Rafael Nogueira Divulgação

Dom Pedro II foi, pelo tempo à testa do país — quase 50 anos — e pelas realizações que deixou, o maior estadista de nossa história. No bicentenário de seu nascimento, vale perguntar: o que explica aquele momento de estabilidade institucional? E o que podemos tirar de lições para nossos dilemas atuais?
De que o Brasil mais precisa hoje? De melhores líderes, melhores políticos… ou de melhores instituições, uma melhor Constituição, melhores leis? Pedro II ajuda a pensar essa tensão em duas frentes. De um lado, o homem: a formação, os desafios, os sonhos. De outro, o Império como ordem política: a dinâmica dos poderes, liderada pelo Poder Moderador; a carta de direitos de 1824; e o sistema partidário. É na relação entre biografia e instituições que aparece o enigma brasileiro.
Órfão de pai e mãe muito jovem, aclamado imperador aos cinco anos, Pedro de Alcântara cresceu cercado de disciplina e estudo. Bonifácio, Itanhaém, mestres e padres incutiram nele a noção de dever. Em vez de tomar gosto pela corte ruidosa, preferia a biblioteca; em vez de ostentação, gostava de cadernos, mapas, línguas e aparatos astronômicos. A fragilidade e a introspecção o empurraram ainda mais para dentro dos livros. Pode-se até discutir os limites de sua ação política, mas é difícil negar que o país jamais teve, antes ou depois, chefe de Estado com tal preparo.
Os desafios tampouco foram modestos. Pedro II enfrentou a Revolução Farroupilha, a Revolta Praieira, a Guerra do Paraguai, o atrito entre bispos ultramontanos e maçons, a questão servil, o desgaste de uma monarquia “fora de moda” para uma parte da elite. Apesar disso, o Império ofereceu algo raro: preservação da nacionalidade e continuidade institucional. A mesma Constituição vigorou por mais de seis décadas.
No plano dos mecanismos, o tão mal falado Poder Moderador foi menos capricho absolutista e mais tentativa, ainda que imperfeita, de articular Executivo, Legislativo e Judiciário da melhor maneira possível, destravando crises sem romper o sistema. A Constituição de 1824 consagrou liberdades individuais, segurança jurídica e representação política. Escravidão, clientelismo e injustiças gritantes coexistiam com esse quadro? Sim. Mas havia um texto comum de referência, que fazia o Brasil real buscar fazer jus ao Brasil legal e, mais importante ainda, impedia que se “refundasse” o país a cada crise.
O sistema partidário, com liberais e conservadores, produziu quadros, estilos de governo e certa responsabilidade política. No Império, a formação e a queda de gabinetes ministeriais significavam muito, e o preenchimento dos cargos com os melhores nomes era tarefa gestada nos partidos. Não era um carnaval de siglas sem doutrina, coladas em fundos e emendas; eram estruturas que exerciam função de profissionalização política.
E então voltamos à questão: o que mais nos falta, pessoas excepcionais ou instituições sólidas? Não aceito a resposta simplista “os dois”. O que busco é entender a complexa interdependência entre eles. A vida de Pedro II mostra que um grande estadista sozinho não salva um país. E sem estadistas conscientes, porém, instituições bem desenhadas também apodrecem.
Virtude pessoal não substitui viabilidade política. E carisma nenhum dispensa estrutura; que, por sua vez, não dispensa virtude.
Até hoje o Império em geral — e nosso segundo imperador em particular — nos assombra, como um modelo perene. E não precisamos voltar ao período monárquico apenas com os olhos iludidos de quem espera restaurá-lo. Estudamo-lo porque o que somos hoje está ligado àquilo que fomos ontem. Todo governante republicano — de Deodoro a Lula — projeta um contraste involuntário com Pedro II; e se é verdade que, em comparação com ele, nem todo mundo sempre saiu perdendo nos detalhes, também é dizer que, no conjunto da obra, ninguém até hoje o superou.