O Brasil e a América Latina parecem viver em continentes separados, mesmo compartilhando fronteiras extensas e uma história interligada. Muitos brasileiros sequer sabem nomear os países vizinhos ou reconhecer episódios históricos comuns. A barreira linguística, com o português isolado do espanhol predominante, reforça essa distância, assim como o interesse maior no eixo cultural EUA-Europa.
Se algo de bom pode sair disso é a constatação de que o Brasil tem forte identidade cultural, com frestas abertas à cultura de massas, é verdade. Mas identidades e culturas podem estabelecer pontos de contato, em vez de se fecharem. A cultura de massas global parece ocupar espaço demais no imaginário brasileiro, que poderia ser aberto às referências culturais dos povos vizinhos.
A infraestrutura de transporte que liga os diversos pontos do Brasil deveria me acanhar de reclamar da precariedade dela em relação aos demais países sul-americanos, porque há ainda muito que fazer. Aqui é bem diferente da Europa, onde redes ferroviárias e rodoviárias conectam nações.
Essa desconexão adormece o sentimento de pertencimento continental. Fala-se tão mal dos nacionalismos, mas a identidade sul-americana, latino-americana e pan-americana poderiam atenuar os exageros dos nacionalismos – se os há – paradoxalmente, fortalecendo os países envolvidos por meio da simpatia, da cooperação e da preservação da memória comum. A Copa Libertadores é um raro exemplo de integração bem-sucedida. O nome do torneio se refere aos personagens que mais se destacaram nas lutas em prol das independências de seus países. Compará-los ajuda a entender semelhanças e diferenças históricas.
A independência brasileira seguiu um percurso peculiar. Dom Pedro I, no Brasil, e San Martín, na América Hispânica, foram líderes decisivos em seus processos de independência, mas Pedro I não era um burguês, era um herdeiro dinástico de uma Casa Real. Pedro conduziu um processo político de rompimento de laços com sua pátria-mãe com enfrentamentos militares significativos, enquanto San Martín liderou batalhas audaciosas, como a travessia dos Andes. A independência, em ambos os casos, foi um exercício de liderança estratégica e coragem.
Figuras como José da Silva Lisboa, o Visconde de Cairu, e Manuel Belgrano, foram decisivas. Cairu aconselhou D. João na abertura dos portos às nações amigas, passo que fortaleceu o Brasil economicamente e pavimentou sua autonomia. Após a independência, ajudou a consolidar as instituições do Império e a formar a inteligência de Pedro II. Na Argentina, Manuel Belgrano, formado pelas instituições coloniais espanholas, rompeu com a metrópole ao recusar lealdade ao monarca imposto por Napoleão. Embora provavelmente monarquista, dedicou-se com afinco a uma guerra pela independência que resultou em uma diversidade de repúblicas.
Já José Bonifácio e Simón Bolívar tinham visões de longo prazo. Bonifácio idealizou um Brasil unido e abolicionista, enquanto Bolívar sonhou com uma América Latina integrada, ideia com a qual Bonifácio simpatizava, desde que a soberania brasileira em nada empalidecesse. Bolívar, no entanto, enfrentou as barreiras da fragmentação territorial e do caudilhismo, marcas da América Hispânica pós-independência. E Bonifácio não logrou libertar os cativos logo de cara.
Após a independência, o Brasil manteve estabilidade política e territorial, em contraste com a América Hispânica, que viu a fragmentação de antigos vice-reinos e a emergência de líderes regionais que perpetuaram ciclos de instabilidade. Tentativas de monarquia, como a de Maximiliano no México, fracassaram, enquanto constituições efêmeras demonstraram a dificuldade de consolidar um governo estável. No Chile, no entanto, uma república funcional foi estabelecida, tornando o país uma exceção.
O Brasil, com sua unidade territorial e jurídica, destacou-se como um oásis de estabilidade. No entanto, o isolamento cultural já não cumpre seu papel. Não bastam MERCOSUL ou UNASUL se não há interesse genuíno entre os povos. Pior, permitir que lideranças ideológicas obscuras decidam o rumo do continente é abdicar de nossa vocação de liderança. Para construir uma América do Sul próspera, é preciso diálogo, comércio, amizade e a valorização de nossa cultura e história compartilhadas.
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