Eles analisam se políticas asseguram direitos da população negraTânia Rego/Agência Brasil
Os integrantes da comitiva chegaram ao país no último dia 27. Eles vieram com a missão de avaliar se a aplicação de leis e políticas têm assegurado ou violado direitos da população negra.
A análise antecipada, em entrevista, por Tracie L. Kesse e Juan E. Mendéz, será pormenorizada futuramente, na forma de um relatório que será divulgado em setembro de 2024. Outro aspecto que deve constar do documento é o reconhecimento da efetividade de instrumentos como as cotas para negros no funcionalismo público e a criação do Ministério da Igualdade Racial pelo governo Lula.
A comitiva passou por Salvador, Fortaleza, São Paulo e Rio de Janeiro, além de Brasília. Um dos critérios para definir a rota da viagem foi incluir locais que registraram casos mais graves de violência policial recentemente, como o da Operação Escudo, na Baixada Santista, e os episódios ocorridos na Vila Cruzeiro e em Jacarezinho, no Rio de Janeiro, e em Salvador. Outro ponto de partida, explicaram os integrantes do órgão, foram as denúncias que são compartilhadas diretamente com eles, não somente pela mídia.
Durante a visita ao Brasil, o grupo conversou com diversas autoridades, tanto do Poder Executivo como representantes do Ministério Público e Defensoria Pública. Durante o período, os especialistas também dedicaram atenção e tempo a ver de perto as condições de presídios - como a Penitenciária Lemos Brito, em Salvador - e do Rio de Janeiro, que não tiveram os nomes citados.
Juan E. Mendéz afirmou que, no Brasil, o que se observa é um cenário que comporta uma "impunidade generalizada", com diversos crimes sem a devida investigação e um adequado desfecho e um negacionismo quanto à existência do racismo estrutural, que "deve ser erradicado". Ele defendeu o uso obrigatório de câmeras corporais por parte dos agentes de segurança como medida para vigiar sua conduta e coibir abusos contra a população.
Em sua entrevista, Mendéz, que já foi diretor executivo do Instituto Interamericano de Direitos Humanos e relator especial da Organização Nacional das Nações Unidas (ONU) sobre tortura, disse, ainda, que outra marca atual do Brasil é a "erosão de confiança" em relação às forças de segurança, causada, sobretudo, pelas violações de direitos humanos. Um aspecto ressaltado por ele foi como o modelo de masculinidade tóxica acaba se refletindo em abordagens policiais.
Impunidade no sistema criminal
Quanto às penitenciárias, Mendéz elencou o saneamento inadequado, a má qualidade dos alimentos oferecida aos detentos, a criminalização dos presos e a estigmatização das famílias, assim como a sobrecarga dos agentes penitenciários, como os principais problemas constatados ao longo das visitas. "O número de encarcerados é impressionante", destacou, adicionando que também fica evidente a grande proporção de negros atrás das grades.
Tracie L. Kesse é co-fundadora e vice-presidente sênior de Iniciativas de Justiça do Center For Policing Equity. Ela complementou os apontamentos do colega e classificou o que acontece no país como uma modalidade de um "racismo perverso" que contamina as relações. Ela deu ênfase a práticas que se tem adotado, como o trabalho de defensores públicos junto a famílias de vítimas e a lacunas também, citando a falta de representatividade de mulheres no Poder Judiciário e ações de combate à intolerância religiosa. Outra crítica foi quanto à falta de esforço para a utilização do nome social de pessoas transgênero.
"O racismo está sempre presente em algumas leis, que perpetuam a desigualdade em áreas como a saúde", disse ela. "Nós reconhecemos o desafio do governo para oferecer segurança à população", acrescentou.
Quilombolas
A comitiva também não comentou nada sobre indígenas e também não visitou o Norte do país.
"Sabíamos que não podíamos ir a certos locais", declarou Tracie, ao responder indagação feita pela reportagem, o que pode ser interpretado como cautela quanto a idas a comunidades quilombolas, pelo grau de violência que paira sobre elas atualmente.
Um balanço da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq) - compartilhado com a reportagem em novembro - indicava que, nos últimos dez anos, houve 35 assassinatos de quilombolas. No relatório consolidado sobre os casos, a Bahia, com nove ocorrências, se destaca como um dos estados com maiores índices desse tipo de violência.
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