Jaime Mitropoulos, procurador regional dos Direitos do Cidadão do Rio de JaneiroDivulgação
Trabalhando com o tema do racismo religioso há mais de 10 anos, o procurador da República Jaime Mitropoulos foi eleito por seus pares como procurador regional dos Direitos do Cidadão no estado do Rio de Janeiro. Recentemente, o Ministério Público Federal (MPF) contribuiu para que a coleção de objetos de religiões afro-brasileiras apreendidos pela polícia entre 1890 e 1946 mudasse de "Magia negra" para "Nosso sagrado". Em entrevista a O DIA, o mestrando em História Social pela UFRJ fala sobre o enfrentamento ao racismo e à intolerância: "Não se pode ofender e fazer proselitismos destrutivos e ofensivos sem esperar que isso acarrete consequências legais"
O DIA: Qual é o papel da Procuradoria dos Direitos do Cidadão?
Jaime: Em uma democracia, todos deveriam poder exercer a sua religião livremente. Mas, entre 2017 e 2018, a Procuradoria produziu um relatório que constatou a espiral de violência e discursos de ódio enfrentados pelas religiões de matrizes afro-brasileiras. Essas ações levaram à fixação do Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa em lei federal, em 2007, como homenagem à Mãe Gilda, morta após ser vítima de discriminações veiculadas em um jornal ligado a uma igreja neopentecostal em Salvador. Em 2010, o Estatuto da Igualdade Racial reforçou a obrigação do Estado em respeitar e proteger as expressões da religiosidade afro-brasileira, encarregando o MPF de coibir discursos de ódio nos meios de comunicação. Sendo assim, cabe à procuradoria combater todas as formas de prática de racismo, inclusive o religioso.
Como a procuradoria lida com crimes como o racismo religioso e injúria racial por religião?
Além da obrigação de processar os autores dos delitos, o MP também tem o papel de inibir a demonização que visa aniquilar culturas afrocentradas. A procuradoria busca reparações coletivas por danos morais para prevenir a repetição dessas violações. Para isso, a meta é estabelecer abordagens que evitem a revitimização e garantindo que o Estado cumpra seu dever na proteção da dignidade dos cidadãos.
Qual o significado de os crimes de racismo e injúria racial terem se equiparado?
Em termos gerais, o racismo é direcionado a toda uma comunidade, enquanto a injúria é geralmente direcionada a um indivíduo. Na prática, a injúria racial também tem efeitos coletivos, pois afeta a honra de parte da população. Essa questão fica evidente quando, por exemplo, alguém em rede nacional ofende a dignidade de uma pessoa por causa de sua religião. Isso permite trabalhar com a ideia da reparação em nível de dano moral coletivo. Com a equiparação desses dois crimes, essa compensação se torna mais viável, já que agora ambos são considerados imprescritíveis.
Como separar uma opinião de um delito de intolerância?
Se uma opinião atinge a dignidade e a honra de uma pessoa ou de um grupo, é sinal de que o exercício do direito passou dos limites e se transformou em abuso desse direito. Todos que agem dessa forma devem reparar os danos causados e eventualmente responder criminalmente. Não se pode ofender e fazer proselitismos destrutivos e ofensivos sem esperar que isso acarrete consequências legais.
O que representa a mudança de nome da coleção de objetos religiosos apreendidos pela polícia até os anos 1940, de "Magia Negra" para "Nosso Sagrado"?
Essa renomeação é uma forma simbólica de reparar as perdas e traumas históricos da perseguição sistemática às religiões afro-brasileiras na Primeira República e Estado Novo, contexto em que as instituições perseguiam qualquer um com comportamentos considerados desviantes. Temos que ter em mente que a sociedade evoluiu, e agora é necessário aplicar os princípios fundamentais da Constituição para defender os direitos humanos. A mudança do nome só foi possível graças à comunidade, que lutou pelo direito de contar a história a partir do seu ponto de vista, e a participação fundamental do MPF. Olhando para o passado, trabalhando no presente e projetando um futuro mais democrático, a procuradoria vai continuar somando forças com movimentos sociais, comunidades tradicionais e órgãos públicos para promover o respeito à diversidade religiosa, o diálogo intercultural e o combate a todas as formas de racismo.
Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor.