Bruno Quintella entrevista o jornalista Leandro Demori para o documentário ’Onde Está Tim Lopes?’Divulgação

Rio - A morte do jornalista Tim Lopes completou 21 anos no início deste mês. Capturado ao realizar uma reportagem sobre o tráfico de drogas no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio, em 2002, o profissional foi torturado e executado por traficantes e sua morte só foi confirmada uma semana após seu desaparecimento. O documentário "Onde Está Tim Lopes?", um original Globoplay, estreia nesta quinta-feira, a partir das 18h, e presta uma homenagem ao premiado jornalista, que tinha mais de 30 anos de carreira quando foi morto. 
Dividida em quatro episódios, a série documental narra a trajetória profissional do repórter gaúcho radicado no Rio de Janeiro a partir da perspectiva de suas reportagens ao longo da carreira. O documentário é dirigido e roteirizado pelo filho de Tim Lopes, Bruno Quintella, que também é jornalista.
"O nome da série  faz uma referência à campanha de 20 anos atrás, quando meu pai desapareceu, antes de ser confirmada sua morte, mas tem também um sentido metafórico. A gente quis refletir sobre onde Tim estaria nesse momento, se dedicando a quais pautas? Com os jornalistas contemporâneos e os da sua época? Com os estudantes das novas gerações? A verdade é que tentaram calar uma voz, mas criaram várias novas", afirma Bruno, que acredita que, caso estivesse vivo, o pai estaria denunciando situações ligadas ao meio ambiente. 
"Acho que hoje em dia Tim Lopes estaria também enveredando por um caminho documental. Talvez envolvido com questões do meio ambiente. Era um sonho dele antigo abordar esse universo", revela.
Denúncia
Tim Lopes era conhecido por reportagens em que denunciava injustiças e desigualdades sociais, sempre tentando combater a violência e transformar a sociedade através do Jornalismo. Ele costumava usar disfarces para se infiltrar em locais perigosos e fazer suas denúncias. Para Bruno Quintella, os problemas abordados por Tim há décadas são os mesmos hoje em dia e continuam causando transtornos para a população. 
"Os temas das reportagens que meu pai fazia eram sempre circulares, né? Temas que anos depois voltavam a se repetir. Eu acho que ele tinha sempre essa preocupação de, em alguns anos depois de ter feito a primeira denúncia, voltar e tentar mostrar o que foi feito. No geral, os problemas do país, em especial o tráfico de drogas, seguem em evidência. No ano de 1990, Tim Lopes fez com Marcos Tristão, um excelente repórter fotográfico, 'Vende-se uma favela', a primeira matéria sobre Rio das Pedras. E foi capa do jornal O DIA. O que vemos é que, na verdade, infelizmente a maioria dos problemas que meu pai denunciava lá atrás não mudou e até piorou", analisa. 
"A população de rua cresceu, a criminalidade aumentou, os roubos aumentaram. A gente, inclusive, mostra na série do Globoplay uma situação de assalto quando Tim andava pelas ruas com uma microcâmera como um ambulante. Ele fez algumas reportagens assim: como ambulante da praia, ambulante do sinal, ambulante da praça. Era uma maneira de poder observar de perto. O que vejo hoje é que o mundo apressou e acho que falta um pouquinho da calma, do cuidado, da observação. Nisso, com certeza, meu pai era um grande mestre", completa. 
Curiosidades
Durante a produção de "Onde Está Tim Lopes?", Bruno descobriu algumas curiosidades que ainda não sabia sobre o pai. "Uma das novidades para mim é que meu pai já tinha entrevistado o Elias Maluco em outra situação, em Vigário Geral. Eu fiquei um pouco surpreso, mas ao mesmo tempo fazia parte dessa literatura jornalística policial e criminal o jornalista frequentar todos os espaços e meios. Então acredito que foi uma surpresa, mas, ao mesmo tempo, nada que pudesse mudar o destino do que aconteceu na morte dele", afirma.
Tim Lopes foi assassinado pelo traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, que morreu na prisão em 2020, e seu grupo. Além dele, também participaram do crime Claudino dos Santos Coelho, o Xuxa, morto em 2013 em uma troca de tiros com o Bope, Elizeu Felício de Souza, o Zeu, Reinaldo Amaral de Jesus, o Cadê, Fernando Satyro da Silva, o Frei, Cláudio Orlando do Nascimento, o Ratinho, e Ângelo Ferreira da Silva, o Primo. 
Bruno segue tentando lidar da melhor forma possível com a execução de Tim Lopes e com o fato de não saber o que realmente aconteceu quando o jornalista foi morto. "O sentimento de revolta a gente sempre vai ter e nunca vamos saber, de fato, o que aconteceu naquela noite. Os bandidos que o capturaram morreram antes do julgamento, o que é bem estranho. A morte do Elias Maluco — um suicídio na prisão de Segurança Máxima — foi bem estranha também. Perdoar eu não perdoo não. Eu tento esquecer, mas também é difícil", afirma.
De pai para pai
Em 2013, Bruno já tinha lançado seu primeiro filme sobre o pai, "Histórias de Arcanjo - Um documentário sobre Tim Lopes". Ele conta quais são as diferenças entre esta primeira obra e o novo documentário, "Onde está Tim Lopes?", que estreia nesta quinta no Globoplay. "Quando eu fiz o primeiro filme, era um momento completamente diferente da minha vida. Além de ter sido há dez anos, eu ainda não era pai. Eu diria que o primeiro filme foi um filme afetivo de filho para pai. Eu, morrendo de saudade, queria saber a história do meu pai", afirma. 
"Eu estava na mesma profissão que ele, mas, ao mesmo tempo, não podia trocar experiências já que o perdi tão cedo. Já a nova série do Globoplay, eu gosto de dizer que é um conteúdo de pai para pai. Hoje eu entendo o que é ser pai e quis fazer uma homenagem ao profissional que tanto me inspirou", continua. 
"Lá atrás, quando eu comecei a planejar fazer vestibular, pensei em fazer Direito por conta do Vinícius de Moraes. Eu achava espetacular o fato dele ser diplomata e, ao mesmo tempo, poeta. Meu pai me falou: 'olha, seu negócio é jornal'. Já hoje, eu acho que ele diria para mim assim: 'olha, Bruno, acho que seu negócio não é jornalismo mais não. Eu acho que essa foi uma grande escola para você. Agora tem que seguir o seu caminho'. Agora estou caminhando para o lado dos documentários e do Cinema. Ao mesmo tempo, acredito que sem toda minha formação e experiência no Jornalismo, eu não conseguiria chegar aqui nesse momento e fazer essa outra homenagem para meu pai. Considero uma grande homenagem ao profissional que ele foi e é. Porque ele não morreu! ", completa.
Legado
Tim Lopes deixou um legado para as novas gerações e continua sendo uma inspiração para os jovens. "Eu acho que o grande legado do Tim Lopes é que você pode até tentar que a mensagem seja interrompida quando você mata o mensageiro... Mas quando você mata o mensageiro, a mensagem, na verdade, se multiplica", afirma Bruno Quintella. 
"O programa Tim Lopes da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) tem um pouco essa percepção. É um programa bem interessante porque, no caso do assassinato de um jornalista por conta do seu trabalho, o programa dará continuidade à matéria que estava sendo feita e que estava incomodando, além de cobrir a morte em si daquele profissional. Os jovens também têm uma ligação muito forte com o trabalho do meu pai. Ele está presente na juventude. Tim sempre olhou para o jovem e acredito que o jovem está olhando hoje para ele. É bonito ver esse legado que fica para a posteridade, do jornalismo sendo reinventado pelos jovens talentos".