Brasília - Aposentados do INSS que continuaram a trabalhar com carteira assinada têm possibilidade de aproveitar as contribuições previdenciárias feitas após a concessão do benefício. Mesmo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que em outubro do ano passado, considerou improcedente usar os recolhimentos posteriores para recalcular a aposentaria, a chamada desaposentação, a Justiça Federal reconheceu o direito a um novo benefício levando em conta apenas o que foi pago depois que a Previdência liberou a aposentadoria.
Os advogados denominam esse procedimento como “transformação da aposentadoria”. Sentença de 1ª instância em São Paulo, mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, garantiu a concessão de benefício maior para segurada da capital paulista. A diferença em relação ao outro é de 286%.
De acordo com o advogado da causa João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, de São Paulo, o valor da nova aposentadoria determinado pela Justiça foi de R$ 4.020,50. A segurada recebia originalmente R$ 1.040,83 quando a sentença foi proferida. O processo gerou atraso de R$ 196,6 mil.
Badari esclarece que é preciso, no entanto, que o segurado cumpra requisitos para pleitear a transformação, entre eles comprovar 180 contribuições posteriores à concessão da aposentadoria original e renuncie ao benefício que vem recebendo.
“Ao entrar com ação na Justiça, o segurado deve deixar claro que vai renunciar ao benefício mediante a transformação da aposentadoria, ou seja, em ato contínuo”, orienta o especialista, ressaltando que a possibilidade de renunciar à aposentadoria está pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), por ser um direito patrimonial disponível.
Sobre o risco de ter que devolver algum valor por conta da renúncia, Badari descarta essa possibilidade. Ele explica que pelo caráter alimentar da aposentadoria, direito adquirido e boa-fé do segurado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é contrário à devolução de valores recebidos pelo aposentado em casos de renúncia.
O especialista explica que na transformação da aposentadoria, o segurado não pedirá a inclusão das novas contribuições no cálculo anterior, mas sim que o INSS desconsidere o período referente aos recolhimentos que resultaram na aposentadoria atual.
“É completamente diferente da desaposentação. Ele atingiu os requisitos para aposentadoria diferente da atual e não a contagem concomitante dos períodos como é na desaposentação”, compara.
O advogado explica que a desaposentação, na maioria dos casos, buscava trocar aposentadorias concedidas de forma proporcional pelo tempo de contribuição ou em razão do fator previdenciário inferior a um. Já na transformação, segundo ele, existe a desconsideração total da aposentadoria anterior, sem qualquer referência a primeira.
“De forma muito prática: na desaposentação você pede ‘some à minha atual aposentadoria o período que fiz contribuições após a concessão, gerando com isso novo cálculo e benefício maior que o atual’. Na transformação, o pedido é ‘não quero mais nada da atual aposentadoria, nem os recebimentos nem o custeio, e quero novo benefício de modalidade diferente do atual, em que nenhuma das minhas contribuições foram utilizadas na concessão da aposentadoria que estou renunciando’”, compara.
É preciso cumprir requisitos da aposentadoria por idade
O advogado João Badari citou o exemplo de um homem que se aposentou com 35 anos de serviço, ou seja, por tempo de contribuição, quando tinha 53 anos de idade e continuou trabalhando. Ele pagou mais 15 anos após a concessão da aposentadoria do INSS, chegando a 68 anos de idade.
Segundo o advogado, neste caso, o segurado poderá usar o novo período de pagamentos para requerer outro benefício, abrindo não do anterior.
Badari diz que essa pessoa preencheu os dois requisitos básicos para ter aposentadoria por idade (65 anos de idade e 180 contribuições), sem ter qualquer vínculo com o benefício anterior. Como não pode acumular as duas aposentadorias, terá que renunciar à anterior ao requerer a nova.
“Podemos citar também, no exemplo anterior, o aposentado que após dez anos de contribuição ao se aposentar se tornou totalmente inválido para o trabalho e necessita de cuidador permanentemente. Ele também pode renunciar à aposentadoria atual para obter o benefício por invalidez com a majoração de 25%, por ter atingido os requisitos legais para a concessão da aposentadoria por invalidez, sem considerar a anterior”, explica João Badari, referindo-se ao benefício por invalidez.
O especialista também cita o exemplo de uma mulher que se aposentou com 48 anos de idade e 30 anos de contribuição, mas se manteve no mercado de trabalho pagando a Previdência. Ela poderá fazer a transformação da aposentadoria quando estiver com 63 anos de idade. Assim, terá recolhido por mais 15 anos e ter ultrapassado o limite de 60 anos de idade, exigidos para trabalhadoras se aposentarem por idade.
O advogado lembra que professores e professoras, que têm aposentadoria especial, também podem se beneficiar da transformação. No caso dos homens o tempo de contribuição é de 30 anos e das mulheres de 25 anos de pagamento para o INSS.
Recálculo foi considerado ilegal pelo STF
Em outubro de 2016, o Supremo Tribunal Federal considerou ilegal o uso das contribuições de aposentados que continuaram trabalhando, a chamada desaposentação. O processo estava em julgamento na Corte desde 2014 e sofreu sucessivos pedidos de vista. Mais de 180 mil ações aguardavam a decisão.
Por 7 votos a 4, os ministros decidiram que a desaposentação era inconstitucional por não estar prevista na legislação. Votaram contra Dias Toffoli, Teori Zavascki, Edson Fachin, Luiz Fux, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia. A favor: Marco Aurélio, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski.
Sentença leva em conta novo pedido
Na sentença da Justiça Federal em São Paulo, o juiz afirmou que “não se cuida exatamente de uma desaposentação”. Ou seja, não se trata de um pedido de renúncia ao ato administrativo já constituído e consolidado. Para o juiz que deu ganho de causa é “um novo pedido de aposentadoria a partir da averbação tão somente, destaque-se, dos períodos laborados posteriormente à concessão daquele primeiro benefício”.
Na avaliação do juiz, “a renúncia aqui será à cobertura previdenciária concedida, com a obtenção de outra, mais vantajosa e totalmente distinta da anterior. Não há, nesse caso, uma soma entre as contribuições anteriores e posteriores à primeira aposentaria”.