Onde foi publicado: TikTok.
Conclusão do Comprova: Vídeo no TikTok mente ao dizer que o “artista” Wesley Telles teria recebido R$ 1 milhão via Lei Rouanet este ano e viajado com o recurso para Portugal após apoiar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições presidenciais de 2022.
Primeiramente, Wesley não é artista. Ele é diretor-presidente e um dos sócios da empresa WB Produções, que produz e promove peças de teatro. Segundo dados do Ministério da Cultura, há registros de projetos da WB Produções financiados por meio da Lei Rouanet desde 2009.
A plataforma VerSalic, que agrega dados de proponentes e seus projetos vinculados às leis de incentivo à cultura federais, mostra que a empresa tem ativos dez projetos autorizados a captar financiamento de mais de R$ 9 milhões.
A autorização mais recente foi dada em 26 de outubro deste ano e permite que a empresa de Telles capte R$ 1,7 milhão para a realização do 14º Circuito Nacional de Teatro no Espírito Santo. O recurso ainda não foi captado, segundo o sistema do Ministério da Cultura.
Ainda que o dinheiro seja captado junto a empresas e pessoas físicas, como prevê a Lei Rouanet, ele fica em uma conta bancária monitorada pelo Ministério da Cultura. Dessa forma, o recurso não pode ser usado para gastos pessoais dos proponentes do projeto e nem para pagar despesas da empresa não relacionadas ao projeto específico para o qual foi destinado.
As regras para obtenção do financiamento preveem ainda que seja feita uma prestação de contas detalhada de todos os gastos do projeto, com apresentação de notas fiscais emitidas por empresas idôneas e com valores que são tabelados.
O Comprova contactou o produtor cultural, que confirmou as informações disponíveis na plataforma VerSalic. Ele disse ainda que viajou entre os dias 11 e 17 de outubro para Portugal, durante uma semana, para passar férias com recursos próprios. Essa data é anterior à liberação para a captação de recursos.
Ele negou que estivesse "passando fome" antes da eleição e confirmou que apoiou Lula em 2022. Afirmou ainda que, após o contato da reportagem, registrou boletim de ocorrência por calúnia contra o autor do vídeo.
No vídeo, o desinformador acrescenta que o hospital do câncer da Bahia estaria fechado por falta de funcionários. Ele não especifica o nome do hospital, mas a unidade de referência do Estado para tratamento oncológico é o Hospital Aristides Maltez, em Salvador, que é gerenciado por uma instituição filantrópica. Não há informações de que a unidade esteja fechada.
Ele também diz que a transposição do Rio São Francisco estaria "fechada", o que também não é verdade. O Comprova fez um conteúdo explicativo a respeito da megaobra, que é alvo frequente de desinformação.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. No TikTok, o vídeo teve 29,7 mil visualizações, 2,9 mil curtidas e 239 comentários.
Como verificamos: O Comprova buscou informações sobre o produtor cultural Wesley Telles através dos dados do perfil de Instagram que aparece no vídeo checado. Em seguida, entrevistou-o por telefone. Também foram consultadas as plataformas VerSalic e Salic Comparar, do Ministério da Cultura, onde foram feitas buscas pelo nome de Telles da WB Produções.
A reportagem ainda entrou em contato com o Hospital Aristides Maltez por email para saber se houve fechamento ou se havia falta de funcionários na unidade.
A Lei Rouanet
O valor do imposto vai para os programas aprovados pelo Ministério da Cultura, em um investimento indireto. Os principais critérios de avaliação utilizados pela pasta para aprovar um projeto são: a capacidade de ampliar o acesso da população à cultura; compatibilidade de custos e capacidade técnica e operacional do proponente, respectivamente.
Uma vez aprovados, os proponentes devem buscar empresas e pessoas dispostas a financiarem os projetos através dos impostos. Desse modo, o governo dá a autorização para a captação de um determinado montante, mas isso não significa que o proponente vai obter todo o dinheiro previsto.
A execução do projeto incentivado é acompanhada pelo ministério, de forma eletrônica, por trilhas implementadas no Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic), que identificam possíveis inconsistências de execução. Esse acompanhamento é diferente dependendo do valor captado do projeto, classificado como pequeno (até R$ 750 mil), médio (de R$ 750 mil até R$ 5 milhões) e grande (acima de R$ 5 milhões).
Todos os projetos devem realizar a comprovação de despesas de forma eletrônica, durante a execução. Essas informações são cruzadas com os valores utilizados em conta bancária específica e acompanhada, em tempo real, pelo ministério.
