Meta controla grandes redes sociaisMarcello Casal Jr/Agência Brasil

Rio - No início do mês, a Meta, plataforma que engloba as redes sociais Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp, anunciou que encerrará o seu programa de fact-checking (verificação digital). O comunicado foi considerado um significativo retrocesso nas políticas de moderação de conteúdo. Recentes fake news que ganharam tração e espalharam desinformação reforçam a importância no controle do que é publicado nas redes sociais. Um exemplo é a polêmica do Pix, com mentiras como a que o governo passaria a taxar as transações feitas com o instrumento. Para entender melhor o quanto essa mudança na lógica das redes pode impactar o dia a dia das pessoas e o cenário do Brasil, o DIA conversou com especialistas de diversas áreas.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), alertou para os perigos "Com regras mais flexíveis, a Meta pode permitir a circulação de conteúdos falsos, prejudiciais e até criminosos, como golpes e discursos de ódio. Isso pode comprometer a qualidade das notícias, polarizar ainda mais as discussões nas redes sociais e criar um ambiente mais arriscado, com menor controle sobre publicações problemáticas", apontou.

O senador também disse acreditar que a extinção do programa de checagem pode facilitar os crimes nas redes sociais.

"A falta de moderação rigorosa facilita a ocorrência de crimes como fraudes e incitação à violência nas redes sociais. A liberdade de expressão não deve servir de justificativa para práticas ilegais, e essa mudança pode abrir espaço para atividades criminosas", reforçou.
Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT) - Arquivo/Agência Brasil
Líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT)Arquivo/Agência Brasil


O sociólogo e coordenador do curso de Direito na Universidade Guarulhos (UNG) Guilherme Amaral destacou que a concentração de redes sociais nas mãos de bilionários pode fazer com que os interesses da população sejam deixados de lado.

"Os interesses dos bilionários frequentemente estão desconectados das necessidades da população em geral, que busca uma vida digna e oportunidades reais. Essa desconexão pode levar a uma distorção da informação, onde as narrativas são moldadas para favorecer certos grupos em detrimento do bem comum", disse.

Ele também lembra o papel que as redes sociais exercem na vida cotidiana atualmente, com grande relevância na vida da maioria das pessoas.

"Além disso, a comparação com o livro '1984' (clássico da ficção científica, de George Orwell) é bastante apropriada. A vigilância constante e o controle das informações que consumimos criam um ambiente onde a autonomia individual é ameaçada. As redes sociais se tornaram uma extensão da nossa vida cotidiana, mas essa dependência pode nos tornar vulneráveis à manipulação. É crucial que haja um debate mais amplo sobre como regular essas plataformas de forma a proteger os direitos dos usuários, garantindo que eles não sejam tratados apenas como dados ou mercadorias", opinou.
Guilherme Amaral é coordenador na UNG - Arquivo Pessoal
Guilherme Amaral é coordenador na UNGArquivo Pessoal
Como vai funcionar?

No lugar do programa de fact-checking, a Meta adotará o método de notas de comunidade, no qual os próprios usuários serão responsáveis por denunciar conteúdos considerados nocivos.

O sistema de notas de comunidade foi adotado inicialmente no X, de Elon Musk, que passou a ser conhecido como um ambiente digital que abraça o radicalismo, desinformação e outros conteúdos nocivos.

A ferramenta de moderação faz com que os próprios usuários sejam responsáveis por denunciar conteúdo considerado nocivo nas redes, mas o caminho não é tão simples assim.

O sistema funciona por meio de usuários voluntários, que poderão sinalizar, por meio de mensagens curtas, se o conteúdo é considerado nocivo para a comunidade. Depois disso, outros usuários avaliam se a nota é considerada útil ou não, por meio de critérios como a clareza da informação e o uso das fontes. Se a maioria aprovar, um alerta deve aparecer embaixo das postagens.

Meta argumenta que só os EUA serão inicialmente afetados

A Meta apresentou na segunda-feira (13), uma carta-resposta aos questionamentos enviados pela Advocacia-Geral da União (AGU) após o anúncio de novas políticas de moderação de conteúdo.

No documento de quatro páginas, a empresa salientou que o encerramento do Programa de Verificação de Fatos por agências independentes de checagem de informação para dar lugar à política de "notas da comunidade", como é aplicada atualmente no X, valerá apenas para os Estados Unidos neste primeiro momento.

