“Se eu apagasse a fina linha do horizonte será que o céu cairia no mar? E as estrelas e a lua começariam a navegar? Ou será que o mar viraria céu e os peixes apreenderiam a voar?” Roseana Murray
Meu velho e querido amigo Presidente Sarney tem uma resposta na ponta da língua quando alguém, inadvertidamente, comenta sobre seus 94 anos: “a outra opção é bem pior”. Viver é uma arte e, muitas vezes, somos submetidos a momentos de profunda provação. Penso, com carinho, na noite em que acordei depois de um grave acidente.
Amarrado em uma cama e com a cabeça enrolada em um capacete de gazes. Achei que tinha morrido. Ninguém sabe como é a morte e, naquele momento, com a lembrança do acidente e do barulho enorme, julguei que era chegada a indesejável das horas.
Quando ouvi uma voz conhecida bem baixinha, ao fundo, percebi que tinha escapado. Na hora, quis saber como eu realmente estava. O que tinha perdido e pelo que teria que lutar. Primeiro, perguntei pelos “países baixos”. A certeza de estar bem foi tranquilizadora. Depois, quis saber da gravidade e a resposta foi seca: “você está cego de um olho e precisamos de 3 dias para avaliar seu risco de morte”. A partir daí, foi resistir e viver.
Fiz 13 cirurgias no olho, até em Moscou, e os tais 500 pontos no rosto propiciaram muitas histórias. Terminei meu curso na UnB com um olho vendado. O que me possibilitou contar que tinha sido ferido por um tubarão na África do Sul, por uma queda de asa delta e, até, por um amante numa madrugada. Enfim, a vida como ela não é.
Acompanhei, emocionado, a tragédia que se abateu sobre a escritora Roseana Murray. A autora de livros infantis, com 73 anos, foi, covardemente, atacada na porta de sua casa por 3 pitbulls enquanto fazia uma caminhada às 6 horas da manhã. Com a violência da agressão, foi necessário amputar o braço direito e enfrentar lesões no braço esquerdo e no rosto.
A brutalidade dos cães tem que levar à discussão sobre a necessidade imperiosa de se coibir a criação dessa raça. Ela já sofre restrições em cerca de 24 países, como Reino Unido, Espanha, Rússia, Argentina e Itália. Entendo que não são suficientes apenas uma regulamentação e a tentativa de controle. O ideal é a proibição. Basta ver a agressividade com que foi atacada a escritora. É significativa a fala do filho quando foi conversar com ela, ainda em situação gravíssima e com a vida correndo sérios riscos. Ela disse, com a voz bem tênue: “eu quero viver”.
Impressiona ver a sua disposição, a sua alegria até em estar viva. Por mais que só ela saiba das dores que sente e do medo que a acompanha, disse a um programa de televisão que, como escritora, está “se preparando para aprender a ser canhota”. Falou para uma amiga: “Estou aqui, faltando um braço, mas vamos recomeçar de novo”. E agradeceu a equipe médica: “Elas fazem um trabalho de aranhas douradas sobre minha pele. Estou bem”. Anunciou, ainda, que irá fazer um sarau de poesia no hospital e que quer presentear cada um que cuidou dela com um livro que escreveu “autografado com a mão esquerda”. Parece que pensava nela própria ao escrever o poema Pedra Azul:
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