi condenado por violações a direitos humanos. Uma operação policial na comunidade carioca, que fica dentro do Complexo do Alemão, feita nos dias 18 de outubro de 1994 e 8 de maio de 1995, terminou com 26 homens assassinados e três mulheres vítimas de violência sexual. O local, onde o jornalista Tim Lopes foi assassinado, em 2002, é palco constante de conflitos. Esse caso, conforme o ex-defensor público Caio Paiva, resultou em recomendações da Corte Interamericana de Direitos Humanos, acolhidas pelo Conselho Nacional de Justiça, para que se faça uma alteração legal para regulamentar a participação de vítimas na fase de inquérito.
De acordo com o professor do Mackenzie Alexis de Couto Brito, o Código quase não trata do inquérito policial e, por isso, a intervenção da vítima não está prevista na lei, mas sobrevive na prática. "Como o inquérito é um procedimento administrativo investigatório, formalmente conduzido por um delegado de polícia que tem total autonomia, não faria sentido a vítima participar ativamente", disse o professor. O ingresso como assistente de acusação ficaria então para a fase de processo, porque ali há contraditório.
Gravação
A mesma decisão de Toffoli manteve o sigilo sobre as imagens das câmeras de segurança do aeroporto e permitiu apenas que um perito particular indicado pelo advogado de defesa dos investigados, Ralph Tórtima Filho, possa ter acesso a elas.
Em sua última medida sobre o acesso às imagens, Toffoli reiterou que a íntegra da gravação está disponível para as partes e o Ministério Público assistirem, mas negou a extração de cópias. Assim, advogados e procuradores podem marcar um horário para ver a gravação no STF, mas não estão autorizados a levar uma versão
A Procuradoria-Geral da República afirma que a proposta não é suficiente. "O amplo acesso à prova não significa apenas assistir aos vídeos. Significa ter acesso irrestrito, poder examinar e, se assim entender, submeter aos órgãos técnicos internos para análise e eventual perícia", argumenta.
No pedido de levantamento do sigilo, PGR afirma que, sem o material bruto, não poderá formar conclusões sobre o caso. As procuradoras alegam que precisam das imagens para compreender toda a dinâmica do episódio e que, ao divulgar "meros recortes", Toffoli prejudica o trabalho da PGR e também a opinião pública.
A PGR diz ainda que, ao manter os vídeos em sigilo, o ministro limita "desarrazoadamente e inconstitucionalmente" o acesso do Ministério Público a provas da investigação. "Não se pode construir privilégios em investigações criminais e, por tal razão, não se pode admitir a manutenção do sigilo fragmentado da prova no caso em exame", diz trecho do recurso.
Parecer
Antes de enviar o recurso ao Supremo, a Procuradoria consultou os setores da instituição que trabalham em conjunto na investigação de provas digitais, a Assessoria Nacional de Perícia em Tecnologia da Informação e Comunicação e a Coordenadoria de Investigação em Evidências Digitais e Eletrônicas. Para técnicos das duas divisões, a decisão de manter as filmagens em sigilo contraria boas práticas.
O parecer leva em conta o risco de o arquivo que contém as imagens se perder, por acidente ou por intenção de alguém. "A boa prática preconiza que toda a análise pericial e investigativa, sempre que tecnicamente possível, seja realizada em uma cópia de trabalho absolutamente fiel à original, justamente, para evitar contaminação da evidência ou prova digital", afirma o documento.
O parecer sustenta que a perícia nas imagens é uma atividade "sensível", que pode se estender por semanas, e que analistas e peritos não teriam os recursos necessários, como computadores de alta performance e softwares especializados, para analisar as imagens no Supremo, como sugeriu Toffoli. "Realizar essas atividades, por exemplo, nas dependências do STF, em dias marcados, em suma, na prática, tende a inviabilizar a execução dessas atividades."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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