Rio - Esqueça a imagem daquela jovem rebelde e impulsiva, que fala o que vem à cabeça e não mede consequências. A Laila, de ‘Sete Vidas’, não tem nada a ver com o temperamento sereno de sua intérprete, Maria Eduarda de Carvalho, de 33 anos. Diferentemente de sua personagem, a atriz é do tipo que mede as palavras e tem muito cuidado ao falar sobre qualquer coisa. “Eu penso duas vezes. Até porque faz parte do que eu sou, da minha formação pessoal. Sou filha de uma psicanalista e um psiquiatra, então... Sou um caso clínico! Minha primeira palavra foi Freud”, brinca.
Desde a infância, Maria Eduarda mantém um diálogo aberto com os pais, que inclusive a apoiaram quando decidiu seguir a carreira artística. Mas a atriz, que é bisneta do escritor José Cândido de Carvalho, escolheu fazer análise com outro profissional. “Quando nasci, minha mãe diz que foi procurar um bercinho, mas preferiu um divãzinho. Claro que é uma piada! Mas isso faz parte da minha formação. Acho que a gente faz escolhas na vida. Tem gente que faz ioga, eu faço análise. Por conta disso, tendo a pensar duas vezes antes de falar”, explica.
Na trama de Lícia Manzo, Laila foi gerada por inseminação artificial e criada por duas mães, Esther (Regina Duarte) e Vivian, morta. Quando descobre que possui outros irmãos, nascidos da mesma forma, ela os encontra e sai em busca do pai biológico, Miguel (Domingos Montagner). “Eu tinha um certo receio, por causa da ambivalência dela. Laila é muito humana, mas também fala coisas agressivas e ferinas. Muitas vezes, são verdades que não deviam ser ditas, sem nenhuma sutileza. Acho que as pessoas se divertem muito com ela e até se identificam. O público gosta de uma personagem que fala o que todo mundo acha mas não tem coragem de dizer”, avalia. “Ela é um pouco ‘sincericida’.”
Mães que recorrem à inseminação artificial para engravidar eram um assunto distante para a atriz até começar a gravar a novela. Ela conheceu uma família formada por duas mulheres que escolheram o mesmo doador anônimo de sêmen e tiveram dois filhos, exatamente como a história de Laila, irmã gêmea de Luís (Thiago Rodrigues).
“Achei incrível. Vi a ficha com as informações sobre o pai, como elas fizeram aquilo e lidaram com essa situação. Desde que os filhos eram pequenos, elas mostraram a ficha a eles e deixaram à disposição para que soubessem quem é o pai”, conta ela, que, no lugar da sua personagem, também procuraria o pai biológico. “No fim das contas, você pode ser filho de duas mães ou de dois pais, mas é um conjunto vazio, uma interrogação. Eu teria muita curiosidade, sim, de conhecer!”
A atriz acha importante que o tema seja abordado na TV. “As pessoas gostam de se sentir representadas. Quando a novela mostra uma família com duas mães, é mais uma possibilidade de configuração familiar e não impregnada de sensacionalismo. Acredito que seja uma arma contra o preconceito”, diz.
Mãe de Luiza, de 4 anos, fruto de seu casamento de oito anos com o cineasta Snir Wine, ela apoia a decisão de mulheres que recorrem à inseminação artificial para ter filhos. “É um recurso válido, sim! Existe essa possibilidade, e as mulheres que querem muito ter filhos estão lançando mão dele. Agora, o que eu faria se não pudesse? Não sei dizer. Desde muito cedo, queria ser mãe. Sabia que queria ter filhos, que isso ia ser muito importante para minha vida, e tive. Encontrei um parceiro com quem pude realizar esse projeto. Não sei como teria sido se não tivesse encontrado”, comenta.
Maria Eduarda conta que a filha já está acostumada com as diferentes configurações de família. “Na escola, ela tem amiga que é filha de duas mães e outra que é filha de uma mãe só, adotada. Isso pra ela é natural, não tem um estranhamento. Acredito que as novas gerações vão crescer com esse olhar de naturalidade para essas diferentes formas de família e de orientação sexual”, aposta a atriz, que viveu a homossexual Vanessa em ‘Em Família’. “Acho estranho, por exemplo, quando alguém fala: ‘Nossa, você viu o casal gay se beijando na novela?’ Pra mim, é estranho um casal gay não se beijar, porque um casal hétero se beija o tempo todo. Um casal hétero não beija? Um homossexual também, não é diferente”, compara.
No relacionamento com os homens, a atriz, que está separada do pai de sua filha, garante que também não se parece com Laila. A personagem não consegue se acertar com os homens e até beijou Vicente (Ângelo Antônio), que é marido da mãe de seu irmão Pedro (Jayme Matarazzo). “Outro dia, gravei uma cena em que ela dizia que tinha vontade de cortar todos os dedos podres dela, e colocar uma aliança no que sobrasse. Ela é muito defendida, esses rompantes e agressividade ela estende para a relação com os homens. Então, ela tem muita dificuldade de se entregar a uma relação mais madura”, analisa. “Sou bem diferente. Laila é muito intempestiva e infantil, e eu não. Pondero, repenso, não falo tudo que vem à cabeça.”
Loucuras de amor não fazem parte do repertório de Maria Eduarda. “Acho que toda pessoa apaixonada quer se dar para seu apaixonado. Minha mãe tem uma frase muito boa: ‘Você pode ser uma pessoa apaixonada ou pode ser um louco de amor.’ São duas coisas bem diferentes. A paixão está presente nas duas, mas eu prezo o bom senso”, diz a atriz, que, por enquanto, não pensa em novo relacionamento. “Estou escrevendo bastante, cuidando da minha filha, fazendo a novela. É bastante coisa.”
SUSTO AO SE VER LOURA
Ruiva de nascença, Maria Eduarda ficou loura para dar vida a Laila. Quando viu pela primeira vez os cabelos com a nova cor, levou um susto. “Sinceramente, é muito esquisito. Demorei um tempo para me reconhecer no espelho, porque a gente tem uma imagem nossa interna. A vida inteira me vi ruiva. Aí, acordava me pensando ruiva, me olhava e tinha uma loura! Agora estou conformada”, conta ela, que não se sentiu poderosa ou sedutora como algumas mulheres que pintam as madeixas. “Me senti tão estranha, fora do meu corpo, que não consegui alcançar esse poderio todo”, brinca.