Rio Taquari após enchentes no Rio Grande do SulAFP
Onde foi publicado: TikTok e Instagram.
Conclusão do Comprova: É falso o conteúdo de um vídeo gravado por um morador da zona rural do município de Arroio dos Ratos, na região metropolitana de Porto Alegre (RS), em que ele atribui a enchente que afeta o estado desde o fim de abril a uma suposta abertura simultânea de cinco comportas de uma barragem. Para reforçar o argumento, ele afirma que mora em um lugar onde não há rios e onde houve apenas uma "garoa forte", mas que, mesmo assim, a água subiu rapidamente, cobrindo um açude que fica em frente à casa.
Não é verdade que cinco comportas de barragens tenham sido abertas simultaneamente durante as chuvas recentes. No dia 2 de maio, houve um rompimento parcial da barragem da Usina 14 de Julho, no Vale do Taquari, e dois dias depois optou-se por uma abertura gradual e controlada das duas comportas da barragem, apenas para evitar danos na estrutura. Como esta é uma barragem do tipo "fio d’água", que usa apenas o fluxo normal de água do rio, a abertura de comportas não influencia na vazão das águas do rio. Mesmo que houvesse influência, a região onde o vídeo foi gravado não é afetada pela barragem.
No dia 3 de maio, a Usina de Passo Real operou com vazão acima do máximo por conta do grande volume de água. Enquanto isso acontecia, a Usina de Jacuí, que acabou inundada, foi desligada. No dia 7, o reservatório em Passo Real atingiu o nível esperado, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). De qualquer forma, essas operações foram feitas depois de 1º de maio, data em que o autor publicou os primeiros vídeos mostrando que a fazenda já estava alagada, e as usinas ficam distantes de Arroio dos Ratos – mais de 260 quilômetros.
Além disso, o argumento de que não houve chuva intensa na região não tem base factual. A propriedade rural onde o vídeo foi gravado fica no Rincão dos Américos, que foi incluído no decreto de emergência de nível II publicado pela Prefeitura de Arroio dos Ratos em 1º de maio. Segundo a Defesa Civil do município, choveu 420 mm em Arroio dos Ratos de 29 de abril a 2 de maio. A Agência Nacional de Águas (ANA) não tem dados específicos do dia 1º de maio para o local.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. A postagem publicada no TikTok tem 581 mil visualizações, 49,6 mil curtidas, 11,8 mil compartilhamentos e foi salva 4,8 mil vezes até 23 de maio de 2024.
Fontes que consultamos: O Comprova procurou, inicialmente, o autor do conteúdo, para tentar identificar o local exato onde o vídeo foi feito, a data da inundação e questionar a quais barragens ele se referia quando falava de abertura de comportas. Também foram acionados o governo do Rio Grande do Sul, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a ANA, a Companhia Energética do Rio das Antas (Ceran), onde ficam três barragem no Vale do Taquari, e dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico.
Foram consultados ainda a Defesa Civil de Arroio dos Ratos, dados meteorológicos e de precipitação do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e da ferramenta Weather Spark, além de decretos municipais e federais sobre situação de emergência pelas chuvas e inundações. Para encontrar o local onde o vídeo foi gravado, foram utilizadas as ferramentas Sinesp Cidadão, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, CruzaGrafos, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), e o Google Maps.
Vídeo foi gravado em Arroio dos Ratos, onde choveu 420 mm em quatro dias
O responsável pela publicação não diz onde o vídeo foi feito, mas ele responde a um comentário na postagem no TikTok dizendo ser de Eldorado do Sul. Ao Comprova, o autor do vídeo, identificado como João Alves, confirmou ser desta cidade, mas não respondeu com detalhes sobre a localização da fazenda. Ele se limitou a responder que tudo estava documentado na rede social e que a água havia subido "de repente".
Na realidade, o vídeo não foi gravado em Eldorado do Sul, e sim na zona rural do município vizinho de Arroio dos Ratos que, diferentemente do que afirma o autor do vídeo, foi fortemente afetado por chuvas intensas. A fazenda onde as imagens foram feitas figura como sede de uma microempresa de construção civil que tem João Alves como sócio. O local fica na Estrada Rincão dos Américos, e uma comparação entre o local no Google Street View e outros vídeos publicados pelo autor no TikTok comprovam se tratar do mesmo lugar.
De acordo com a coordenadora da Defesa Civil de Arroio dos Ratos, Juliana Silveira de Abreu, entre os dias 29 de abril e 2 de maio, choveu 420 mm na cidade. Segundo a ferramenta Weather Spark, a média de precipitação em todo o mês de maio em Arroio dos Ratos é de 100,2 mm, o que desmente a alegação de que não houve chuvas fora do normal. Na realidade, choveu em quatro dias quatro vezes mais do que a média para o mês inteiro.
