Alexandre de Moraes decretou nesta sexta-feira, 30, a suspensão do X de Elon Musk no BrasilReprodução/Redes sociais
Decisão sobre uso de VPN atinge quem não tem nada a ver com Musk, dizem especialistas
Para analistas do Direito Digital e da tecnologia, restringir o uso de VPNs prejudica usuários que usam o recurso para outros fins
Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, de aplicar multa diária de R$ 50 mil para quem usar uma VPN - sigla em inglês para rede privada virtual - com o fim de continuar usando o X (antigo Twitter) atinge pessoas que não têm nada a ver com a disputa entre ele e Elon Musk, empresário dono da rede social. Eles também acreditam que é uma ação de difícil execução.
Para analistas do Direito Digital e da tecnologia, restringir o uso de VPNs prejudica usuários que usam o recurso para outros fins, seja proteger a privacidade, realizar pesquisas, evitar perseguição ou até mesmo driblar barreiras geográficas. Essa rede serve mascarar a origem de acesso de um internauta. Uma pessoa no Brasil pode simular que está usando a internet em outro país.
"Um bloqueio generalista desse tipo de mecanismo pode ter efeitos nocivos sobre a sociedade civil, o jornalismo e cientistas lidando com temas sensíveis e que querem ser protegidos em seu trabalho online", diz João Guilherme Bastos dos Santos, diretor de Tecnologia e Estudos Temáticos do Democracia em Xeque, instituto que trabalha com pesquisas sobre desinformação, discurso de ódio e extremismo político.
Para João Guilherme, justo por sua finalidade, disfarçar a sua identidade, identificar usuários de VPNs pode ser uma tarefa difícil. Ele lembra também que o recurso pode ser usado para outros fins além de driblar medidas judiciais. "É um mecanismo que pode ajudar a proteção de privacidade, evitar perseguições a pessoas que fazem pesquisa, simulação de pesquisas online em países autoritários, ajuda pessoas a driblar barreiras intimidações, entre outros", afirma.
A decisão de Moraes não apenas pune quem for usar uma VPN para continuar acessando o X, mas também determina que a Apple e o Google retirem aplicativos de VPN de suas respectivas lojas de apps.
"Proibir que as lojas de aplicativos tenham as VPNs disponíveis para download me parece irrazoável", diz Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da Escola Superior de Publicidade e Marketing (ESPM).
Andre Marsiglia, advogado constitucionalista e especialista em liberdade de expressão, afirma que a decisão é ilegal. "O usuário não é o culpado do eventual ilícito da plataforma. Você não pode punir terceiros por ação judicial", diz. VPN não é uma ferramenta ilícita, e o usuário não tem nada a ver com a disputa entre Musk e STF."
Para Taís Gasparian, advogada especializada em mídia, diz que Moraes tem se esforçado para "manter a democracia em pé", mas não acreita que punir quem está usando uma VPN para usar o X terá muita eficácia. "Impedir as pessoas de acessarem pela VPN me parece enxugar gelo", analisa. "Cercear o direito de todo mundo nao sei nem se é tecnicamente é possível. Pode conseguir durante um tempo, mas não sei se consegue sempre."
Marsiglia acredita que a Corte deverá fazer uma escolha diante da inviabilidade de monitorar todos os usuários brasileiros ativos no X. "O que pode acontecer é que a Corte faça uma escolha política de verificar alguns perfis, e isso seria lamentável, porque não há nada de jurídico nisso", diz.
Já Crespo, da ESPM, vê como caminho possível a solicitação às operadoras de VPN de quais usuários brasileiros estariam as usando. "Mas o problema é que a VPN é criptografada, dificilmente você vai conseguir saber o que a pessoa está usando a partir da VPN. É difícil fazer essa diferenciação precisa de quem está usando o VPN para usar o X."
Não é a primeira vez que Moraes age para punir quem tenta contornar bloqueios ao uso de redes sociais. Como mostrou o Estadão, em 2022, ele determinou sanções civis e criminais e multa diária de R$ 100 mil para quem usar "subterfúgios tecnológicos" como proxy ou VPN para continuar usando o Telegram, que tinha sido bloqueado naquele período.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.