Manifestação Rio de Janeiro nas ruas contra a PEC da blindagem e a PEC da anistia orla de Copacabana, na Zona Sul do Rio de Janeiro posto 5 Foto: Érica Martin/Agência O DiaErica Martin/Agencia O Dia
Comprova Explica: A Lei da Anistia de 1979, que concedeu liberdade a presos políticos e pessoas exiladas que se opunham ao regime militar, tem sido alvo de discussões nas redes sociais. Isso porque bolsonaristas têm se baseado nela para pedir que sejam anuladas as condenações dos envolvidos nos ataques golpistas às sedes dos Três Poderes em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, bem como de Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados na trama golpista.
Inclusive, o Projeto de Lei 2162/23, que concede o perdão aos participantes de manifestações reivindicatórias de motivação política desde o dia 30 de outubro de 2022, foi aprovado em regime de urgência pela Câmara dos Deputados no último dia 17.
Apesar da corrida para isentar os condenados pelos atos, a cientista política e coordenadora do Curso de Graduação em Sociologia e Política da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Tathiana Chicarino, aponta que as comparações são equivocadas.
Em 1979, o país passava por uma ditadura, que cassou direitos políticos dos cidadãos e promoveu repressão contra aqueles que se mostravam contra o regime.
“Você não tinha um amplo exercício de cidadania. Portanto, direitos, cidadanias gerais, direitos civis, direitos políticos, direitos sociais também, mas nesse caso, mais especificamente, direitos civis e direitos políticos, eles não são tratados em sua completude. Em alguns momentos, eles são completamente eliminados, como por exemplo, a nossa possibilidade de votar”, opinou.
O que não é o caso atual. Em 2022, o pleito ocorreu normalmente, com a eleição de presidente, governadores, senadores e deputados estaduais e federais.
“Embora tenha havido eleições durante a ditadura, ela não tinha eleição para a presidência da República, então o Figueiredo não tinha legitimidade como presidente nesse caso, porque a gente está falando em contexto de ditadura. Isso precisa ficar muito claro para a gente não ter comparações equivocadas do contexto que a gente tem hoje, que estamos em democracia”, pondera a especialista.
Ainda de acordo com o advogado civilista Vitor Moya, é um equívoco comparar a Anistia de 1979 com a do projeto de lei de agora, já que a da época da ditadura foi criada num contexto de redemocratização do Brasil e serviu para reparar, mesmo que de forma limitada, as injustiças sofridas pelos perseguidos políticos.
“Sendo assim, o Estado brasileiro reconheceu [naquela época] que essas pessoas sofreram uma injustiça histórica. A anistia, para as pessoas que sofreram essa repressão abusiva, foi um ato de reparação: devolver direitos, reintegrar servidores, pagar indenizações, dar pensão às famílias de quem foi morto ou ficou inválido”, reforça.
Os Anos de Chumbo
Com a intensificação das perseguições e o aumento de presos e exilados políticos, setores da sociedade civil se mobilizaram para promover uma lei de anistia. Em 1975, foi criado o Movimento Feminino pela Anistia, sob liderança de Therezinha Zerbini, e em 1978, o Comitê Brasileiro pela Anistia, com representação em diversos estados e em outros países, reivindicando uma anistia “ampla, geral e irrestrita”, de acordo com o relatório final do Comitê da Verdade.
“Quando a gente fala da movimentação da sociedade civil, temos uma série de opositores do regime militar que são exilados e há uma campanha para a volta desses exilados. Essa campanha vai ser muito forte. Então, a anistia inicialmente é pensada para que esses exilados, essas pessoas que tiveram que sair do seu país por conta de um regime autoritário, possam retornar”, explica Tathiana.
Composição do Congresso na época
O segundo, no entanto, era alvo de forte vigilância do regime. “Quando aconteceu esse processo de transição, os militares tentaram controlar o tempo todo a formação dos governos e da oposição”, diz Tathiana.
Tathiana ainda destaca o papel do MDB na aprovação da Anistia, embora a proposta tenha vindo originalmente da sociedade civil. “O MDB é o único partido existente em 1979 que traz essa discussão também. No entanto, a configuração de forças no Congresso não é a mesma de hoje. [Na época,] você tinha um controle e, dependendo do contexto, o fechamento dele. Então, fecha Congresso, caça parlamentar”, pondera.
Aprovação da lei
- A pessoas que cometeram crimes políticos ou conexo com estes
- A pessoas que cometeram crimes eleitorais
- Aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta
- De fundações vinculadas ao poder público
- Aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares
Contextos diferentes
“Foi uma ação coordenada por lideranças políticas derrotadas na eleição, para derrubar um governo eleito democraticamente e impedir o funcionamento das instituições (Congresso, STF, Presidência). Pessoas e lideranças participaram de invasões, depredações e incitação contra a ordem democrática. E agora, algumas delas pedem ‘anistia’ para não responderem criminalmente”, destaca.
Para ele, confundir esses dois contextos é desrespeitar a memória das vítimas da ditadura e enfraquecer a democracia.
Fontes consultadas: Senado, o advogado civilista Vitor Moya e a cientista política Tathiana Chicarino.
Por que o Comprova explicou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está gerando muitas dúvidas e desinformação, o Comprova Explica. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: O debate sobre as condenações dos envolvidos nos atentados do dia 8 de janeiro de 2023 se tornou alvo de desinformação nas redes sociais. O Comprova já explicou que a cabeleireira que pichou estátua da Justiça é acusada de cinco crimes, não só de vandalismo, e que pipoqueiro e sorveteiro não estavam trabalhando quando foram presos em frente ao QG do Exército.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.