Projeto impõe restrições às ações assistenciais e determina que doações devem cumprir uma série de regrasReprodução / Internet

A Câmara Legislativa de São Paulo aprovou, em primeira votação, na última quarta-feira, 26, o projeto de lei que pode multar, em R$ 17,6 mil, cidadãos e entidades não-governamentais que desrespeitarem uma conjunto de regras na hora de realizarem doações de comida a pessoas em situação de vulnerabilidade social.

O PL 0445/2023, apresentado em agosto do ano passado, é de autoria do vereador Rubinho Nunes (União Brasil) e ainda passará por uma segunda votação no plenário antes de ir para a sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB). O objetivo da proposta, como definida no texto do projeto, é "estabelecer protocolos de segurança alimentar para pessoas em vulnerabilidade social" em São Paulo.

Na prática, porém, o projeto impõe restrições às ações assistenciais ao determinar que os doadores só podem praticar o gesto de caridade se cumprirem com uma série de regras, como ter cadastro em secretarias na Prefeitura; autorização da administração municipal; apresentar um plano detalhado que define onde, quando e quanto será distribuído de alimento.

Caso essas regras não sejam cumpridas, a pessoa física ou entidades seriam obrigadas a pagar, como multa, 500 Ufeps (Unidade Fiscal do Estado de São Paulo). Como cada Ufeps tem o valor atual de R$ 35,36, o pagamento de 500 dessas taxas corresponde a R$ 17.680. Além disso, no caso de reincidência, os doadores perderiam o credenciamento por três anos.

Na justificativa do projeto, Rubinho Nunes diz que a medida busca dar maior segurança, qualidade e transparência às ações assistenciais, e que a obrigatoriedade de autorizações prévias para fazer as doações "garante que as atividades sejam realizadas por entidades idôneas".

"Além do mais é dever do município cuidar da zeladoria urbana e a vedação de distribuição de alimentos impróprios para consumo, visando preservar a higiene e a saúde dos beneficiários", afirma o parlamentar.

CPI para investigar Padre Júlio Lancellotti

Em dezembro do ano passado, Rubinho Nunes propôs a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as entidades sem fins lucrativos da capital que recebem recursos públicos da Prefeitura de São Paulo.

Apesar de não ter o nome citado no requerimento de instauração, o próprio Rubinho afirmou que a CPI, se instalada, teria como um dos alvos o padre Júlio Lancellotti, a quem o parlamentar acusa de fazer parte da "máfia da miséria" e de ganhar politicamente com as ações sociais que pratica.

A CPI não foi aberta e a Polícia Civil investiga se o vereador cometeu abuso de autoridade contra o pároco, algo que o parlamentar nega.

Entidades criticam aprovação do PL em 1º turno

A aprovação em 1º turno foi criticada pelas entidades, que entendem que o projeto vai burocratizar o gesto de ajudar quem precisa. Nas redes sociais, o Padre Júlio se manifestou. "Partilhar o alimento e partilhar o pão é como jesus fazia e como Jesus ensinou. O pão é para ser partilhado porque pão partilhado tem gosto de amor e não gosto de multa", questionou o pároco.

O movimento Na Rua Somos disse que a PL 445 impõe "burocracias que dificultam as doações de alimentos para os mais necessitados", e que as pessoas precisam "se mobilizar para impedir que essa medida seja implementada".

Regras

Para o caso de entidades interessadas em fazer as doações, o PL determina, entre as principais obrigações, que as instituições tenham razão social registrada e reconhecida pelos órgãos competentes; identifiquem os membros do quadro administrativo do grupo e façam a zeladoria da área onde as refeições serão distribuídas.

Além disso, os voluntários da entidade precisam ter autorização da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) e da Secretaria Municipal da Subprefeitura para realizar atividade, bem como estar identificados com crachá da instituição no momento da entrega do alimento.

No caso de pessoas físicas, as determinações são semelhantes: fazer a limpeza do local da doação, ter autorização de secretarias da administração municipal e ter cadastro atualizado na Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social.

O texto também dispõe que as autorizações concedidas tenham validade de um ano, devendo ser renovadas na SMADS; o armazenamento e transporte de alimentos devem ser realizados conforme as regras previstas pela vigilância sanitária; as doações devem ocorrer em locais e horários previamente agendados e autorizados pela SMADS, as ONGs e pessoas físicas devem elaborar um plano detalhado da distribuição dos alimentos, descrevendo onde e quando as doações serão feitas, e qual a quantidade de comida distribuída.

Críticas de políticos e personalidades
O deputado estadual Carlos Minc (PSB/RJ) mostrou indignação em uma publicação. "Ódio contra pobres. Uma patologia perversa. Falabela tinha personagem no Sai de Baixo com bordão: POOBRE! para mostrar seu nojo pelos desvalidos, mal vestidos, dente cariado. Estes fascistas vão à Igreja falar de compaixão! Hipócritas
Orlando Silva (PT), deputado federal por São Paulo criticou o autor do projeto Rubinho Nunes (União Brasil).  "Que espécie de sujeito tem tanto ódio aos pobres a ponto de propor uma canalhice dessas? É preciso deter o fascismo de uma vez por todas ou as consequências serão gravíssimas", destacou.
O deputado federal Reimont (PT-RJ) postou uma mensagem contrária à PL. "Que o pão seja para todos. A solidariedade e o cuidado com os mais vulneráveis são essenciais em nossa sociedade. Precisamos unir forças para garantir que ninguém passe fome e que todos tenham acesso ao básico para viver com dignidade", ressaltou.
A pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcomo lamentou a decisão: "Mas que desatino é esse, meu Deus?".
A apresentadora Astrid Fontenelle comentou. "Seguiremos repartindo o pão", postou.
Nas redes sociais, internautas criticaram o projeto: "Criminalizaram a caridade!", disse um morador de São Paulo.
Outra mulher também expressou indignação: "A sensação que passa no Brasil é que o trabalho dos políticos é, no geral, ferrar com a vida dos brasileiros (principalmente dos menos favorecidos)", falou.
Com informações do Estadão Conteúdo