Embora tenha sido citado em dezenas de postagens como sendo o "dono" da fazenda expulso pelo MST, o rapaz que aparece nos vídeos apenas trabalha na propriedadeReprodução
Onde foi publicado: Twitter, Facebook, Instagram, TikTok e Telegram
Contextualizando: O vídeo de uma conversa entre integrantes do MST e um homem em uma fazenda foi publicado nas redes sociais por diversos políticos, e rapidamente alcançou milhões de visualizações. Nele, duas pessoas identificadas como integrantes do MST informam a um homem em uma casa dentro de uma propriedade rural que ele deveria deixar o local até as 20h daquele dia, já que a terra estava ocupada.
O homem, então, pergunta quem iria retirar o gado da propriedade, já que apenas ele e mais uma pessoa fazem esse trabalho por lá, enquanto uma integrante do MST responde que ninguém do movimento irá mexer nas coisas que estão no local e que aquilo já não diz respeito ao rapaz ou ao dono da terra, e sim às pessoas que a estão ocupando.
Os vídeos que viralizaram nas redes sociais ganharam textos sobrepostos à imagem ou legendas que afirmaram que o MST havia invadido uma fazenda e expulsado o dono dela. Outras diziam que o gado havia sido roubado e até que o dono tinha sido ameaçado. Algumas apenas teciam críticas ao grupo. O MST confirmou que o vídeo foi feito em uma ocupação do movimento, na zona rural de Parauapebas (PA), mas negou que o rapaz que é abordado no vídeo seja o dono ou que tenha havido violência.
O MST, a Polícia Civil e o Sindicato dos Proprietários Rurais de Marabá – que fica na mesma região – concordaram que o homem é um trabalhador da fazenda. O dono, na realidade, é um fazendeiro identificado como José Miranda Cruz, que entrou na justiça com um pedido de interdito proibitório – uma medida preventiva, para se antecipar à possibilidade de um “esbulho, turbação, ameaça ou conflito fundiário coletivo rural” – e obteve uma sentença favorável nesta segunda-feira, 11 de dezembro.
As imagens que viralizaram foram feitas no dia 20 de novembro deste ano e marcaram o Dia da Consciência Negra e a Jornada de Lutas Terra e Liberdade. O acampamento, que havia começado na madrugada do dia 19 para 20 de novembro, foi desfeito na noite de 20 de novembro após uma negociação entre os ocupantes e o Incra, com intermédio da Delegacia Especial de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá.
Após desocuparem a fazenda, os integrantes do movimento montaram um acampamento, a cinco quilômetros do local, em uma área cedida por um assentado, enquanto fazem um cadastramento junto ao Incra e aguardam que o órgão federal analise a situação da fazenda ocupada no dia 20. O caso da ocupação também é apurado pela Deca.
O novo acampamento, batizado de Terra e Liberdade, foi palco de uma tragédia no último sábado, 9 de dezembro. Durante a instalação de internet no local por técnicos de uma empresa privada chamada G5 Internet, uma antena acabou atingindo um fio de alta tensão. De acordo com o MST, nove pessoas morreram eletrocutadas, sendo seis trabalhadores sem-terra e três técnicos da empresa. Outras oito pessoas ficaram feridas. Uma delas continuava internada com queimaduras de segundo grau, mas com quadro estável, até a tarde de domingo.
Em entrevista coletiva, representantes do MST Nacional e do movimento no Pará disseram não haver indícios de que o acidente tenha sido uma ação criminosa com envolvimento dos latifundiários da região, mas culparam as más condições de trabalho na empresa de internet pela tragédia, já que os técnicos trabalharam por longas horas sem uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), mesmo com pedidos dos acampados de que o trabalho fosse suspenso e concluído em outro momento.
O local do vídeo
Apesar de não poder afirmar que o vídeo tinha sido feito na mesma ocupação, o Incra disse, através da assessoria de comunicação, que atuou no caso citado. “O Incra Sudeste do Pará designou equipe da Câmara de Conciliação Agrária para se reunir com as lideranças e apurar a questão in loco”, disse.
O homem expulso da fazenda
Em nota, o MST do Pará disse que convidou os trabalhadores para se juntarem ao movimento, mas que havia uma pessoa armada fazendo ameaças. "Na fazenda, [os ocupantes] encontraram uma família de trabalhadores, que inclusive foi convidado a lutar junto com o Movimento. E um vaqueiro que estava armado, ameaçando as famílias ocupantes", diz a nota. Por essa razão, diz o MST, o vaqueiro foi convidado a deixar o local, para que o Incra e a Justiça vistoriassem a terra.
A nota não diz se o vaqueiro que fazia ameaças é o que aparece no vídeo, mas as imagens não mostram nenhuma arma à vista. Segundo o delegado Antônio Mororó Filho, da Deca, ninguém foi preso. Ele mencionou, ainda, que o homem abordado no vídeo não tinha um vínculo empregatício com a fazenda, e sim que trabalhava lá recebendo diárias, mas não identificou o rapaz pelo nome.