Lei passou por mudanças recentes
Projetos que desejam captar recursos por meio da lei passam agora por quatro fases de avaliação antes da aprovação. A primeira verifica se a proposta atende aos objetivos da norma. Na segunda, ela é encaminhada para a instituição vinculada ao MinC correspondente à linguagem (audiovisual, artes plásticas, etc.), e analisada por um perito que emite um parecer conclusivo. Se a proposta for a realização de um filme, será analisada por um perito em cinema e audiovisual, por exemplo.
Posteriormente, passa pela análise da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que pode concordar ou discordar da análise técnica anterior, devendo discutir e aprovar no colegiado a decisão final. Por fim, a Secretaria de Economia Criativa e Fomento Cultural examina novamente a regularidade fiscal do proponente e sua regularidade no MinC. Se é tudo aprovado, é autorizado o início da execução e liberados os recursos captados para a conta especial monitorada pelo Ministério durante toda a execução.
A normativa também estabeleceu novos valores máximos a serem captados pelos proponentes, conforme algumas categorias. Artistas e modelos, por exemplo, podem receber até R$ 25 mil por apresentação. Já empresas podem captar entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, a depender do tipo de atividade cultural.
Wesley Telles e a WB Produções
Segundo a plataforma VerSelic, a WB já obteve autorização do Ministério da Cultura para captar recursos em 35 projetos desde 2009.
Ao buscar o nome da empresa na plataforma, aparece para cada projeto o valor que foi autorizado para captação e o valor que foi efetivamente captado. Em algumas ocasiões, foi possível captar o recurso proposto na íntegra, em outros, parcialmente. Para alguns projetos a empresa não conseguiu captar recurso algum. Entre as patrocinadoras dos projetos da WB estão empresas como ArcelorMittal, Itau, Nubank, Porto Seguro, PRIO e Vivo, entre outras.
Para o Comprova, Telles ressaltou que não recebe recurso algum diretamente do governo federal.
"Eu não ganho nada, só a possibilidade de captar recurso. E o recurso não é da empresa, é do projeto. Quando eu capto recurso, eu tenho que executar, tenho que montar o espetáculo, ensaiar, fazer dois meses (de apresentações) no Rio de Janeiro, dois meses em São Paulo e dois meses de turnê pelo Brasil. Cada peça gera cerca de 300 empregos diretos e 15 mil indiretos", disse.
Sobre a autorização de captação mais recente, de R$ 1,7 milhão, citada no vídeo desinformativo, ele afirma que é para um projeto de circulação de espetáculos no Espírito Santo.
"No Espírito Santo nada acontece sem as leis de incentivo, porque o recurso da bilheteria não paga. Por conta das contrapartidas, a gente vende menos de 40% da capacidade total do teatro", esclarece.
Como compensação pelo recebimento do recurso das pessoas e empresas que seria pago em imposto, os espetáculos teatrais têm que distribuir cotas de ingressos gratuitos e a preços populares. A previsão está na normativa 01/2023 do Ministério da Cultura, no artigo 28.
Sobre a viagem a Portugal, ele afirmou que foi ao país europeu de férias em outubro deste ano, e que pagou as despesas com recursos próprios. "Fiquei uma semana de férias, tenho direito a férias como qualquer trabalhador", disse.
O Comprova procurou o Ministério da Cultura a respeito dos projetos apresentados pela WB Produções, mas não houve retorno.
Hospital não está fechado
O financiamento da unidade vem das contraprestações do Sistema Único de Saúde (SUS) e de doações de pessoas físicas e empresas, visto que o local é gerenciado por uma entidade filantrópica, a Liga Baiana Contra o Câncer (LBBC).
Transposição do Rio São Francisco não está 'fechada'
Também já explicamos como a polarização intensifica a desinformação sobre a transposição.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com o perfil que publicou o conteúdo no TikTok e também por um perfil com o mesmo nome e foto no X (antigo Twitter), mas eles não aceitam mensagens.
O que podemos aprender com esta verificação: Informações falsas muitas vezes são disfarçadas de supostas "denúncias de irregularidades" para atacar determinados grupos. Nesse caso, é possível ver que o desinformador não mostra no vídeo, em momento algum, prova do que denuncia e nem cita a fonte de onde teria retirado tal informação. Ao se deparar com conteúdos similares, é importante buscar no Google ou na imprensa profissional informações sobre o assunto.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: O Comprova já fez outras verificações relacionadas à Lei Rouanet. Já checou que o orçamento do governo para hospitais não foi desviado para projetos culturais; que Zeca Pagodinho não recebeu milhões de reais pela lei para fazer musical; e que Ludmilla não receberá R$ 5 milhões por projeto que leva seu nome.
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