Procurador-geral da República, Paulo GonetReprodução/redes sociais

O procurador-geral da República(PGR), Paulo Gonet, foi o primeiro a apresentar seus argumentos aos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 22, no julgamento que vai definir se os denunciados do núcleo dois ou "núcleo de gerência" do plano de golpe serão colocados no banco dos réus.

Neste grupo, estão seis denunciados que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), tinham "posições profissionais relevantes" no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e "gerenciaram as ações" golpistas.

Veja quem foi denunciado no "núcleo de gerência" do plano de golpe:

- Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal (PRF);

- Marília Ferreira de Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública;

- Fernando de Sousa Oliveira, ex-diretor de Operações do Ministério da Justiça e Segurança Pública;

- Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência;

- Coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro;

- General Mário Fernandes, ex-secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência.

As defesas têm a prerrogativa de falar por último na tribuna. Por isso, foi o procurador-geral quem iniciou as considerações sobre o caso, após a leitura do relatório pelo ministro Alexandre de Moraes. Gonet defendeu que a denúncia seja recebida contra todos os acusados, assim como foi feito em relação aos denunciados no "núcleo crucial" do golpe.

"Os denunciados ocupavam posições profissionais relevantes ao tempo do desenvolvimento do processo de abolição violenta do estado democrático de direito e de deposição do governo legitimamente constituído. Cada qual gerenciou ações da organização criminosa", acusou Gonet.

Diante dos ministros, o procurador-geral afirmou que Silvinei Vasques, Marília Alencar e Fernando de Sousa Oliveira "coordenaram o emprego de forças policiais para sustentar a permanência ilegítima de Jair Messias Bolsonaro no poder".

Mário Fernandes foi acusado de coordenar "ações de monitoramento e neutralização violenta de autoridades públicas", em conjunto com Marcelo Câmara, e de fazer a interlocução com lideranças populares ligadas aos atos golpistas do 8 de Janeiro de 2023.

Filipe Martins foi apontado por Gonet como responsável pelo projeto de decreto que implementaria "medidas excepcionais" do golpe.

"A acusação descreve comportamento justificador da denúncia. É quanto basta agora para o seu recebimento", acrescentou Gonet.

Os ministros da Primeira Turma do STF vão decidir se há elementos suficientes para receber a denúncia - o que se chama no jargão jurídico de "justa causa da ação penal". A votação está prevista para começar após as sustentações orais dos advogados.
Defesas
Os advogados dos seis denunciados têm 15 minutos cada para tentar convencer a Primeira Turma do STF a rejeitar a denúncia da PGR. 

O contexto é desfavorável. No mês passado, os ministros desmontaram argumentos das defesas do "núcleo crucial" do golpe e receberam as acusações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete acusados. A decisão foi unânime.

Boa parte dos argumentos e objeções rejeitados pela Primeira Turma do STF no primeiro julgamento é semelhante aos que foram apresentados pelos acusados do núcleo dois em suas defesas prévias - alegações escritas enviadas com antecedência aos ministros para tentar convencê-los a rejeitar a denúncia.

Na tribuna, os advogados procuraram apontar especificidades em relação aos seus clientes em uma tentativa de diferenciar os núcleos da denúncia e, com isso, conseguir um desfecho diferente A tendência, no entanto, é que a acusação seja recebida.

As defesas também buscaram exaltar os currículos e trajetórias profissionais dos denunciados.

Veja os argumentos de todas as defesas:

- Fernando de Sousa Oliveira

Delegado de Polícia Federal, Fernando de Sousa Oliveira foi diretor de Operações do Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo Jair Bolsonaro. A PGR afirma que ele participou da operação para direcionar o trabalho da Polícia Rodoviária Federal (PRF) contra eleitores de Lula. Segundo a denúncia, houve uma "intensa coordenação de estratégias para interferência no pleito".

No 8 de janeiro de 2023, Oliveira era secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, o número dois da pasta, então chefiada por Anderson Torres. Ele também é acusado de ter se omitido deliberadamente para permitir das manifestações na Praça dos Três Poderes.

