Zé Wendell em 'O Hétero' - Beatriz Meireles Brandão/Divulgação
Zé Wendell em 'O Hétero'Beatriz Meireles Brandão/Divulgação
Por Gabriel Sobreira

Rio - Em tempos de vacas magras, para driblar a falta de incentivo e tirar do papel uma peça, diversos atores e autores têm optado por monólogos em vez de espetáculos com elencos numerosos. "O meu, por exemplo, tem um cenário minimalista, o que reduz os custos de transporte para viagens. É um tipo de espetáculo que posso apresentar num teatro de mil lugares, ou até mesmo numa sala de ensaio", explica Zé Wendell, ator e autor da peça 'O Hétero', em cartaz no Teatro Dulcina (segundas, terças e quartas, às 19h, até 28 de agosto).

Wendell, que também é produtor, sabe bem que precisa manter o espetáculo em cartaz, pagar a equipe técnica e artistas envolvidos na produção. Ele contou com profissionais parceiros que acreditaram no projeto e entraram de cabeça. "Mas eu ainda não tinha patrocínio, ou sequer algum edital de incentivo à cultura — eles estão quase extintos, quando não censurados e com filtros. Fiz um financiamento coletivo (no qual o público previamente deposita alguma quantia) e contei com o investimento do público, de amigos e principalmente da família. Nesses momentos de crise é preciso ser criativo", ensina ele. "Embora pareça tudo muito fácil depois de estreada a peça, a tarefa é árdua e diária, porém prazerosa", completa.

NA CARNE

Carine Klimeck, autora e atriz do solo 'Giz 9', em cartaz no Teatro do Parque das Ruínas, não lembra se alguma vez o fator financeiro de alguma peça a tenha estimulado. "Sinceramente, eu diria que o fator financeiro só desestimula. Mas, principalmente agora, nesses tempos obscuros", frisa. Segundo ela, a maioria das produções teatrais tem sido realizada por artistas que utilizam suas reservas para levantar seus projetos na esperança de que o público compareça. "Em época de absoluta restrição de fomentos culturais, se você não é um ator superconhecido do grande público, pensar em retorno financeiro é quase uma utopia. Infelizmente", lamenta Carine.

À frente do monólogo 'Aracy', a atriz e autora Flávia Milione lembra que tentou durante três anos conseguir apoio financeiro e institucional para o primeiro solo dela ('O Quadro'). Sem êxito. Foi quando resolveu fazer tudo sozinha. "Como não tinha como pagar ninguém, escrevi, dirigi, atuei, produzi, criei figurino, cenário, trilha sonora, tudo. Agora em 'Aracy', tive o apoio do Sesc Tijuca e pude chamar uma equipe para compor a ficha técnica, o que fez o trabalho dar um salto qualitativo em relação ao anterior", explica.

Viajar com um espetáculo nunca foi uma ação barata, pois existe um custo logístico alto, que se multiplica pela quantidade de pessoas. Segundo Nena Inoue, atriz e produtora executiva de 'Para Não Morrer', em um trabalho anterior ela atuava e produzia, trabalhando com 10, 12 pessoas. O projeto durou seis anos. "Ter menos pessoas viabiliza mais a montagem, hoje sou apenas eu e meu técnico. Circulo mais rápido, viajo apenas com duas malas grandes - meu cenário todo cabe nelas. Então, posso ir de ônibus ou avião, mas porque cheguei em um momento em que eu queria trabalhar com menos — menos cenas, menos gestos, menos cenários, menos figurinos —, mas tudo para potencializar a palavra, o que eu estava dizendo", detalha ela, que está em turnê nacional.

NO TALENTO

O crítico de teatro Gilberto Bartholo, de 69 anos, observou um aumento considerável no número de monólogos nos últimos anos — sobretudo em 2018 — e mais ainda em 2019. Mas ele não acredita que seja uma "tendência". Bartholo, que também é ator, aponta duas razões para o movimento de solos em alta no cenário teatral. Primeiro, por uma questão de vaidade inerente à profissão e uma oportunidade de mostrar o talento. Outro fator é a crise econômica que o país enfrenta.

"Sem apoio oficial e sem patrocínios particulares, a maioria das produções não tem recursos financeiros para realizar suas montagens. Para não ficar sem trabalhar, muitos atores estão bancando seus monólogos. No primeiro semestre de 2019, assisti a mais de 30 montagens de solos, alguns bem intimistas, para poucas pessoas. Embora alguns fossem de qualidade duvidosa, a maioria variou de bom a obra-prima", avalia.

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