Lista de medicamentos gratuitos do programa Farmácia Popular foi ampliadaAgência Saúde
Onde foi publicado: Instagram e TikTok.
Contextualizando: O Ministério da Saúde anunciou, em fevereiro, alterações no Programa Farmácia Popular do Brasil, iniciativa do governo federal criada em 2006. Com a mudança, todos os 41 itens do programa passaram a ser distribuídos de graça nas farmácias credenciadas. Antes, o governo oferecia uma série de medicamentos subsidiados e pagava, em parte dos casos, uma proporção do custo (até 90% do valor de referência tabelado) e o cidadão desembolsava o restante. O valor final que a população pagava podia sofrer influência do preço praticado pela farmácia. Este regime se chamava copagamento. Desde fevereiro, o custeio passou a ser 100% do governo.
A mudança gerou repercussão entre o público — que passou a não ter que bancar parte da medicação —, e entre as farmácias. O conteúdo de um vídeo que viralizou nas redes sociais aborda essa alteração. Nele, uma mulher diz que comerciantes poderiam ser prejudicados pela alteração porque o valor enviado pelo governo federal não seria suficiente para adquirir os produtos e repassá-los sem custos aos clientes. No vídeo, a mulher ainda diz que, por conta disso, o estabelecimento em que ela atua já deixou de trabalhar com dois medicamentos, o propranolol e a espironolactona.
O vídeo foi originalmente publicado em 14 de fevereiro — um dia após o anúncio do governo sobre a ampliação da gratuidade — por um perfil no TikTok cuja dona, que se apresenta como farmacêutica e empresária, grava uma série de conteúdos em uma farmácia de Bebedouro, no interior de São Paulo. Ela cita dois produtos como exemplo. O primeiro são fraldas geriátricas. Segundo ela, o valor repassado pelo governo cobriria apenas um terço do custo. O segundo é o forxiga, nome comercial da dapagliflozina. "Vamos supor que o forxiga custe R$ 200. O governo pagava R$ 80 e o cliente R$ 120. Como que eu vou receber R$ 80, comprar o produto e passar gratuito pro cliente? Quem que vai me pagar esses R$ 120?"
Nos exemplos, pelos valores mencionados, ela trata do custo de um pacote de fraldas e de uma caixa de remédios. Quando o governo estabelece o valor a ser pago, a referência é sempre unitária. Em ambos os casos, houve aumento no repasse por parte do governo federal (leia mais abaixo). Atualmente, o Ministério da Saúde repassa R$ 3,95 por cada comprimido de forxiga, ou seja, o valor para uma caixa de 30 comprimidos é de R$ 118,50. No caso das fraldas, é repassado R$ 2,43 por unidade. Dessa forma, o repasse para um pacote com oito fraldas, por exemplo, é de R$ 19,44.
O Comprova entrou em contato com a drogaria em que a mulher que gravou o vídeo trabalha por telefone, em 11 de março, e a reportagem foi informada de que um pacote de fraldas geriátricas com oito unidades custa R$ 22, ou seja, R$ 2,75 por fralda. Em relação ao forxiga, o custo da caixa com 30 comprimidos é de R$ 190, ou seja, R$ 6,33 por comprimido.
Ao Comprova, Hebert Freire, professor do Sindicato do Comércio Varejista de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sincofarma-SP) para o assunto Farmácia Popular, explicou os possíveis impactos da mudança. Ele também é fundador de uma empresa privada que há mais de 20 anos presta serviços às farmácias independentes com estratégias para o Programa Farmácia Popular.
Um ponto central, destaca ele, é o fim do copagamento. A queixa feita no vídeo é que, com o copagamento, o governo pagava o valor de referência e o público custeava a diferença. O teto que essa diferença poderia alcançar era o Preço Máximo ao Consumidor (PMC), valor máximo autorizado para farmácias e drogarias. Ele é definido pela Câmara de Regulação de Medicamentos (CMED), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A lista de preços máximos permitidos para a venda de medicamentos é disponibilizada para consulta dos consumidores e é atualizada mensalmente.
