Rafael Nogueira Divulgação

Uma cidade não é apenas um espaço físico, mas uma ideia. Ideias podem ser fortes ou frágeis, inspiradoras ou desoladoras. O Rio de Janeiro foi, por muito tempo, a ideia-síntese do sonho brasileiro. Mas o que era sonho se tornou desilusão. Viajo por todo o Brasil e, onde quer que eu vá, ouço ataques ao Rio. A cidade precisa ser defendida e revitalizada, contrastando sem dó a ideia que representa a sua realidade efetiva.
Estive no Rio em um final de semana de janeiro, gravando um documentário, e como foi bom rever a cidade maravilhosa. Fico embevecido com a beleza natural, urbana e humana da velha capital. Mas como é difícil comunicar esse sentimento Brasil afora!
Venho pensando na cidade há muito tempo. Apaixonado pela história e pela beleza do Rio, lembro-me das vezes que o visitei desde a infância. Por três anos morei no Rio, em Laranjeiras, quando tive a honra de presidir a Biblioteca Nacional, testemunhando de perto a grandiosidade de seu passado e os desafios de seu presente. Sou santista, frequentador assíduo de São Paulo, e atualmente moro em Santa Catarina. Talvez por isso, e você vai entender logo o que quero dizer, minha preocupação com o futuro do Rio de Janeiro não seja só intelectual, mas profundamente pessoal.

Esses dias, ao ler sobre a construção de um mega aeroporto internacional em Olímpia, São Paulo, pensei no contraste. O projeto promete um terminal moderno e bem conectado, capaz de atrair fluxos de passageiros e investimentos. E há uma ironia: o aeroporto em Olímpia, idealizado para ser um hub logístico que rivalize até mesmo com grandes capitais, estará à mesma distância de São Paulo que os aeroportos do Rio estão na capital paulista. Por que alguém escolheria chegar por Olímpia, quando poderia desembarcar no Rio? Eis a pergunta que deveria acender alertas, mas que parece passar despercebida.
Quem compara o Rio de hoje com Balneário Camboriú ou Florianópolis pode ser acusado de heresia, mas a realidade não perdoa. Enquanto as cidades catarinenses se organizam, crescem e, quem sabe, sonham um dia em superar o que o Rio já foi, o Rio se vê preso à nostalgia de sua antiga glória. Ainda que Balneário pareça pequena ou padeça de certa extravagância, não é justo desprezá-la: a segurança e a qualidade de vida que oferece já bastam para atrair milhões. Florianópolis, inclusive, ultrapassou o Rio como o destino brasileiro mais procurado por estrangeiros.
O carioca, por sua vez, se defende mal. Talvez porque o Rio, como antiga capital do Brasil, seja mais do que carioca; é brasileiro. A identidade da cidade está tão fundida à ideia de Brasil que seus habitantes acabam exaltando a antiga capital sem saber como defendê-la com ações concretas e argumentos consistentes. Não adianta repetir “O Rio tem o Pão de Açúcar, o Cristo Redentor, as praias, o samba em cada esquina!”. O turista, o visitante, o novo morador, todos querem segurança.
É aí que o Rio se perde. Quando o medo vira rotina. Quando balas perdidas e arrastões são parte do cotidiano. Quando o crime organizado controla territórios e a favelização avança sem resistência. Quando as autoridades fecham os olhos, e serviços básicos falham. Quando turistas são explorados e moradores, abandonados.
Nos anos 1930, Afonso Arinos chamou o Rio de “namoradinha do Brasil”. Era uma cidade que simbolizava o sonho de todos. Hoje a realidade revela outro cenário: a namoradinha virou drogada e foi entregue a cafetões. O crime domina vastas áreas, e a sensação de desamparo é quase palpável. O Rio, reconhecido pela UNESCO como patrimônio cultural, parece agora lutar sozinho por sobrevivência.
Talvez este tenha sido um dos erros históricos mais graves: deixar o Rio se tornar apenas a capital de um estado. O Rio nunca foi só isso. Como São Petersburgo, que é patrimônio nacional e não meramente a joia de uma região, o Rio poderia ter sido tratado como uma cidade federal. Mas, mesmo que caiba ao munícipe do Rio e aos cidadãos do estado do Rio de Janeiro a responsabilidade maior por sua recuperação, o restante do Brasil não pode se eximir.
O Rio não é só dos cariocas. Ele é, e sempre será, do Brasil.
Mas, e sempre há um “mas”, o Rio ainda pode se reinventar. Para isso, precisa de um choque de realidade, de lideranças dispostas a abandonar o romantismo vazio e enfrentar os desafios de frente. Precisa de mais do que festas e promessas; precisa de ação. O Rio precisa ser, novamente, uma ideia grandiosa, que transmita a grandeza que sonhamos para o Brasil. Não apenas a cidade das paisagens maravilhosas, mas uma cidade capaz de inspirar respeito em qualquer um, que, diante dela, só pode pensar que certamente está em uma das melhores cidades do mundo. Como já foi um dia.