A Prefeitura de Arroio dos Ratos tem uma página dedicada ao desastre e publicou que, no dia 1º de maio, a cidade foi afetada por uma "calamidade natural de proporções históricas": "Uma enchente avassaladora, desencadeada pelas intensas chuvas dos últimos dias, deixou a comunidade à beira do limite. Ruas se transformaram em rios, casas foram alagadas e a população enfrentou um cenário de desespero e destruição".
O Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, do governo federal, reconheceu a situação de emergência na cidade por chuvas intensas, e o reconhecimento ainda está em vigor.
O autor do vídeo argumenta ainda que não existem rios por lá. Na realidade, bem próximo da cancela de entrada na fazenda passa o Arroio dos Ratos, um córrego que margeia por boa parte do município e que, durante as chuvas intensas, recebeu um grande volume de água da própria cidade – segundo a Defesa Civil, bairros da zona urbana foram inundados devido às cheias dos arroios que banham o município, atingindo também a zona rural.
Abertura de comportas não foi responsável pelo desastre
É o que explica a Agência Nacional de Energia Elétrica, segundo a qual existem 125 usinas hidrelétricas no Rio Grande do Sul, com 143 barragens. Das 125 usinas, apenas quatro possuem reservatório com capacidade de regularização: são as usinas hidrelétricas Passo Fundo, Passo Real, Barra Grande e Machadinho.
Todas as outras são usinas do tipo “fio d’água”, que operam apenas com o fluxo natural dos rios. A Aneel explica que essas usinas não possuem capacidade de armazenar e regular água de cheias, por isso a abertura de suas comportas não pode agravar casos como o que está ocorrendo no Rio Grande do Sul.
No dia 2 de maio, o grande volume de chuva fez romper parcialmente a barragem da Usina 14 de Julho, no Vale do Taquari, e no dia 4, a Companhia Energética do Rio das Antas (Ceran), que gere a usina, optou por abrir, de forma gradual e controlada, duas comportas da usina. Isso aconteceu para preservar a estrutura.
Não houve impacto significativo na vazão do Rio das Antas justamente porque a barragem é do tipo "fio d’água". A Ceran explicou, quando as comportas foram abertas, que não haveria variação relevante no nível do rio e nem alterações para as comunidades abaixo da barragem.
Além do baixo impacto, a Companhia explicou ao Comprova que as cidades de Arroio dos Ratos e Eldorado do Sul – citada pelo autor do vídeo – não seriam afetadas mesmo que houvesse um aumento da vazão porque não estão abaixo da barragem e não fazem parte da chamada Zona de Autossalvamento (ZAS) – área de impacto imediato em caso de emergência envolvendo uma barragem. A Defesa Civil de Arroio dos Ratos disse que não há comportas de barragens no município.
Já o governo do Rio Grande do Sul monitora diariamente a situação das barragens do Estado e divulgou, em nota do dia 4 de maio, que as ações de resposta para as duas barragens sob risco naquele dia – 14 de Julho e Bento Gonçalves – já estavam em andamento e tomadas de modo a não alterar o nível do rio Taquari-Antas. Os dados mais recentes são de 22 de maio e apontam que há uma barragem em situação de emergência: a de Salto, da Usina Hidrelétrica de Bugres, em São Francisco de Paula.
Em nota, o governo do Rio Grande do Sul disse que, nos reservatórios que são de sua competência fiscalizatória, as questões que envolvem abertura e fechamento de comporta são operações que podem fazer parte do funcionamento normal de uma barragem e são de responsabilidade do empreendedor. "No RS, a maior parte das barragens possuem o maciço de terra com vertedouro do tipo soleira livre. O vertedouro é considerado um dos principais dispositivos de segurança e tem como função manter o nível adequado de água na barragem", diz o texto.
Autor cita teoria da conspiração envolvendo caixões americanos
As teorias da conspiração sobre os "caixões da FEMA" se tornaram constantes durante o governo de Barack Obama, sob a alegação de que o presidente havia secretamente investido US$ 1 bilhão em caixões plásticos com capacidade múltipla. Publicações conspiratórias diziam que o governo estava se preparado para um desastre biológico, ou para matar “dissidentes”. Durante a pandemia da covid-19, essa mesma teoria voltou a circular, como uma suposta prova de que os teóricos da conspiração de 2010 estavam corretos.
Na realidade, como mostrou o PolitiFact, os caixões da FEMA não são necessariamente caixões, e sim túmulos de plásticos que são colocados no solo para proteger os caixões e para evitar que o solo desmorone. A maioria dos cemitérios dos Estados Unidos exigem estes túmulos, explicou o PolitiFact. O Comprova questionou a FEMA se houve venda de túmulos para o Brasil e se essa prática é comum, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: A tragédia provocada por enchentes no Rio Grande do Sul tem sido alvo de peças de desinformação publicadas na internet. O Comprova já mostrou que detentos em abrigos são do semiaberto e não têm relação com crimes de violência sexual e que sete deputados do Estado foram contra anistia, mas votaram a favor de suspensão de dívida do estado.
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