A terra ocupada
A situação das terras é investigada pela Superintendência Regional do Incra Sudeste do Pará, com sede em Marabá. "A princípio, uma análise preliminar do corpo técnico do Incra detectou que trata-se de áreas particulares tituladas pelo antigo Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat). Todas as pautas estão sendo analisadas criteriosamente, sob a ótica da legitimidade e do amparo legal", diz nota do Incra, que sucedeu o Getat, grupo extinto em 1987.
O Comprova tentou localizar o dono da fazenda invadida por intermédio do Sindicato dos Produtores Rurais de Marabá, mas não obteve sucesso até a publicação desta reportagem. O vice-presidente do sindicato, Maurício Fraga Filho, disse que a propriedade pertence a José Miranda Cruz, e não ao homem que aparece nas imagens. "O rapaz é funcionário da fazenda, ele cuida do gado da propriedade", disse.
Maurício contou que acompanhou a reintegração de posse e que os integrantes do MST, na realidade, ficaram cerca de 20 horas no local. "Os invasores entraram à noite e saíram pacificamente no final da tarde e início da noite", disse.
Apesar de Maurício dizer que a saída aconteceu de forma pacífica, a direção do MST no Pará denunciou, em nota no site da organização, que os ruralistas da região queriam uma desocupação forçada e que houve cerco ao local e bloqueio das entradas e saída pela polícia.
O delegado que acompanhou a desocupação e que conduz o inquérito do caso, Antônio Mororó Júnior, da Delegacia Especial de Conflitos Agrários de Marabá, disse que, após a negociação, o grupo montou um acampamento próximo da fazenda. "Nós intermediamos no sentido de que a gente respeita o direito à propriedade, à função social da propriedade, e de maneira alguma queria esvaziar o direito de ninguém. Mas, no atual Estado Democrático de Direito, pensamos que é inadmissível reivindicar dessa forma, com invasões, da forma como foi", disse.
Quem é o dono da terra?
Sobre a ocupação que aparece nos posts verificados aqui, foi possível acessar a argumentação do fazendeiro a partir da sentença de um pedido de interdito proibitório feito pelos advogados dele no dia 21 de novembro de 2023, um dia após o MST desocupar a fazenda Santa Maria. O juiz titular da Região Agrária de Marabá, Amarildo José Mazutti, disse haver indícios de que José Miranda Cruz exerce a posse da terra de forma "mansa e pacífica e direta" há mais de 30 anos e que explora a atividade de pecuária.
Um funcionário que serviu de testemunha disse que ficam na propriedade cerca de 4 mil animais e que no local possui quatro vaqueiros e outros três funcionários, todos trabalhando com carteira assinada – o que não condiz com a declaração do rapaz que aparece no vídeo, já que ele afirma serem apenas duas pessoas trabalhando com gado, nem com a declaração do delegado Antônio Mororó Júnior, que disse ao Comprova que o rapaz trabalhava no local mediante recebimento de diárias.
No pedido de interdito proibitório, o dono da fazenda argumentou que os integrantes do MST acamparam a apenas cinco quilômetros de distância e que havia ameaças de que voltassem a invadir a fazenda. O juiz atendeu ao pedido de liminar feito pelos advogados, embora tenha dito que “o autor não foi efetivamente molestado, vindo a sofrer apenas ameaças, com atos tendentes a turbar ou esbulhar a posse, definitivamente”.
Na sentença desta segunda-feira, 11, o juiz Amarildo José Mazutti fixou uma multa de R$ 1 mil por dia para cada pessoa que descumprir a decisão e "praticar turbação ou esbulho na área do imóvel objeto da lide", limitando a multa a R$ 100 mil, e deu um prazo de 15 dias para que as partes contestem a decisão, caso desejem. Segundo a sentença, o Ministério Público se manifestou favorável à liminar.
No último sábado, 9, antes de viajar a Parauapebas para acompanhar a situação após o acidente que resultou na morte de nove pessoas, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse que negocia com a mineradora Vale um terreno para assentar as famílias. A companhia atua na extração de minérios em Parauapebas.
"Nós vamos levar os sentimentos do presidente Lula, as condolências nossas, e ao mesmo tempo, nós vamos prosseguir uma negociação que já está em curso para o assentamento dessas famílias. Nós, inclusive, tivemos uma ligação com o presidente da Vale semana passada para uma solução de assentamento dessas famílias", disse, em um vídeo publicado no Instagram.
O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com alguns perfis que publicaram o vídeo, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 12 de dezembro, o vídeo somava mais de 4,1 milhões de interações em apenas 6 posts checados nas redes sociais.
Como verificamos: O primeiro passo foi localizar onde o vídeo foi feito, a partir de ferramentas de busca reversa de imagens e de pesquisa em registros de ocupações do MST, o que levou à imagem de uma ocupação no dia 20 de novembro de 2023 em Parauapebas (PA). Em seguida, foram procurados o MST, representantes de fazendeiros da região, o Incra e a Polícia Civil. Também foram acionados perfis oficiais do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Como afirmado acima, o MST é alvo frequente dos desinformadores. Só neste ano, o Comprova checou, por exemplo, que matança de bois na Bahia não tem relação com o movimento, que post engana ao associar ao MST plantação de maconha na Bahia e que não há registro público de declaração de Lula nem do MST sobre eliminar o agronegócio da Terra.
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