Assim como na vida real, em Tempestade, Julia e Luiza vivem mãe e filhaDivulgação/ Renato Mangolin

Rio - Julia Lemmertz está vivendo uma das maiores emoções de sua vida. Em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, com a peça "Tempestade", uma releitura da obra de Shakespeare, a atriz, de 60 anos, contracena, pela primeira vez, com a filha, Luiza Lemmertz, de 35. 
Com direção de Aluizio Abranches e codireção de Fernando São Thiago, o espetáculo reconta a história original a partir do ponto de vista feminino, trocando o gênero do personagem principal. Assim, Próspero virou Próspera, interpretada por Julia, enquanto Luiza vive Miranda, filha de Próspera. 
"Para mim, é um sonho antigo. A gente sempre fala em fazer coisa juntas. Tem projetos, filmes, peças também...", afirma Julia, explicando que, apesar da vontade, a vida corrida das duas fez com que o desejo de dividir o palco só tenha virado realidade agora.
Ao falar sobre como é trabalhar com a mãe, Luiza revela que a experiência fez com que ela descobrisse um lado de Julia que ainda não conhecia. "A gente é muito íntima e muito parceira. Mas é diferente quando você passa a trabalhar com a pessoa. Como você vê outros lugares da pessoa que você intuía, mas não sabia como era no dia a dia. Eu acho isso muito fascinante. Eu conheço ela há 35 anos e consegui, depois de todo esse tempo, descobrir novas coisas, novas facetas, que eu acho isso muito maneiro e interessante", conta.
Além da alegria de estar com a filha, Julia enumera outros aspectos da peça. "Eu acho que o público pode esperar um espetáculo lindo, divertido e mágico, em alguns momentos. Eu acho que é o encontro de atores de diferentes lugares. A Ari Souza é de musical, o Augusto Trainotti é da dança, e a [Luiza] Loroza já tem seu próprio coletivo. Então, eu acho que é bonito o encontro de gerações diferentes também. Eu acho que [o público] pode esperar o melhor de nós. A gente está dando o melhor", destaca a atriz.
Na trama, a duquesa Próspera (Julia), sofre um golpe de seu irmão ao precisar se afastar do ducado para cuidar de sua filha recém-nascida, Miranda (Luiza). As duas, então, fogem para uma ilha mágica e aprendem os poderes da floresta, uma metáfora ao resgate da alma feminina.
"Eu acho que o fato da gente ser mãe e filha fez com que isso ficasse mais pungente e que a gente pudesse dizer da nossa experiência, o lado da maternidade, o lado dessa relação mãe e filha, ou sobre a maternidade. Eu também sou mãe. Então, esse lugar do feminino que foi colocado ali, a gente teve a possibilidade de trabalhar ele no texto também. Acho que isso foi bem rico. Se fossem duas atrizes que não fossem mãe e filha, talvez isso tivesse ficado diferente. Mas a gente pôde trazer essa verdade absoluta de ser mãe e filha, incontestável, e assumimos isso de uma forma linda nas duas personagens", analisa Luiza.
Sobre o impacto da relação da "vida real" na peça, Julia complementa. "Mesmo sendo uma adaptação, a gente traz para a relação da Miranda com a mãe uma relação que a Miranda não teve com o pai. Então, esse realmente é um ganho com a peça, bonito, assim, que vai na medida do possível, na poesia do Shakespeare, mas vai também na nossa imaginação. Somos duas atrizes, mãe e filha, fazendo a nossa história. Então isso é bonito de ver, que a gente está preenchido de muitas coisas, muitas camadas", pontua a atriz, que também é mãe de Miguel Corrêa, de 23 anos, fruto de seu relacionamento com o ator Alexandre Borges.