O advogado Danilo Davi Ribeiro afirma que Oliveira foi colocado no "olho do furacão" - ele assumiu o cargo quatro dias antes de os bolsonaristas radicais invadirem a Praça dos Três Poderes. A defesa também alega que ele tomou todas as medidas possíveis para "defender o Distrito Federal". "Não houve omissão no dia 8 de Janeiro."

- Filipe Martins

A PGR imputa a Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, a confecção de uma das minutas de decreto que teriam circulado no núcleo duro do golpe. Em delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid disse que Bolsonaro recebeu do então assessor um rascunho de decreto, que previa a prisão de autoridades e a convocação de novas eleições.

Os advogados Marcelo Almeida Sant’anna e Sebastião Coelho de Silva, que representam Filipe Martins, negaram que ele tenha elaborado ou apresentado a Bolsonaro qualquer minuta de caráter golpista.

A defesa destacou que ele não é advogado e, por isso, não teria conhecimento para dar suporte jurídico a um suposto plano de golpe, como acusa a PGR.

"Aquele processo de crucificação que Jesus sofreu, Filipe Martins está sofrendo desde 8 de fevereiro de 2024, mas ele tem que acabar hoje", defendeu Sebastião Coelho. "Não há justa causa para o recebimento desta denúncia."

- Marcelo Costa Câmara

O coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi acusado de monitorar ministro Alexandre de Moraes em meio às articulações para o golpe após a derrota nas eleições de 2022. O objetivo, segundo a denúncia, era prender o ministro e anular o resultado da votação. Moraes ganhou até um codinome, era tratado como "professora". Seus passos eram acompanhados de perto pelo entorno do ex-presidente.

O advogado Eduardo Kuntz, que representa Marcelo Câmara, afirmou que o coronel fez um "controle de agendas" do ministro e negou que o monitoramento tivesse motivação violenta.

O criminalista também questionou a competência do STF para processar e julgar o caso. Kuntz alega que os acusados não têm foro por prerrogativa de função e, por isso, o processo deveria tramitar na primeira instância.

Os ministros do Supremo Tribunal Federal ampliaram o alcance do foro privilegiado e expandiram a competência da Corte para julgar autoridades e políticos. O tribunal definiu que, quando se tratar de crimes funcionais, o foro deve ser mantido, mesmo após a saída do cargo, o que atraiu o inquérito do golpe ao STF, mesmo após o fim do governo Bolsonaro.

Eduardo Kuntz afirmou ainda que a PGR não individualizou as acusações, ou seja, não apontou a participação de cada denunciado no plano de golpe. "Não existe a descrição como, quando, aonde e de que forma. Existe referência, mas não menção expressa."

- Marília Ferreira de Alencar

Delegada de Polícia Federal, Marília Ferreira de Alencar foi diretora de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Partiu dela a ordem para que analistas produzissem um relatório com informações sobre os locais em que o presidente Lula teve mais votos no primeiro turno. Segundo a Procuradoria-Geral da República, o objetivo foi usar os dados para direcionar as operações da PRF contra eleitores petistas.

Mensagens obtidas na investigação reforçam a denúncia. "Temos que pensar na ofensiva quanto a essas pesquisas", escreveu a delegada em um grupo de WhatsApp. Em outra conversa, ela afirma: "Belford Roxo o prefeito é vermelho, precisa reforçar pf". Marília também escreve que "Pelotas foi 52x36 pro Lula. 202 mil habitantes. Cara os caras tem que rodar essas bases. POA também foda. 49x39 pro Lula."

O advogado Eugênio José Guilherme de Aragão afirmou que o relatório foi elaborado para identificar regiões onde poderiam ocorrer "confrontos" entre eleitores.

No 8 de janeiro de 2023, a delegada era subsecretária de Inteligência do Distrito Federal. Ela também foi acusada de "omissões foram cruciais para a consumação" dos atos golpistas.

A defesa afirma que a delegada "tomou todas as providências que estavam ao seu alcance" para evitar os atos golpistas na Praça dos Três Poderes. O advogado também afirmou que "ter preferência política não é crime".