Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair BolsonaroGeraldo Magela / Agência Senado

Áudios do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), mostram o militar declarando que o inquérito da Polícia Federal (PF) sobre a tentativa de golpe de Estado é uma "narrativa pronta". Cid também diz que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes já tem a sentença dos investigados.

Os áudios, de curta duração, foram divulgados nesta quinta-feira, 21, pela revista 'Veja'. Em uma das gravações, Cid diz que os investigadores da PF "não queriam saber a verdade" sobre a tentativa de golpe de Estado, e sim confirmar uma "narrativa pronta".

"Eles já estão com a narrativa pronta. Eles não queriam saber a verdade, eles queriam só que eu confirmasse a narrativa dele. É isso que eles queriam, e toda vez eles falavam 'olha, a sua colaboração tá muito boa'. Ele até falou, 'vacina, por exemplo, você vai ser indiciado por nove tentativas de falsificação de vacina, vai ser indiciado por associação criminosa', e mais um termo lá. Ele disse assim: 'só essa brincadeira vai ser trinta anos pra você", declarou o tenente-coronel.

Por meio de nota, o advogado Cezar Bittencourt, responsável pela defesa de Mauro Cid, admitiu que a voz nas gravações divulgadas pela revista são do militar. Mas alegou que as declarações são mero desabafo do investigado.
"Mauro César Babosa Cid em nenhum momento coloca em xeque a independência, funcionalidade e honestidade da Polícia Federal, da Procuradoria-Geral da República ou do Supremo Tribunal Federal na condução dos inquéritos em que é investigado e colaborador, aliás, seus defensores não subscrevem o conteúdo de seus áudios", diz nota.

A defesa ainda sustenta que a gravação foi clandestina. "Referidos áudios não passam de um desabafo em que relata o difícil momento e a angústia pessoal, familiar e profissional pelos quais está passando, advindos da investigação e dos efeitos que ela produz perante a sociedade, familiares e colegas de farda, mas que, de forma alguma, comprometem a lisura, seriedade e correção dos termos de sua colaboração premiada firmada perante a autoridade policial, na presença de seus defensores constituídos e devidamente homologada pelo Supremo Tribunal Federal nos estritos termos da legalidade", acrescenta a defesa.

Mauro Cid foi preso em maio do ano passado, durante a Operação Venire da PF, que investigou fraudes em cartões de vacina contra a covid-19 da família de Cid e a de Bolsonaro.
Em setembro, ele foi solto após acertar uma delação premiada, onde apontou o ex-presidente como o mandante das fraudes no sistema do Ministério da Saúde e revelou a existência de reuniões entre o ex-chefe do Executivo e comandantes das Forças Armadas para discutir uma forma de impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Em um dos áudios divulgados pela revista, Cid afirma que a PF queria que ele falasse coisas que ele não sabia e que não aconteceram: "Não adianta, você pode falar o que você quiser. Eles (Polícia Federal) não aceitavam e discutiam que a minha versão não era verdadeira, que não podia ser assim, que eu estava mentindo".

Moraes

Cid ainda ataca o ministro do STF Alexandre de Moraes, afirmando que o magistrado já tem pronta a sentença dos investigados pela tentativa de golpe. Segundo o tenente-coronel, o ministro apenas estaria "esperando passar um tempo". "O momento que ele achar conveniente, denuncia todo mundo, o PGR acata, aceita e ele prende todo mundo", diz a voz atribuída à Cid pela Veja.

"Eles são a lei agora, a lei já acabou há muito tempo. A lei é eles, eles são a lei, o Alexandre de Moraes é a lei. Ele prende, ele solta quando ele quiser, com Ministério Público, sem Ministério Público, com acusação, sem acusação", afirmou o tenente-coronel.

Em outra gravação, o ex-ajudante de ordens explica o porquê que aceitou a delação premiada. Segundo ele, a recusa faria com que ele recebesse uma pena de até quatro décadas de prisão. "Se eu não colaborar, vou pegar trinta, quarenta anos. Porque eu estou em vacina, eu estou em joia", disse Cid, em referência ao inquérito das fraudes no sistema do Ministério da Saúde e o caso das joias da Presidência da República vendidas ilegalmente pela cúpula do governo anterior, revelado pelo Estadão.

O ex-ajudante de ordens também fez uma premonição, e disse que todos os investigados serão condenados, e que as penas somadas seriam maiores que 100 anos. Cid ainda cita os golpistas que foram sentenciados por participarem dos ataques aos prédios públicos no 8 de Janeiro de 2023, chamando os vândalos presos de "bagrinhos".

"A cama está toda armada. E vou dizer: os bagrinhos estão pegando dezessete anos. Teoricamente, os mais altos vão pegar quantos?", afirma.

Cid revela mágoa com Bolsonaro

Outro áudio divulgado revela uma mágoa de Cid com Jair Bolsonaro, seu ex-chefe. Segundo o ex-ajudante de ordens, ele foi o único que teve a carreira no Exército e a vida financeira prejudicada após o início das investigações. O tenente-coronel relembra a campanha de transferências via PIX que foi feita, no ano passado, para ajudar Bolsonaro em despesas processuais e diz que ele ficou "milionário".

"Quem mais se f**deu foi eu, quem mais perdeu coisa foi eu. Ninguém perdeu carreira, ninguém perdeu vida financeira como eu perdi. Todo mundo já era quatro estrelas, já tinha atingido o topo. Presidente (Bolsonaro) teve PIX de milhões, ficou milionário, né? Tá todo mundo aí, político é até bom porque eles depois conseguem se eleger fácil. O único que teve pai, filha, esposa envolvido, o único que perdeu carreira, único que perdeu vida financeira toda f**ida foi eu", afirma o tenente-coronel.