Coluna do Servidor: Sem plano B, quem vai pagar a conta da crise do Estado?
Especialistas apontam alternativas para o equilíbrio fiscal . Sindicalista ataca ajuste para o funcionalismo
Por tabata.uchoa
Rio - ‘Não vejo luz no fim do túnel. O governo diz que não tem plano B. Estamos literalmente sobrevivendo”. O desabafo da professora aposentada pelo estado, Iêda Ribeiro, 76 anos, traduz o desespero do funcionalismo, ameaçado com aumento de contribuição previdenciária, adiamento de reajustes e fim do triênio.
“Já tenho vários consignados. Vivo com a ajuda de filhos. E nem podemos protestar que recebemos bala de borracha”, completa.
Servidores de diversas categorias sofreram represália da PM que usou bombas de efeito moral contra eles em ato quarta-feira na AlerjDaniel Castelo Branco / Agência O Dia (09.11.2016)
Iêda compõe o grupo de inativos que recebem menos de R$ 5.189,82 e que o governo pretendia taxar — a proposta inicial, que foi rejeitada, era de 30%, e agora estudam uma alíquota de 14%. Esse era o principal projeto do pacote de medidas de ajuste fiscal. O estado prevê, sem adoção das ações, um déficit de R$52 bilhões em 2018, sendo que entrará em 2017 com rombo de R$ 17 bilhões.
Segundo o governador Luiz Fernando Pezão, não há plano B. As palavras soam como ‘chantagem’ para aprovação do pacote. Mas será que de fato não há outra alternativa para o equilíbrio fiscal? Se os ajustes não passarem, o que poderia ser feito?
Iêda trabalhou mais de 40 anos para o estado e hoje vive a incertezaAndré Mourão / Agência O Dia (13.04.2016)
O economista Raul Velloso diz que o Rio vive a pior crise entre todos os estados: “No Rio, chegou mais rápido devido à dependência dos royalties do petróleo e Participações Especiais (PE)”. Os dados mostram uma queda brusca e sucessiva dos recursos.
Em 2013 e 2014, a arrecadação com a commodity foi de R$ 8,2 bilhões e R$ 8,5 bilhões, respectivamente, de acordo com a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Já em 2015, foi de R$ 5,3 bilhões: redução de 37,38% frente ao ano anterior. E na comparação de janeiro a outubro de 2015 com o mesmo período de 2016, queda de 30,53%.
Velloso lembra que na hipótese de não se aprovar o ajuste a intervenção federal foi descartada e aponta outra medida: “A União antecipar a venda de recebíveis pelos estados. Isso não será visto como ‘abriu a bolsa e soltou dinheiro’. Será compra de ativos dos entes”.
Especialista em Direito Público e professor da Uerj e Ibmec, Fábio Zambitte aponta a revisão das isenções fiscais e a cobrança de dívidas de empresas — com alguma vantagem — como saída. “Estabelecer vantagem tributária, ou seja, reduzir pagamento de dívida de empresa que está devendo ICMS, por exemplo”. Segundo o Tribunal de Contas do Estado (TCE), o estado deixou de arrecadar R$138 bilhões em impostos entre 2008 e 2013.
‘A conta chega e o servidor não pode pagar por isso’
O ponto central do ajuste fiscal do governo é a previdência. O estado afirma que esse é o calcanhar de Aquiles das contas e que é “insustentável” bancar o atual sistema, visto que os royalties eram a principal fonte do Rioprevidência.
Mas ainda que admita que existam necessidades de ajustes até na área previdenciária, o especialista em Direito Público, Fábio Zambitte, ressalta que o estado não pode alterar direitos previstos na Constituição.
“Taxar o inativo que ganha menos que o teto do INSS (R$ 5.189,82) é inconstitucional. Esse dispositivo da Constituição (Art. 40, parágrafo 18) foi criado para assegurar a isonomia. Mesmo que o projeto passe na Alerj, será barrado na Justiça”, diz.
Presidente do SinMed%2C Darze quer análise das contas pelo TCE e MPPaola Lucas / Agência O Dia
Zambitte destaca que a discussão sobre previdência e a crise fiscal não é nova no estado. “Só que o estado não se preocupou, porque vinha surfando nos royalties e muita gente ganhou dinheiro com isso. Vimos a especulação imobiliária nos últimos anos. Agora que o castelo de cartas cai, a conta chega e o servidor não pode pagar por isso”, argumenta.
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Presidente do Sindicato dos Médicos (SinMed-Rio), Jorge Darze ataca a taxação de inativos e diz que não há transparência do governo. “Isso é confisco e a Constituição proíbe”. “A crise não se deve aos royalties. Há razões não divulgadas para esclarecer por que o estado com 2º maior PIB do Brasil chegou a esse ponto. O quadro é muito grave e exige auditoria do Tribunal de Contas e do Ministério Público, o que já pedimos”, diz Darze.
SUGESTÕES
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Ao indicar a “antecipação de recebíveis”, Raul Velloso acredita em ajuda mais imediata ao Rio. Como funcionaria? A União adianta aos entes os valores que eles têm a receber no futuro. A garantia é que a dívida será quitada posteriormente quando os valores entrarem no caixa. “Assim, o governo federal compra, e a dívida líquida não varia e não tem efeito no déficit primário”, diz.
Fábio Zambitti é categórico: “O plano B seria intervenção federal, e a União não tem interesse visto as reformas que está propondo e ela ficaria impedida de apresentar emenda à Constituição”. Por isso, ele propõe revisão das isenções fiscais.
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Cobrança de pagamento de ICMS de empresas inadimplentes, com vantagem tributária (como desconto) também é outra saída apontada por Zambitti.
Revisão do cálculo dos royalties. Essa medida é defendida pelo deputado estadual Luiz Paulo (PSDB), presidente da Comissão de Tributação da Alerj, e renderia mais R$ 1 bilhão. “A ANP já fez a audiência pública. Agora tem que esperar o fim da ação no STF. Mas bastaria articulação política do estado junto à União para suspender a norma que impede isso. Renderia R$100 milhões ao mês no ano que vem”, diz.
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Luiz Paulo aposta ainda no pedido de devolução de contribuição patrimonial. O que é? “Royalties e Participações Especiais (PE) são contribuições patrimoniais. O cálculo de pagamento da dívida do estado é de 13% sobre a receita corrente líquida. E a União determinou que nessa receita entrassem royalties e PE. Mas não deveria, pois são contribuições patrimoniais e financiam o sistema previdenciário”, diz. O cálculo está suspenso desde janeiro. “A devolução de cinco anos para trás dá R$ 6 bilhões”.
Cobrança de taxas de fiscalização ambiental que as empresas tentam barrar na Justiça. “Foram dois projetos em 2015. A taxa sobre geração de energia, que nos daria R$ 3 milhões ao ano e a outra sobre extração de petróleo e gás, que nos daria R$ 1,6 bilhão ao ano”, lembra o deputado.
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O Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal foi criado para o estado receber 10% das renúncias tributárias. Luiz Paulo diz que renderia R$400 milhões por ano, por 2 anos (vigência da lei).
Técnicos da bancada do Psol na Alerj estudam pacote de medidas alternativas que será apresentado na quarta-feira.