CFM proíbe procedimento pré-aborto; entidades criticamDivulgação/Fiocruz
Conforme definição do CFM, o ato médico da assistolia provoca a morte do feto, antes do procedimento de interrupção da gravidez, por meio da administração de drogas – geralmente cloreto de potássio e lidocaína, injetados no coração do feto. Já morto, ele é retirado do corpo da mulher.
“É vedada ao médico a realização do procedimento de assistolia fetal, ato médico que ocasiona o feticídio, previamente aos procedimentos de interrupção da gravidez nos casos de aborto previsto em lei, ou seja, feto oriundo de estupro, quando houver probabilidade de sobrevida do feto em idade gestacional acima de 22 semanas”, destaca a publicação.
Viabilidade
Ética médica
Ele lembrou ainda que o Código de Ética Médica estabelece que é vedado ao profissional praticar ou indicar atos médicos desnecessários ou proibidos pela legislação vigente no país. “Estamos falando de fetos viáveis. Fetos de sete, oito, nove meses.”
Direitos
“Não estamos tirando o direito da mulher de se livrar daquela gravidez indesejada”, disse. “A mulher não é obrigada a ficar com aquele fruto indesejável do estupro”, completou. Segundo ele, após 22 semanas, os casos não configurariam mais aborto, mas antecipação de parto.
“A mulher [vítima de estupro] vai poder fazer isso a qualquer momento”, destacou em entrevista coletiva nesta quinta-feira (4), referindo-se à antecipação do parto e citando como procedimentos possíveis a indução do parto vaginal ou a cesárea.
Para o CFM, ultrapassado o marco temporal das 22 semanas de gestação, deve-se preservar o direito da gestante vítima de estupro à interrupção da gravidez e o direito do nascituro à vida por meio do parto prematuro, “devendo ser assegurada toda tecnologia médica disponível para sua sobrevivência após o nascimento”.
Câmara avalia que cabe ao Estado brasileiro a aplicação de opções estabelecidas em lei de tutela e acolhimento para garantir que não haja contato indesejado, evitando, assim, o agravamento do sofrimento materno e preservando a vida extrauterina do recém-nascido.
Outros casos
“Quando há indício de morte materna, não há qualquer vedação [da assistolia fetal], a qualquer momento”, disse, ao citar, como exemplo, casos de gravidez ectópica (quando o feto se forma fora do útero) e de perfusão arterial reversa, condição rara que afeta fetos gêmeos.
Constitucionalidade
“Não existe, na Constituição brasileira, esse conceito de vida desde a concepção. Portanto, é uma resolução também inconstitucional, que desprotege, principalmente meninas e mulheres. A criminalização fica visível, pois considera valores, coloca a vida de meninas e mulheres com baixo valor, expõe mais a riscos.”
Enfermeira de formação, Paula destaca que o conceito de saúde precisa ser muito mais amplo do que o proposto pela resolução. “A gente tem que pensar saúde de forma integral, de forma mais abrangente, em todas as dimensões da vida de uma pessoa e, nesse caso, explicitamente, estão envolvidas a saúde mental, a saúde emocional e, consequentemente, a saúde física.”
“A gente tem um estatuto legal que permite essa proteção, não importa a idade gestacional. Isso não é discutível na pauta da preservação e da promoção da saúde. É uma resolução com forte caráter moralista e, infelizmente, violadora de tantos direitos.”
“Casos de violação e violência sexual são muito complexos, envolvem a família, a comunidade”, disse. “O que o CFM está fazendo é colocar, além da barreira no acesso a esse direito, também colocar barreiras na qualidade da atenção. O que está sendo negado é o acesso à melhor tecnologia que existe, segundo a Organização Mundial da Saúde, a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia.”
Limbo e riscos
“A gente tem uma legislação, desde 1940, que não impõe nenhuma limitação ao direito ao aborto legal. Não se discute, isso é um direito”, disse. “Os serviços de saúde devem se organizar para atender, de forma ilimitada, na forma que está na legislação, as três hipóteses [vítimas de estupro, quando há risco de vida para a gestante e fetos com anencefalia].”
Para Flávia, o CFM, “exorbitando seu poder regulamentador”, cria, com a resolução, uma limitação aos profissionais de saúde e que se aplica única e exclusivamente a casos de aborto legal decorrentes de crimes de estupro.
“Veja que não limitou a realização desse procedimento em casos de risco de vida, que é o que a gente chama de aborto terapêutico necessário. Mas limitou nos casos de aborto humanitário. Aqui a gente já percebe que não há nenhum fundamento científico para impor essa limitação. Não há qualquer justificativa.”
“É uma norma que é expressamente contrária à lei. Pode fazer com que os profissionais de saúde deixem de cumprir com seu dever legal, podendo incidir, inclusive, em ato criminoso, como omissão de socorro.”
Revitimização
“A gente sabe que essas meninas que sofrem violência têm dificuldade pra falar da violência sofrida, muitas vezes, porque têm medo ou porque até desconhecem que estão vivenciando uma situação de violência. Falar sobre violência sexual, sobre direitos sexuais e reprodutivos, durante muito tempo, foi um debate interditado. Vem sendo um debate interditado”, criticou a coordenadora.
“O que essa resolução faz é promover mais violência contra meninas e jovens mulheres, adolescentes principalmente, perpetuando essa situação de violência que elas sofreram, obrigando a levar uma gestação a termo que, além de revitimizá-las, por conta da situação de violência, ainda reforça o risco de vida.”
Judicialização
“Esse profissional de saúde vai buscar respaldo jurídico para legitimar aquele ato que já é legal, mas que, diante dessa normativa ilegal, inconstitucional e inconvencional do CFM, vai fazer com que essas pessoas busquem um atendimento jurídico e judicializem esses casos. Isso vai promover um aumento de demandas no Poder Judiciário, demandas totalmente desnecessárias”, acrescentou.
“Piora tudo, não resolve nada. É regulamentar um procedimento que, na verdade, vai prejudicar a saúde de meninas e mulheres. E ainda de forma seletiva porque o procedimento vai poder ser realizado em algumas hipóteses de aborto legal, mas, exclusivamente, em casos de gestação decorrente de estupro, não vai poder ser realizado.”
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