No entanto, o modelo é testado em território norte-americano com o objetivo de ser replicado futuramente em diversas partes do mundo.
Mark Zuckerberg, bilionário dono da Meta - Andrew Caballero-Reynolds/AFP
Mark Zuckerberg, bilionário dono da MetaAndrew Caballero-Reynolds/AFP


O DIA também conversou com o advogado Stéfano Ferreira, especialista em direito digital. O profissional opinou que a "retirada do sistema de checagem do Facebook pode trazer uma segurança jurídica e insegurança aos usuários, porque isso pode abrir um leque para delitos virtuais, a maioria deles envolvendo crimes contra honra, calúnia, difamação e injúria, e também crimes de cunho racial, preconceito racial, intolerância religiosa, xenofobia e questões também relacionadas à LGBTQIA+".

A preocupação do advogado já é previamente exposta no texto atualizado no site da Meta para língua inglesa, que cita uma série de comportamentos de usuários que passarão a ser permitidos. Estas ações incluem insultos de caráter homofóbicos, transfóbicos, xenófobos ou mesmo misóginos, considerando o contexto de fim de relacionamentos.

O profissional também aponta que "é muito importante enfatizar a questão da estabilidade política, pois a falta de controle e checagem de informações da fake news, informações falsas, podem trazer até mesmo uma questão da manipulação e desinformação, propagar a desinformação, trazendo uma formação de uma opinião diversa do que está acontecendo na verdade".
Stéfano Ferreira destaca delitos virtuais - Arquivo Pessoal
Stéfano Ferreira destaca delitos virtuaisArquivo Pessoal
Reação do Brasil em quatro frentes

O governo federal prepara uma reação em quatro frentes, incluindo resposta no Judiciário e novas proposições no Legislativo após este anúncio da Meta.

A primeira resposta institucional sairá no Supremo Tribunal Federal (STF), que avalia um ponto do Marco Civil da Internet sobre as plataformas digitais e foi provocado pela Advocacia-Geral da União (AGU).

Também haverá uma atuação ampla no Legislativo, com envio de dois novos textos para abordar tanto a taxação das big techs quanto a regulação concorrencial do setor, além da aposta no projeto sobre Inteligência Artificial, já aprovado no Senado. Os projetos sobre taxação e concorrência já eram discutidos na Fazenda, mas ganharam prioridade depois do movimento da Meta.

A terceira frente inclui ações dos órgãos administrativos, como a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). A última frente será um monitoramento maior de temas com repercussão nas eleições de 2026, que influenciarão o trabalho do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Associação faz representação no MPF

Diante das novas permissões de publicações nas redes da Meta, que podem atingir públicos LGBTQIA+, a Associação Nacional de Travestis e Transsexuais (Antra) protocolou, no último dia 8, uma representação no Ministério Público Federal (MPF) contra a Meta – companhia que controla Facebook, Instagram e Whatsapp – após mudança na gigante da tecnologia. A ação aconteceu apenas um dia após o anúncio do encerramento da política de fact-checking.

"O estado brasileiro precisa dar respostas contundentes a essa situação! Inadmissível que isso ocorra quando temos leis que nos protegem", destacou a associação.
Um trecho do texto da Meta, por exemplo, aponta que estes grupos podem ser associados a doenças mentais ou anormalidades.

"Nós permitimos alegações de doença mental ou anormalidade quando baseadas em gênero ou orientação sexual, dado o discurso político e religioso sobre transgenerismo e homossexualidade", afirma as novas regras de moderação de conteúdo para plataformas como Facebook e Instagram.

Polêmica do X

Em agosto deste ano, a rede social X chegou a ficar fora do ar após o dono da rede social descumprir medidas impostas pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

Na ocasião, Musk não aceitou algumas ordens de bloqueio de perfis feitas por Moraes para conter um uso criminoso da liberdade de expressão.

O empresário argumentou que tratava-se de um abuso de autoridade e ironizou o magistrado em sua rede social com frases e memes. Além disso, ele faz algumas acusações mais sérias, dizendo que o país se tornou uma ditadura.

Após não cumprir as medidas impostas por Moraes, o presidente Lula alegou que Musk tinha que se submeter à Constituição Brasileira e ao STF. O dono da rede social já havia cumprido em outros países as ordens que se negava a cumprir no Brasil.

A rede social X voltou a funcionar nesta no país no dia 9 de setembro, após um bloqueio de 40 dias.

Antes de ser autorizada a operar novamente, a plataforma teve que pagar multas no valor de R$ 28,6 milhões. Além disso, precisou derrubar previamente contas acusadas de desinformação, algumas delas ligadas a uma investigação em andamento sobre "milícias digitais". A plataforma também teve que nomear um representante legal no Brasil, tendo sido escolhida a advogada Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição.