Valéria Barcellos Renata Xavier / Divulgação

Rio - Natural de Santo Ângelo, cidade no noroeste do Rio Grande do Sul, Valéria Barcellos é um artista multifacetada. Além de ser atriz, ela tem uma relação de mais de três décadas com a música, é escritora, performer, DJ e cantora! Aos 43 anos, Valéria — que estreou nas novelas em "Terra e Paixão", da TV Globo —, faz jus ao nome de sua personagem, Luana Shine, e brilha como a gerente do bar de Cândida (Susana Vieira). Cheia de energia e apaixonada por arte,  a artista ainda estrela o stand up "Isso a TV não Mostra", em cartaz até o fim deste mês, no Teatro Glaucio Gil, em Copacabana. 
"O espetáculo é uma junção de um desejo meu e das pessoas, que querem saber o que acontece nos bastidores da televisão, que só a gente que está ali por trás das câmeras fica sabendo. É claro que tem exagero, deboche, humor, mas eu acho que eu consegui chegar num tom em que as pessoas nunca vão descobrir direito o que é exagero e o que é verdade. De toda forma, eu também trago o meu universo para isso. Trago o meu universo de pessoas trans pra costurar com essas histórias e com muita música junto. É todo o meu universo num espetáculo só", resume. 
Com histórias sobre suas vivências, Valéria conta como foi selecionar os casos que levaria para o palco. "Falo sobre os meus casamentos, situações engraçadas, curiosas e até mesmo difíceis, que eu transformei em coisas engraçadas e curiosas. Para escolher esses casos, eu pensei no que me chamava mais atenção e também dentro daquela 'curadoria' de coisas que eu já havia contado na roda de amigos e para os músicos e para os atores, enfim. E o que eu via, que eu percebia que mais chamava a atenção deles, que mais fazia com que eles rissem, é o que eu disse assim: 'ó, isso aqui tem alguma coisa interessante para contar'. E é a partir disso também que nasceu essa curadoria de histórias e 'piadas'".
No ar em "Terra e Paixão", a atriz comemora o retorno positivo do público em relação à Luana. "Tem sido muito incrível a resposta do público, principalmente do público mais velho, que é o público que consome a novela, certamente. A gente está numa outra geração, num outro momento da vida, que se difere muito do momento em que eu, inclusive, assisti a novelas", recorda ela, que celebra o papel no folhetim de Walcyr Carrasco. "Dar vida a essa personagem é também dar vida e voz a muitas outras pessoas, que não são personagens na vida real, mas que são pessoas e se vêem ali representadas, além de um desafio, uma dádiva, uma coisa maravilhosa para mim".
A transgeneralidade da personagem não é o foco principal da trama da gerente, que vive um romance com Dr. Rodrigo (Michael Rodrigues) e, junto com os demais funcionários do bar, luta pelo acesso de todos à educação. "É a arte imitando a vida, porque na vida a nossa transgeneralidade não é o mote principal da nossa existência. Nós somos pessoas e trans, nós não somos trans e pessoas. Penso que os novos tempos estão entendendo, a dramaturgia está entendendo, o mundo está entendendo... Não entendeu ainda e vai demorar bastante para que as pessoas entendam, compreendam, mas já estamos no caminho", acredita.
"O ser humano vem primeiro, que ama, que chora, que ri, que paga impostos, que faz a economia girar, que tem seus problemas, suas vitórias. Principalmente, a gente precisa falar muito das nossas vitórias, porque parece que toda a vivência e toda a existência de uma pessoa trans é pautada no sofrimento e, não, a gente tem muita vitória, tem muita coisa bonita para contar. Estamos inclusive invadindo a novela das nove, no horário nobre na televisão, na maior emissora do país. E isso é incrível para mim e para as pessoas que represento. A personagem tem emprego, vive um romance com o doutor Rodrigo, luta pela acesso à educação, que também é uma vivência de muitas de nós, parece que essas coisas são muito distantes da nossa existência e não, elas são muito próximas. A gente quer o que todo mundo quer", reforça. 
Questionada sobre um fim ideal para Luana, Valéria não titubeia. "Desejo felicidade, assim como eu desejo para todas nós pessoas trans. Mas, falando de personagem, dramaturgia e novela de Walcyr, quero um casamento daqueles de novela, com vestido de noiva, com festa, com valsa, essas coisas que a Luana gostaria e eu não. Sou um pouco menos, eu já quis, já tive esse desejo, eu não quero mais", diverte-se.  "Quero que ela seja muito feliz, que case, que adotem filhos, que tenha uma fazenda, uma casa bonitinha, que ela fique dona do bar, por favor", torce. 
Clima nos bastidores
A experiência nos bastidores da novela também é de aprendizado. "É um aprendizado de tudo, realmente: de como a televisão funciona, o mecanismo de decorar texto, de entender horários... Tem sido maravilhoso, incrível, um aprendizado com cada uma das pessoas, todo mundo de uma generosidade infinita. O nosso núcleo é muito unido e muito sedento de aprender, de ouvir, de saber. Quase todos estão fazendo a primeira novela, a maioria, pelo menos, sai do nosso núcleo, do bar. Então, a gente está com sangue no olho. Tem sido um aprendizado diário e muito prazeroso".
Multifacetada
Como já citado, Valéria exerce várias funções no meio artístico, como cantora, performer, DJ e escritora. Ela se diverte ao comentar suas facetas e adianta que tem disco novo por aí. "Se eu pudesse eu faria tudo ao mesmo tempo, juro, eu tenho vontade de fazer tudo. Todo dia eu tenho um projeto diferente que me suja a cabeça e a minha cabeça não para nunca, mas agora eu vou focar realmente no final da novela, nos frutos que eu quero colher e no disco que deve sair entre dezembro e janeiro, que chama 'Saraval', que é uma mistura de Saravá com Valéria. É uma mistura de sons, ritmos, com produção de André Moraes e Lucio Mauro Filho, e também com a maravilha de poder ter a honra de regravar três canções, 'Super Homem', do Gilberto Gil, 'Geni e Zepelim', de Chico Buarque, e 'Espumas ao Vento', de Fagner. Estou muito feliz. Vai dar tudo certo, aguardem que o disco está lindo de viver!", avisa. 
'Na minha cabeça, estou curada'
A artista foi diagnosticada com um câncer de pele raro entre 2019 e 2020. A fase, apesar de difícil, foi de aprendizado. "Foi uma fase muito difícil e de, sem dourar a pílula, sem ser Poliana, de muito aprendizado. Aprendi a otimizar meu tempo, redescobri a vida em pequenos prazeres e isso foi uma coisa — essa parada que tive que dar na vida — que me ensinou. Eu ainda estou em fase de remissão. Em 2025 eu ganho o diagnóstico total de cura, mas eu já me curei. Aqui na minha cabeça eu já estou curada, já passou. Câncer é o quarto signo. O câncer vem em leão, que é super maravilhoso, que é super solar. Pra mim o câncer nesse momento é só mais um signo zodíaco". 
Solteira
No momento, o coração de Valéria não tem dono. E ela reforça que está feliz assim. "Não, não tenho ninguém, não estou namorando, não está nos meus objetivos de vida. Se bem que essas coisas chegam... 'Por ser amor, invade fim', já disse de Djavan. Mas eu estou com muita coisa na cabeça. Acho que um relacionamento envolve duas pessoas e, no meu ritmo de trabalho, eu não seria esse plus de pessoa, né? Então, não estaria cumprindo o princípio básico do relacionamento, não poderia fazer nada, no momento, agora, e nem posso, e também acho prudente não fazer. Pela metade não funciona. Não estou namorando ninguém, estou super feliz assim como estou, trabalhando muito. Estou namorando com o mar, que eu olho todos os dias aqui da minha sacada e não posso descer ali pra senti-lo, eu acho que é isso".

'Sou um poço de preguiça'
Com a rotina intensa de trabalho, a atriz brinca que nos dias de folga gosta de não fazer nada. "Nossa, eu sou um poço de preguiça. Eu sou tal qual a Marília Gabriela, que gosta de fazer nada, eu gosto de fazer nada", diverte-se, referindo-se a uma entrevista antiga em que a apresentadora diz que gosta dos momentos de ócio. "Mas é bem verdade que a minha cabeça, ela não para de funcionar nunca, né? Então vez ou outra eu me pego escrevendo alguma coisa, projetando alguma coisa, pensando em um show, em um espetáculo de teatro, em escrever um livro, em uma exposição fotográfica, tudo isso para pela minha cabeça", assume.
"Com o espetáculo agora, 'Isso a TV não mostra', eu tenho procurado ficar mais atenta à TV, à internet, à observação de pessoas, porque isso é muito bom para criar repertório para um espetáculo de humor que tem como mote a comédia em pé, o stand-up. E isso tem sido a minha dedicação total, por mais que pareça descanso, sempre no fundo tem um trabalho. Eu sei que não é certo, mas é o que se passa pela minha cabeça, eu não consigo mudar no momento. Mas se quiser saber mais, vai lá me assistir no domingo, lá também eu conto um pouquinho daquilo que eu gosto de fazer fora dos holofotes nos meus dias de folga. Vamos lá? Tá convidado, tá convidado", finaliza.