A Primeira Turma entendeu que Bolsonaro é culpado em todos os cinco crimes imputados a ele pela Procuradoria-Geral da RepúblicaAFP
Isolado na Primeira Turma, Fux falou horas a fio sozinho. Não permitiu intervenções dos colegas enquanto lia quase integralmente um voto com 429 páginas. Por isso, nesta quinta, Cármen Lúcia aproveitou para fazer o que não teve a oportunidade: rebater uma série de argumentos defendidos unilateralmente pelo ministro.
A ministra enquadrou o ex-presidente como líder de uma organização criminosa armada que agiu para dar um golpe após a derrota nas eleições de 2022. Com isso, se opõe diretamente a Fux, que votou para condenar o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de Ordens de Bolsonaro, mas poupou o ex-presidente, que era chefe dele.
Além do ex-presidente, respondem ao processo Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI), Alexandre Ramagem (deputado federal e ex-diretor da Abin), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Mauro Cid (ex-ajudante de ordens de Bolsonaro).
Cármen Lúcia abriu mão da leitura integral de um voto de 396 páginas. Preferiu destacar alguns pontos em falas espontâneas. Abordou um dos pontos mais caros para ela - que acumula a função de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) -, a segurança das urnas e a higidez do processo eleitoral. Segundo a ministra, Bolsonaro e seus aliados tentaram "atingir e sequestrar a alma da república, impedindo a validade do processo eleitoral".
"A tentativa de desmoralizar o processo eleitoral é isso: uma tentativa que veio marcada de combalir mais e mais o Poder Judiciário", concluiu Cármen Lúcia.
"As provas dos autos permitem concluir que os acusados objetivaram romper o Estado Democrático de Direito, valendo-se deliberadamente de concitação expressa a um desejado uso do poder das Força Armadas.", afirmou.
Segundo o PGR, Bolsonaro implementou um plano progressivo e sistemático de ataque às instituições democráticas, com o objetivo de prejudicar a alternância legítima de poder nas eleições de 2022. Penas para crimes atribuídos a Bolsonaro podem chegar a 43 anos de prisão. Pesam contra os acusados a suposta participação na elaboração do plano "Punhal Verde e Amarelo", com planejamento voltado ao sequestro e assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB).
A eventual prisão dos réus que forem condenados não vai ocorrer de forma automática. Somente após a análise dos recursos contra a condenação, a prisão será efetivada.
Moraes listou 13 episódios que demonstrariam o caráter golpista da organização, incluindo a live de novembro de 2022, a carta ao comandante das Forças Armadas, os atos violentos durante a diplomação, a tentativa de explosão no aeroporto de Brasília e a “reunião golpista” de julho de 2022, com Braga Netto, Anderson Torres e generais.
Ele citou ainda a caderneta de anotações de Augusto Heleno com diretrizes golpistas e a Operação Punhal Verde e Amarelo, que previa o assassinato de Lula, Alckmin e do próprio Moraes. Para o ministro, não é crível que o general Mário Fernandes tenha elaborado o plano sem conhecimento de Bolsonaro, com quem se reuniu no mesmo dia em que o documento foi impresso.
Moraes também destacou articulações internacionais, como o encontro com embaixadores e diálogos envolvendo Donald Trump, classificando-os como “entreguismo nacional”. Reforçou que o financiamento do plano veio de empresários do agronegócio, segundo Mauro Cid.
Para o ministro, o Brasil quase voltou à ditadura porque um grupo político “não sabe perder eleições”. “Quem perde, vira oposição. Não tenta se manter com bombas, ameaças, deslegitimação do Judiciário e depredação da sede dos Três Poderes. Isso não é democracia, isso não é Estado Democrático de Direito”, concluiu.
O ex-diretor da Abin e deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) foi condenado apenas por três crimes, ficando de fora os relacionados ao patrimônio da União por ser parlamentar. Dino afirmou que houve atos executórios e não mera cogitação.
O ministro antecipou que proporá penas maiores para Jair Bolsonaro e o general Braga Netto, apontados como líderes. Já para Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio, defendeu penas menores por participação de menor importância. Sobre Bolsonaro, destacou que era uma “figura dominante” na organização criminosa e responsável por ameaças a ministros do STF.
Dino ressaltou que os crimes não podem ser anistiados, citando precedentes do Supremo, e disse que “agressões e ameaças de governos estrangeiros” não interferem no julgamento. Reforçou que a Corte não julga as Forças Armadas, mas militares individualmente, e negou motivação política: “É um julgamento como outro qualquer, segundo o devido processo legal, fatos e provas nos autos”.
Fux reconheceu a existência de provas, mas apontou cerceamento de defesa diante do “tsunami de dados” entregue às defesas de forma tardia. Comparou o prazo do processo ao do mensalão e considerou insuficiente o tempo para análise do material.
O ministro votou pela absolvição de Jair Bolsonaro em todos os crimes, afirmando que não há provas de sua ciência sobre o “Plano Punhal Verde e Amarelo”, nem de vínculo com os atos de 8 de janeiro ou uso irregular da Abin. Classificou as acusações como “meras cogitações” e destacou que questionamentos sobre urnas não configuram crime.
Ele, porém, validou a delação de Mauro Cid, que considerou colaborador efetivo, e votou por sua condenação apenas por tentativa de abolição do Estado de Direito, absolvendo-o de organização criminosa e outros delitos.
Fux também votou pela suspensão da ação contra Alexandre Ramagem e pela absolvição de Almir Garnier, Anderson Torres, Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, alegando fragilidade das provas e ausência de atos concretos para caracterizar crimes.
Antes de iniciar a análise de mérito, a ministra rejeitou todas as questões preliminares apresentadas pelas defesas, que alegavam desde a incompetência do STF para julgar o caso até a suposta parcialidade do relator Alexandre de Moraes. Com isso, formou-se maioria também pela rejeição das preliminares, restando vencido o ministro Luiz Fux, que havia sustentado a nulidade do processo.
Em seu voto, Cármen Lúcia destacou que a Procuradoria-Geral da República apresentou provas de que o grupo liderado por Bolsonaro, composto por figuras-chave do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, organizou e executou um plano sistemático de ataques às instituições democráticas. Segundo a ministra, os réus recorreram ao mesmo “modus operandi das milícias digitais” para difundir ataques ao Judiciário, em especial à Justiça Eleitoral e às urnas eletrônicas.
A ministra afirmou que os ataques não foram atos isolados, mas parte de uma empreitada criminosa que buscava “sequestrar a alma da República” ao desmoralizar o processo eleitoral. Para ela, a tentativa de desacreditar as urnas eletrônicas e plantar desconfiança sobre a lisura das eleições foi um movimento articulado para fragilizar o Judiciário e minar a confiança popular nas instituições.
Cármen Lúcia também se contrapôs a Luiz Fux, que havia rejeitado a tipificação de organização criminosa. Para a ministra, ficou claro que houve uma associação estável e coordenada com o objetivo de atacar a democracia. “No caso de organização criminosa que buscava o poder, que queria atingir e sequestrar a alma da República, isso é muito mais grave”, afirmou.






Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.