'Nossa maior prioridade é o combate à fome', diz secretária de Desenvolvimento Social

Filha de pais alcoólatras falecidos ainda na sua juventude, Rosângela Gomes sobreviveu a uma tentativa de suicídio aos 13 anos e conseguiu reescrever sua história. Em 2002, entrou para a política como vereadora em Nova Iguaçu e, na Câmara dos Deputados, se tornou a primeira mulher negra a integrar a Mesa Diretora da Casa. Atualmente, como secretária de Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro, é responsável por avaliar políticas públicas em andamento e ajudar quem precisa de atenção especial. Em entrevista a O DIA, ela fala sobre os planos para a sua gestão. "Nosso trabalho é fazer uma cogestão com as secretarias municipais para lidar com a vulnerabilidade social".

Rosângela: Nossa prioridade é o combate direto à fome. Embora a secretaria seja bastante ampla, a recessão na economia tem dificultado o nosso trabalho, principalmente com o aumento do desemprego provocado pela pandemia. Estamos buscando os indicadores e as articulações com municípios e outras organizações, para entregarmos políticas públicas efetivas, como o Restaurante do Povo do RJ e o Café do Trabalhador, que são ações imediatas para atingirmos nosso objetivo.

Hoje, o nosso foco é a unidade da Central. Ela está praticamente pronta, mas aguarda a fase final externa e trâmites na Light, além da licitação para os serviços. O restaurante fica num ponto estratégico, ao lado da Supervia, onde transitam muitas pessoas que dependem do modal para se locomover, e que muitas vezes não têm dinheiro para fazer uma refeição. Eu mesma costumava sair de Nova Iguaçu para o Centro com o dinheiro da passagem contado, e ficava sem café e almoço. Como alguém que veio da periferia e passou por muita fome na vida, sei o quão essencial é termos um equipamento como o Restaurante do Povo, que alimenta muitas pessoas com uma refeição de qualidade. A nossa perspectiva é entregar este ano entre oito e dez restaurantes ao povo fluminense.

Como secretária estadual, nosso trabalho é apoiar e fazer uma cogestão com as secretarias municipais para lidar com o aumento dessa população em vulnerabilidade, que é um problema relacionado à economia travada. Temos um programa para atender 300 famílias vulneráveis pelo Hotel Acolhedor, e agora estamos em processo de abrir mais nove unidades para ampliar o serviço. Queremos atender 2.500 pessoas e, para isso, nossa equipe multidisciplinar vai conversar com essas famílias na rua, convidando-as a se abrigar, fazer a assepsia, jantar, tomar café da manhã e receber cursos de qualificação de mão de obra ou Educação de Jovens e Adultos, além de receber ajuda com documentação básica. Identificamos muitas famílias inteiras na rua, então queremos ajudá-las a se reinserir na sociedade. Também conversamos com instituições como a Caixa para tentar qualificar essas pessoas e inseri-las no programa Minha Casa Minha Vida.

Estamos montando uma estratégia para enfrentar o racismo, homofobia e intolerância religiosa. É muito triste ver que esses problemas só pioram com o tempo. Na mídia, por exemplo, vemos notícias de violência, como o caso de uma mulher chicoteando um rapaz. Eu entendo o que é passar pelo preconceito. Certa vez, estava tomando café da manhã em um restaurante, e uma senhora me abordou pedindo que eu fizesse sua tapioca, porque, segundo ela, a pessoa responsável pela tarefa seria "escurinha" — e eu era a única negra no local. Infelizmente, o racismo enraizado é constante. Quando cheguei à Câmara, por exemplo, fui barrada várias vezes, pois meu biotipo era associado a uma doméstica ou vendedora ambulante, e não a uma parlamentar. Para combater casos assim, estamos trabalhando em um projeto para incluir palestras constantes nas escolas, associações de moradores e empregatícias, entre outras. Queremos tratar desses temas de perto, pois parte da população sente isso na pele todos os dias.