Por tabata.uchoa

Rio - O padre Fábio de Melo, que tem uma legião de fãs nas redes sociais, passou por momentos delicados nesta segunda-feira no Twitter. Um vídeo de 2006, no qual o religioso diz que “o agressor só se torna agressor porque a vítima o autoriza”, veio à tona agora e revoltou internautas, que o acusam de culpar vítimas de violência doméstica. “É o caráter que está exposto no seu rosto que vai dizer ao outro o que ele pode fazer com você ou não”, dizia o padre no vídeo.

Na rede social, ele alegou nesta segunda-feira que a intenção na época era incentivar as mulheres a denunciar os agressores. Para ele, a mulher deve se impor caso haja uma primeira agressão, para que o homem não repita o ato. “Peço perdão. Eu nunca pretendi dizer que a vítima é culpada. Apenas salientei que a não denúncia reforça o agressor”, declarou.

Contudo, a denúncia e a imposição não são tão fáceis quanto parecem, alegam mulheres envolvidas com o tema. A delegada Márcia Noeli, diretora da Divisão de Polícia de Atendimento à Mulher (DPAM), explicou que as mulheres custam a denunciar agressões exatamente por se sentirem culpadas. Para ela, é essencial desconstruir essa ideia. “Elas pensam que fizeram alguma coisa de errado para merecerem esse 'castigo'. A mulher não é culpada por ser vítima de violência, nem doméstica nem sexual”, defendeu Márcia.

Padre Fábio de Melo pede desculpas por declaração machistaReprodução Internet

A opinião da delegada vai ao encontro do que diz a feminista Luíse Bello, gerente de conteúdo e comunicação da ONG Think Olga, referência no debate sobre o empoderamento feminino. Ela classificou as declarações do padre como “muito infelizes”, dada a importância dele como figura pública.

Luíse comentou, ainda, sobre os motivos que fazem as mulheres ter receio de denunciar abusos. “Existe a dependência financeira, a família, o medo”. Mesmo com os motivos que podem levar à omissão, as mulheres são as principais vítimas, na maioria esmagadora, dos casos de violência registrados no Rio, seja física, sexual, moral, patrimonial ou psicológica.

De acordo com o Dossiê Mulher 2016, no ano passado elas só não lideraram dois dos 11 subtópicos da consulta (homicídio e tentativa de homicídio). Das lesões corporais dolosas, 63,7% foram contra mulheres, o equivalente a 49.281 registros. Na violência moral, que engloba calúnia, difamação e injúria, elas são 73% das vítimas. E, nas ameaças psicológicas, 65,2% do total.

Papa já havia condenado agressão de parceiro no ambiente familiar

A reportagem tentou contato com Padre Fábio de Melo, mas, de acordo com a assessoria, ele estava em um retiro. Em abril, o Papa Francisco demonstrou repúdio à violência contra a mulher. Em uma exortação apostólica, o pontífice criticou também a mutilação genital feminina e a desigualdade no ambiente de trabalho. Segundo Papa Francisco, a agressão vinda do próprio parceiro contradiz a natureza da união conjugal.

Após o caso de estupro coletivo na Praça Seca, em Jacarepaguá, em maio deste ano, milhares de mulheres foram às ruas do país para pedir o fim da cultura do estupro e da culpabilização da vítima. Na época, a delegada do caso, Cristiana Bento, reforçou o coro das manifestações.

Para ilustrar sua opinião sobre os motivos que levam a mulher a não denunciar abusos e a permanecer nos relacionamentos abusivos, a feminista Luíse Bello deu o exemplo da hashtag #WhyIStay (‘Por Que eu Continuo?’), utilizada por mulheres a fim de explicar o porquê de não abandonarem seus namorados e maridos.

Em rápida pesquisa pela hashtag, O DIA encontrou resultados que mostram o uso da força e da pressão emocional para obstruir denúncias. “Porque na última vez em que eu tentei sair, ele pegou, por dois meses, minha filha de 10 anos de idade”, comentou uma mulher no Twitter. “Porque eu fui jogada no chão e ele me disse para não ser tão desrespeitosa”, disse outra, na mesma rede social.

?Reportagem do estagiário Caio Sartori

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