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Quando eu morava no interior de Minas Gerais e passava todas as férias na roça, uma das maiores alegrias era tocar o gado pelas estradas. Ao chegar perto de um riacho, notava que o cavalo sempre começava a galopar para chegar logo na água. Eu achava que era a sede que dava o impulso da corrida. Um dia, meu velho pai, boiadeiro experiente, ensinou-me: "Filho, ele corre para ser o primeiro a chegar na água, quem chega primeiro bebe água limpa". E a vida foi me mostrando que essa é uma máxima que funciona em várias ocasiões.
Recentemente, algumas pessoas que viviam no entorno dos bolsonaristas me procuraram. Recebi recados de que alguns sentem forte impulsão de falar e entregar os incontáveis crimes que presenciaram. Sempre me neguei a conversar, pois nunca trabalhei com delação.
A Operação Lava Jato, coordenada pelo ex-juiz Sérgio Moro e seus procuradores adestrados, estuprou o instituto da colaboração premiada. Inverteram toda a lógica dos acordos no processo penal e usaram a prisão como maneira de constranger as pessoas, praticamente obrigando-as a delatar. Uma verdadeira tortura institucionalizada. Um crime. Uma covardia sob a proteção do Estado.
Há um tempo, fui abordado pelo ex-deputado Tony Garcia, que relatou ter muito a entregar sobre o que sofreu com o ex-magistrado Sérgio Moro e os membros da força-tarefa. Mais uma vez, não quis atendê-lo. Mandei uma mensagem no sentido de que, se ele tivesse provas, deveria levar adiante, pois prestaria um serviço à nação. Passei a acompanhar, de longe, a movimentação do empresário e ex-parlamentar. O que tem surgido de evidências é estarrecedor. Eu julguei que já havia visto tudo em 42 anos de advocacia e em nove anos de Operação Lava Jato. Mas o bando de Curitiba sempre tem a capacidade de nos surpreender.
A excelente jornalista Daniela Lima trouxe à tona uma história que seria cômica, se não fosse trágica. Ela teve acesso a documentos que foram apresentados ao ministro Dias Toffoli, no Supremo Tribunal, nos quais constam que Moro teria enumerado 30 tarefas a Tony Garcia como requisito para que o empresário tivesse aceito um acordo de delação premiada. Até o presente momento, isso estava em sigilo. É algo teratológico! Talvez, quem não tenha formação jurídica tenha dificuldade de entender o escândalo que está aflorando. Com provas. É a mais completa inversão do que se pode imaginar em uma delação. Um escárnio, um escândalo.
O acordo, firmado em 2004, numa investigação anterior à Lava Jato, teve o sigilo revogado pelo juiz Eduardo Appio, o que pode ser um dos motivos do estranho, injurídico e imoral afastamento sumário do magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba, por ordem do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. O medo de aparecerem verdades ocultas parece ter movido montanhas na Justiça Federal de Curitiba e no Tribunal Federal.
O ex-deputado Tony Garcia relata que foi usado como agente infiltrado de Sérgio Moro. Disse que vivia com a faca no pescoço e que agia na ilegalidade por ordem do então juiz. Na versão documentada pelo então delator, Moro investigava ilegalmente, sem competência para tal, desembargadores, juízes e ministros do Superior Tribunal de Justiça, inclusive usando grampos não autorizados. Menciona, ainda, que existem muitos documentos no depósito da 13ª Vara Federal de Curitiba que provariam as missões ilegais e outras falcatruas.
A mesma Vara que foi ocupada por Eduardo Appio. Talvez agora se entenda mais sobre o seu afastamento sumário, em clara afronta à ampla defesa e ao contraditório. O juiz estava abrindo os porões da 13ª Vara e os esqueletos começaram uma dança macabra que poderia atingir muitos poderosos.
O enredo é assustador, passa por chantagem, cuecas em festas, vídeos constrangedores, grampos ilegais, escolha criminosa de alvos e direcionamento de acusações. Enfim, um show de horrores. É de conhecimento geral, de quem acompanhou a Lava Jato, que existem ainda muitas gravações na 13ª Vara Federal de Curitiba cujos sigilos não foram levantados. O então juiz titular, Dr. Appio, ousou começar a colocar luz na podridão e na escuridão. Foi logo afastado, sumariamente. Já passa da hora de retorná-lo à 13ª Vara e esperar que a luz do sol entre forte e exponha o que teimam em manter escondido.
No desespero, o ex-juiz Moro, agora, ataca a imprensa que o criou e fez dele um semideus. Insulta o seu ex-companheiro de jornada, o delator, e esbraveja que os fatos são de 2004 e 2005, quase 20 anos atrás - talvez insinuando que seus crimes estariam prescritos -, mas não consegue enfrentar as provas apresentadas. É bom que esses fatos sejam levados a uma investigação séria e aprofundada. O Supremo já decidiu que essa turma corrompeu o sistema de Justiça. É hora de responsabilizar quem instrumentalizou o Judiciário e o Ministério Público Federal.
E, para aqueles que me procuraram sobre os desatinos bolsonaristas, eu continuo sem atendê-los, mas lembro a todos que quem chega primeiro bebe água limpa e, pelo visto, vem uma boiada por aí. Como nos ensinou o mestre Mário Quintana: "O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente".
Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay