A Roda, com participação de Jorge Aragão, Moacyr Luz, Teresa Cristina, Pretinho da Serrinha, Luis Antonio Simas (historiador), Luisa Souza (chef do Da Gema), Rafaela Bastos (passista e geógrafa). A apresentação é do repórter Chico Regueirafotos Paulo Belote / TV Globo

Rio - O desfile das escolas samba na Marquês de Sapucaí foi adiado para abril, mas ainda assim o ritmo mais brasileiro entre os gêneros musicais não ficará de fora das telinhas. O programa "A Roda: Samba", comandado por Chico Regueira, estreia neste sábado após o "Jornal Hoje", na TV Globo. Em dois episódios, o especial reúne personalidades do Rio para um bate-papo acompanhado por muito boa música. Nomes como Teresa Cristina, Jorge Aragão, Moacyr Luz, Pretinho da Serrinha, Marquinhos de Oswaldo Cruz, entre outros, participam da atração, que foi gravada diretamente da Pedra do Sal.
Para Chico Regueira, falar de samba é abordar as origens de todos os brasileiros. "Tratar de samba e de cultura africana, a partir do Rio de Janeiro, do Brasil, é uma forma de olhar para quem nós somos e de onde viemos. A ideia do primeiro programa é contar os primórdios do samba, desde as famílias baianas que vieram para cá, os sambas desenvolvidos nos terreiros, na Pedra do Sal, na Praça Mauá, na região que hoje é conhecida como a Pequena África, além das outras pequenas Áfricas do Rio de Janeiro. Vamos falar do samba nas suas origens mais ancestrais, na sua forma mais profunda", explica o apresentador. 
Na atração, os convidados abordam o contexto social em que letras de músicas como "A Batucada dos Nossos Tantãs", "Coisa de Pele" e "Identidade" foram compostas. Chico Regueira ainda comenta a interpretação de "O Quitandeiro" e faz uma homenagem para Monarco, baluarte da Portela. "Eu me senti na obrigação de fazer isso porque fiz a última entrevista dele, em setembro", revela o repórter sobre o veterano, que morreu em dezembro do ano passado, aos 88 anos. 
"Desenvolvemos esse roteiro ouvindo os clássicos e ‘A Roda’ é contada a partir de deles. Fala de desenvolvimento urbano, de preconceito de raça, de moradia, de liberdade, de reinvenção de cidade. É um grande passeio pelo mais fino repertório de samba brasileiro, com músicas que todo mundo sabe cantar e que fazem parte da vida da gente", analisa. 
Segundo episódio no sábado de Carnaval
E não para por aí, no segundo episódio, que vai ao ar no sábado de Carnaval, a atração contará com Tati Quebra Barraco, Dudu Nobre, Xande de Pilares, Nilze Carvalho, Molejo e Marvvila para falar sobre a relação entre o samba e o funk.
O clássico "Eu Sou Favela", de Bezerra da Silva, é uma das canções que dão o tom da conversa. "O interessante é que essa música fala da favela como um problema social, mas ela (a favela) acaba virando, de certa maneira, uma solução, né? A favela constrói os seus modos de vida, e a cultura do Rio de Janeiro acaba se alimentando profundamente da favela, daquilo que ela cria. Isso não é romantizar o precário. Não é isso!", analisa o historiador Luis Antonio Simas. 
"Mas (é mostrar) como a favela acaba construindo a música do Rio de Janeiro, a cultura do Rio de Janeiro, o samba do Rio de Janeiro, o funk do Rio de Janeiro, que é irmão do samba carioca. Então a importância da favela como construtora de cultura e solução de vida é absolutamente fundamental. É um problema social que acaba virando paradoxalmente uma solução pra cidade. Se a cidade olhasse mais para a favela e o que a favela cria pra resolver os seus problemas, eu acho que a gente estaria melhor", atesta. 
Nascida e criada na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, a funkeira Tati Quebra-Barraco concorda com Simas e afirma que o ritmo musical foi o responsável por fazer com que ela pudesse ter seu nome reconhecido no Brasil e no mundo. 
"Eu sou Cidade de Deus desde pequenininha. Eu acho que a gente tem que ser o que a gente é independentemente de você dar sorte com uma música na vida. Eu era cozinheira de uma creche, depois que eu virei Tati Quebra-Barraco, veio tudo muito rápido. Mas eu acho que a nossa essência, e o nosso pé no chão, tem que estar com a gente independente de qualquer coisa. Com dinheiro entrando ou saindo, ou muito ou pouco, a gente tem que ser a gente", explica a cantora, que já não mora mais na comunidade mas garante que o local ainda faz parte de sua identidade. 
"Eu comprei uma casa a dez minutos da minha comunidade, chego lá rápido de mototáxi", brinca a funkeira. "Estou sempre lá, tenho minhas amizades, moro aqui há 15 anos, mas minha vida realmente é lá na CDD. Eu sou muito grata a Deus por ter me dado essa casa, para os meus filhos, e que hoje está se tornando dos meus netos. Eu tenho o maior orgulho de ser da CDD, era o quartel general dos MCs, porque de lá saiu muita gente. Não é à toa que tem uma frase na minha música em que eu falo: ‘da CDD para o mundo’".
Samba e subúrbio
Dudu Nobre, Xande de Pilares e Anderson, do Molejo, relembram o início de suas carreiras e falam sobre a relação do samba com o subúrbio carioca, com tantas melodias nascidas nos ônibus e vagões de trem. "No ônibus então... 638! A gente ficava ali atrás, voltando do Cacique de Ramos, 623, 625...", diz Dudu Nobre, enumerando as conduções que costumava pegar.
"E aí, o que acontece? A gente ficava fazendo um samba, quando o trocador gostava, o trocador falava assim: olha, gostei do samba, vou deixar você pular a roleta. Ou passar por baixo. E aí, quando o trocador não gostava, a gente tinha que esperar parar no ponto e descer", se diverte.