Segundo Hebert, o pagamento dessa diferença por parte do público gerava uma chance de lucro que foi abolida no atual modelo, já que agora não é possível cobrar do público nenhuma proporção do valor. "A farmácia podia cobrar do paciente a diferença entre o que o governo pagava e o que ela queria cobrar. Baseado nisso, existia uma margem que dava subsistência à operação de venda pelo convênio. Sendo proibida a cobrança, a drogaria tem que receber exclusivamente o que o governo quer pagar", diz.
Ele ressalta que isso afeta de modo distinto as grandes redes e os pequenos estabelecimentos, tendo em vista que as redes têm maior poder de barganha e negociação junto aos fabricantes de medicamentos, diferentemente das farmácias menores e em locais mais afastados de grandes centros. "As grandes redes, por questão de volume de compra, conseguem junto aos fornecedores preços compatíveis com a compra e as farmácias pequenas não têm desconto suficiente para poder pagar", completa.
Um exemplo dado por ele é justamente o forxiga, utilizado no tratamento da diabetes associada à doença cardiovascular e mencionado pela mulher no vídeo verificado pelo Comprova. De acordo com ele, mesmo com o Governo repassando R$ 118,50 para a aquisição de uma caixa de 30 comprimidos, na prática, para comprar o forxiga "os donos de farmácia pagam ao fabricante entre R$ 140 e R$ 160".
Isso porque, segundo ele, o forxiga é uma marca fabricada por um único laboratório e esse laboratório estabelece o preço que quiser, desde que respeite os limites impostos pela CMED. "A farmácia compra dele e não existe um fornecedor que venda mais barato que isso. Como que a drogaria vai pagar R$ 150 e vender por R$ 118?", questiona.
Conforme painel da Anvisa, o teto de preço pelo qual um laboratório ou distribuidor pode comercializar uma caixa com 30 comprimidos do forxiga, da Astrazeneca, no Estado de São Paulo (onde fica localizada a farmácia do vídeo verificado pelo Comprova) é de R$ 167,07, considerando alíquota de 18% de ICMS. Existe ainda o preço máximo para a dapagliflozina propanodiol, versão genérica, que é de R$ 101,17, considerando que a alíquota é 12% de ICMS para genéricos no Estado em questão.
O Comprova entrou em contato com a Medley, farmacêutica que comercializa o medicamento na versão genérica com base no mesmo princípio ativo. A empresa informou que o preço de fábrica regulado pela CMED é de R$ 109,91, considerando uma alíquota de 19% de ICMS, o que pode variar por estado.
Hebert destaca que o prejuízo para as farmácias ocorre sobretudo com marcas que têm apenas um laboratório. Quando o produto é fabricado por vários laboratórios e existe competição a capacidade de negociação das farmácias é maior. Portanto, o impacto gerado pela decisão do governo, nesse caso, é fruto da própria dinâmica do mercado.
Outros medicamentos, como losartana, captopril, enalapril e o timolol, que integram a lista do Farmácia Popular, são fabricados por um leque maior de empresas. Por isso, há possibilidade de redução nos valores de venda às farmácias, que conseguem ter lucro ou ao menos não ter prejuízo. Nesse caso, acrescenta Herbert, algumas farmácias optam por não trabalhar com todos os 41 itens da lista, mas apenas os que seriam “viáveis financeiramente”.
O Comprova também entrou em contato com a Associação Brasileira de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) — que representa as 29 maiores empresas do setor no país. Em nota, o CEO da Abrafarma, Sérgio Mena Barreto, disse que "o programa já vinha caminhando para a insustentabilidade em muitos locais. Mas com as últimas mudanças, especialmente envolvendo a extinção do modelo de copagamento, o Farmácia Popular pode ficar inviável economicamente para muitos estabelecimentos".
