Jair Bolsonaro, ex-presidente do BrasilReprodução / TV Globo
“A responsabilidade política [de Bolsonaro] é inequívoca”, disse Mendes à AFP, durante uma entrevista em seu gabinete no STF, em Brasília. Ao mesmo tempo, o decano do Supremo, de 67 anos, mede suas palavras para se referir à responsabilidade jurídica do líder da extrema direita, um aspecto que ainda “está em julgamento”.
Bolsonaro, inelegível por oito anos desde junho, é investigado no STF como possível instigador e autor intelectual dos ataques aos prédios públicos, em uma tentativa de derrubar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ex-presidente, que no momento dos fatos estava nos Estados Unidos, negou qualquer responsabilidade. Mas Mendes garante que seu governo (2019-2022) “incentivava algum tipo de anarquia, especialmente no que diz respeito às forças policiais”.
“Acredito até mesmo que os militares não retiraram esses invasores, manifestantes [dos prédios] por conta de algum estímulo que havia por parte da própria Presidência da República”, afirmou o ministro, que ocupa um dos 11 assentos do plenário do STF desde 2002.
'Falhas de avaliação'
Revoltados e descrentes diante do resultado do segundo turno das eleições presidenciais, simpatizantes de Bolsonaro invadiam as sedes do Congresso, do Supremo e da Presidência, quebravam o mobiliário e clamavam por uma intervenção militar.
Imediatamente, Mendes interrompeu o encontro, foi para seu apartamento e começou a enviar mensagens e ligar para três pessoas: seus colegas do STF, Alexandre de Moraes e Rosa Weber, e o recém-empossado ministro da Justiça, Flávio Dino.
“Ninguém sabia bem qual era a dimensão da reação, o que estava de fato ocorrendo”, lembrou o ministro, que decidiu antecipar seu retorno ao Brasil.
“O próprio sistema de inteligência, o GSI [Gabinete de Segurança Institucional], ainda estava ocupado por pessoas que vinham do governo anterior. Não tinha havido aquela troca de guarda, certamente houve algum tipo de falha de avaliação” para evitar as invasões, observou.
Os ataques, que muitos consideram o maior desafio à democracia brasileira desde a ditadura militar (1964-1985), se relacionam com a “intimidação” sofrida pela Justiça durante as eleições, disse Mendes. Ao longo da campanha, Bolsonaro questionou, sem apresentar provas, a transparência das urnas eletrônicas, uma atitude que lhe rendeu em junho do ano passado sua inelegibilidade.
“Eles sabiam e tinham informações suficientes de que o sistema é imune a fraude, não obstante, nós sofremos toda a coação que sofremos durante a presidência do ministro [Edson] Fachin à frente do TSE por conta do ministro da Defesa Paulo Sérgio, que toda manhã escrevia uma carta sugerindo algum tipo de medida”, afirmou o ministro, um dos poucos do Supremo que manteve diálogo com Bolsonaro durante seu mandato.
Reformas necessárias
“É dito a eles que nós é que impedimos que o governo governasse”, apontou Mendes. “Parece que se depositou muito mais raiva, ódio, contra o Supremo, o que mostra que a propaganda que se fazia foi efetiva nesse sentido”.
Inclusive, no 8 de janeiro, a sede do STF foi o prédio mais vandalizado pelos invasores. Hoje, o Supremo desempenha um papel-chave no julgamento dos responsáveis pelos ataques. Das 2.170 pessoas detidas pelos atos, até agora 30 foram condenadas por crimes como golpe de Estado, com penas de até 17 anos de prisão. No total, 66 continuam presas.
Gilmar Mendes assegurou que agora o “sistema político está mais alerta” para evitar acontecimentos violentos como este. Porém, “certamente temos que fazer reformas sobre o próprio papel das forças armadas e a politização que acabou por ocorrer", com a ocupação de cargos civis por militares durante a gestão Bolsonaro, explicou.
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