Inspiração 
Luiza, que cresceu vendo a mãe brilhar no teatro, no cinema e na TV, conta como essa bagagem a ajudou em sua carreira de atriz. "Eu acompanho ela desde que eu nasci. Então, eu fui aquela criança de coxia. Eu fui acompanhando de dentro e fui tendo as minhas próprias percepções. Eu acho que ela já me disse muitas coisas e eu aprendi muito vendo a forma com que ela trabalha, como ela se comporta nesse meio, os diferentes trabalhos, as diferentes mídias. Quando virei atriz, a gente virou mais companheira, porque a mãe tem uma coisa muito linda que ela, apesar de ter todos esses anos de carreira, sei lá, 40 anos, ela não se dá por satisfeita de 'ah, eu já sei muitas coisas'. Ela tem um frescor a cada coisa que eu sinto que é uma abertura mesmo, sabe? Para descobrir novas coisas. Então, cada novo trabalho a gente conversa", exalta.
Mas nem sempre Luiza teve certeza sobre seguir a carreira de atriz. A artista revela que durante a adolescência desbravou outras áreas profissionais, como desenho e fotografia. "Eu resolvi que eu queria explorar outros lugares que não fossem esse óbvio lugar do ator que estava ali para mim tão presente sempre. Então, eu meio que dei uma negada, assim, e fui para outros lugares."
Foi, então, somente aos 19 anos que ela resolveu dar mais uma chance para a atuação. "Eu tinha me afastado dessa coisa de atuar, então, eu falei: eu vou voltar a fazer e vou ver o que eu sinto", relembra. Em seguida, decidiu fazer cursos na área.
Mas foi quando recebeu um conselho do diretor José Celso Martinez Corrêa (1937-2023) que tudo mudou. "Ele me chamou para fazer uma leitura em São Paulo e veio no meu ouvido e falou: 'Vem cá, você vai continuar fugindo até quando? Você é atriz'. E aí, aquilo foi como uma flecha no meu coração. Aquilo foi muito forte para mim. Aquilo bateu e eu falei: 'É, é verdade. Tá bom'. E aí eu resolvi assumir", relembra Luiza.
'Fruta não cai longe do pé'
Na novela "Em Família", da TV Globo, de 2014, Julia Lemmertz foi a última atriz a interpretar a célebre Helena, marca registrada nas tramas de Manoel Carlos. Sua mãe, Lilian Lemmertz (1937-1986), foi a primeira a dar vida à personagem, em "Baila Comigo" (1981). Ao falar sobre o amor pela arte sendo passado de geração em geração, Julia comemora: "Às vezes, eu acho que é um pouco essa historia mesmo, né? De que a fruta não cai longe do pé. Manga não dá banana (risos). Claro que tem milhares de exceções."
A atriz fala, também, um pouco sobre as lembranças da matriarca da família. "Minha mãe era uma atriz espetacular. Uma mulher de cinema e de teatro, jovem. Minha mãe quando faleceu tinha 48 para 49 anos. Então, ela tinha uma vida inteira pela frente como atriz, né? E eu comecei ali, de um jeito diferente da Luiza, mais atabalhoadamente. Eu fui fazendo tudo o que aparecia na minha frente. Não deu tempo de trabalhar com a minha mãe. Porque a Luiza, por exemplo, está trabalhando com a mãe dela realmente pela primeira vez, assim, eu com 60 e ela com 35 anos. Então, esse é o tempo, né? Da gente amadurecer as coisas", destaca Julia, que também é filha do ator Lineu Dias (1927-2002).
Para quando a "Tempestade" acabar, mãe e filha já têm planos. "A gente tem que ver se essa peça vai dar certo, se a Luiza vai gostar, ou se no final ela vai querer dar um tempo da mãe dela e falar: Ai, prefiro trabalhar com outras pessoas (risos). Mas a gente quer fazer uma peça no Teatro Oficina, que a gente prometeu ao Zé (Celso)", revela Julia, lembrando o fundador do histórico teatro em São Paulo, que faleceu no último mês de julho, vítima de um incêndio.
Além de Julia e Luiza Lemmertz, o elenco conta com Ariane Souza, Augusto Trainotti e Luiza Loroza. A adaptação é assinada por Aluizio Abranches e Fernando São Thiago.
A "Tempestade" fica em cartaz até o dia 17 de dezembro, no Poeira (Rua São João Batista 104), em Botafogo, Zona Sul do Rio, com sessões de quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 19h. A classificação é 12 anos. Os ingressos custam a partir de R$ 19 (meia popular) e estão à venda no site Sympla.