Governo atualizou os valores
Vale destacar que esses índices podem variar conforme cada estado da federação. No caso das fraldas geriátricas (mencionadas no vídeo em questão), o repasse passou de R$ 0,71 (a unidade) para R$ 2,43. O aumento vale para todos os estados e estaria "alinhado aos preços praticados no mercado", segundo o ministério.
Em relação à dapagliflozina, o repasse por comprimido aumentou de R$ 2,88 para R$ 3,95 (em todos os estados). Sobre o medicamento, o governo federal destacou que "houve ampla negociação com o laboratório responsável para garantir preços viáveis à comercialização, assegurando a sustentabilidade da ação".
Hebert explica que no caso das fraldas geriátricas, por não serem medicamentos, a lógica de custeio e venda é diferente. "É um produto de venda livre. O medicamento no Brasil é um produto de preço controlado. Você pode comprar fralda geriátrica por R$ 10 ou por R$ 1 mil. A drogaria que coloca o preço dela", reforça.
Sobre outros dois medicamentos que a mulher cita no vídeo, o Ministério da Saúde explicou que o propranolol está presente no programa desde sua criação, em 2006, e já é gratuito desde 2011, com repasse de até R$ 0,08 por comprimido. Em relação à espironolactona, a pasta esclareceu que ela foi incluída no programa em 2022 e agora é gratuita, com repasse de até R$ 0,29 por comprimido.
A pasta ainda destacou que cada farmácia credenciada deve buscar seus fornecedores para verificar atualizações e obter as melhores condições de negociação, sendo que os gestores das unidades podem entrar em contato com as representações no comitê de acompanhamento do Programa Farmácia Popular do Brasil.
Funcionamento do programa
Conforme informações do Ministério da Saúde, o programa contempla 12 indicações, incluindo tratamentos para hipertensão, diabetes, asma, osteoporose, dislipidemia (colesterol alto), rinite, doença de Parkinson, glaucoma, diabetes mellitus associada a doenças cardiovasculares e anticoncepção. Além disso, disponibiliza fraldas geriátricas para pessoas com incontinência e absorventes higiênicos para beneficiárias do Programa Dignidade Menstrual.
Para operar, o governo estabelece valores de referência a serem pagos no Farmácia Popular. Esse valor é o montante que o governo aponta – mediante publicação de portaria – que pagará por cada unidade de medicamento ou item (no caso das fraldas geriátricas) incluídas no programa.
Em relação a isso, Hebert Freire destaca que: "o governo arbitrou o valor referência. O governo viu que a média do mercado era essa e estabeleceu esse valor. Como ele chegou a esse número? Não existe uma explicação pública. O governo fala que tem uma fórmula, mas ela não é transparente, nem divulgada".
Questionado sobre como esses valores são estabelecidos, o Ministério da Saúde informou ao Comprova que utiliza uma metodologia baseada no relatório anual de comercialização da CMED, órgão regulador interministerial criado em 2003, e dentre outras ações, estabelece limites para preços de medicamentos no Brasil.
O processo de instituição dos valores de referência, disse a pasta sem detalhar, leva em consideração, dentre outras informações, as diferentes alíquotas de ICMS.
A última atualização dos valores de referência, comunicou a pasta, foi realizada em 2024, quando houve a migração de 10 medicamentos do elenco do copagamento para o elenco da gratuidade. O Ministério destacou ainda que essa alteração dos valores de referência ocorreu somente para os medicamentos para os quais foi identificada a necessidade de ajuste, com base no relatório da CMED.
Farmácias credenciadas
Conforme dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, os números de farmácias credenciadas no programa são os seguintes:
2022: 30.903
2023: 31.073
2024: 31.170
2025: 31.136
Por que o Comprova contextualizou esse assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar: O Comprova já mostrou que é enganosa a informação de que o Ministério da Saúde tenha comprado uma vacina contra a covid-19 que foi banida em outros países e desmentiu um post que traz desinformação sobre o imunizante contra o HPV.
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