Na dúvida entre seguir ou não, ainda prefiro o compartilhamento de ideias e experiênciasArte: Paulo Márcio
Sempre à procura
Hoje, me incomoda o fato de termos trocado o diálogo para simplesmente seguirmos coordenadas virtuais. Afinal, prefiro acompanhar pessoas a robôs. E espero que seja sempre assim.
De relance, vi o bloquinho de anotações, encadernado com espiral, na prateleira de uma papelaria muito antiga de Caxias. Bati o olho e logo fui atraída pela capa, onde estava desenhado um boneco com os seguintes dizeres: "Não me siga, estou perdido!". A imagem coincidiu com uma reflexão que eu vinha fazendo há algum tempo. Em determinado momento, passei a achar curioso o fato de sermos e termos seguidores em uma rede social. Fiquei pensando que isso pode dar a ideia de que acompanhamos os passos de alguém sem pensarmos em divergir.
Talvez o ideal seria se fôssemos chamados de compartilhadores. De experiências e reflexões. Aliás, acredito que realmente possa existir essa troca em uma rede social quando não somos movidos apenas pela curiosidade pelo mundo do outro. Algo bem diferente dos haters, que discordam movidos pelo ódio, razão que nos afasta de um bate-papo saudável. Seja ele virtual ou ao vivo.
Passeando por esses pensamentos, me lembrei de um episódio que aconteceu no meu início de carreira como repórter esportiva, há mais de 20 anos. Eu estava em uma pauta na rua, acompanhada de um fotógrafo que, já naquela época, era uma referência na profissão. Em determinado momento, percebi que os demais profissionais haviam se posicionado de um lado diferente do dele para fotografar. "Olha, estão todos ali!", comentei. E ele me respondeu, com um sorriso: "É por isso que eu vou ficar aqui mesmo". Ali, naquele momento, ele me revelava o segredo do seu sucesso com cliques únicos: há situações em que não seguir a maioria é o que nos garante algo inédito na vida.
Curiosamente, também me recordo de já ter ficado bem chateada ao pedir orientações para conhecidos sobre determinados endereços. De volta, recebia como resposta que eu poderia achar o caminho em um desses aplicativos de mapas. Como memória afetiva, lembro que a minha mãe sempre recorria a algum comerciante quando estava na rua e queria saber como chegar ao seu destino. Hoje, me incomoda o fato de termos trocado o diálogo para simplesmente seguirmos coordenadas virtuais. Afinal, prefiro acompanhar pessoas a robôs. E espero que seja sempre assim.
Por outro lado, é claro que chegamos ao mundo precisando de coordenadas. Fazemos isso desde que nascemos e levamos essa necessidade pela vida afora. Em relação àquela matéria no início de carreira, por exemplo, eu seguia de certa forma os passos do fotógrafo, muito mais experiente do que eu.
Mas aprendi que chega um momento da vida em que não encontramos uma trilha de pegadas a ser seguida em busca de um destino seguro. Sentir-se perdido durante a jornada pode ser natural. E talvez não adiante de nada ir atrás do percurso de alguém que carrega uma bagagem diferente da nossa. Na dúvida entre seguir ou não, ainda prefiro o compartilhamento de ideias e experiências. E até mudaria a capa do bloquinho: "Não me siga. Estou sempre à minha procura!".
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