'Primeiro você tem consciência financeira, depois você atinge o equilíbrio financeiro', explica professor Lauro BarillariReprodução

Nesta terça-feira, 12, é comemorado o Dia das Crianças, momento de celebrar os direitos e conscientizar a sociedade acerca da importância dos mais novos para o futuro. Além dos presentes que marcam a data, esse também é um momento para refletir sobre um tema cada vez mais importante: a educação financeira infantil.

Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) no mês de setembro, 74% das famílias relataram estar endividadas, o maior percentual desde o início da pesquisa. Apesar da conjuntura econômica não ser favorável, a educação financeira é o primeiro passo para entender como lidar com os momentos de crise, e esse tema deve fazer parte do cotidiano dos pequenos.

Pequenas ações envolvendo o desenvolvimento da educação financeira infantil devem ter início cedo. A decisão acerca da melhor idade para abordar o assunto deve partir dos pais, a depender da maturidade de cada criança, mas, a partir dos 5 ou 6 anos, os pequenos já conseguem absorver valores que farão a diferença no futuro - e para isso, escola e família devem estar em sintonia.

“A escola realiza um papel complementar em relação, por exemplo, ao estímulo ao empreendedorismo”, afirma o professor de Economia Lauro Barillari.

Para o especialista, uma ótima forma de desenvolver a criança nesse sentido é diferenciar, na prática, “preço” de “valor”. Presentear alguém com objetos de valor simbólico, feitos à mão ao invés de comprar algo se baseando apenas no preço de mercado é uma das maneiras de evitar o desenvolvimento do consumismo exacerbado.

“Você tem economia e, ao mesmo tempo, o presente se torna mais afetuoso. Tudo isso contribui para que a criança vá crescendo e valorizando os pequenos gestos (...) às vezes um presente simples tem um valor muito grande”, explica.

Outra forma de acompanhar o desenvolvimento dessa criança, por exemplo, é fazer com que ela aprenda a organizar, desde cedo, seu dinheiro. Para isso, Gustavo Moreira, coordenador do MBA de Finanças do Ibmec, explica que o conceito de “semanada” - valor a ser gasto semanalmente - pode ajudar os mais novos a terem maior gerência sobre o que consomem. Conforme eles forem crescendo, passar a disponibilizar uma quantia maior a cada 15 dias e, posteriormente, de forma mensal (a famosa “mesada”), pode ser ótimo plano para induzir a maturidade financeira nos mais novos.

“O que você ensina na educação financeira infantil vai ter impacto na vida profissional daquela pessoa”, aponta o especialista.

Poupança

Outro ponto muito importante no desenvolvimento da vida financeira das crianças é o estímulo ao hábito de poupar. Segundo pesquisa realizada em 2020 pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) com apoio do Datafolha, 62% da população brasileira não conseguiu economizar dinheiro em 2019 e enfrentou a pandemia sem qualquer reserva financeira para algum tipo de emergência. Apesar do preparo para eventuais contratempos, a poupança também está vinculada à realização de sonhos e objetivos, explica Lauro.

Por isso, Lauro esclarece que vincular a economia à realização de sonhos e objetivos é uma ótima forma de garantir que essa criança vai ter maturidade financeira ao chegar na vida adulta.

“Quem poupa garante o futuro, independente de quanto você ganha. Vincular sonhos e recompensas à poupança é uma forma ótima de estimular essa cultura”, indica.

Para Gustavo, a melhor forma de introduzir o hábito de poupar na vida infantil é disponibilizando o bom e velho “cofrinho” para que a criança entenda que juntar, mesmo em pequenas quantidades, rende bons frutos.

“A criança vai entender que as coisas se conectam, a poupança se conecta com o consumo maior lá na frente. O cofrinho, por ser uma coisa que está sob controle da criança, no quarto, por exemplo, vai fazer ela entender as causas e consequências do que ela faz. A consequência positiva de poupar ou as consequências negativas de gastar tudo”, explica.

Já para os adolescentes, um cartão de débito pode ajudar na construção da independência financeira desse jovem. “Nunca crédito”, enfatiza Gustavo, para que haja controle acerca do que é consumido.

O papel da criança

Apesar de serem fundamentais as diretrizes da família e da escola, é importante entender que a criança precisa desenvolver responsabilidade e autonomia em relação à vida financeira.

Outra questão que pode ser benéfica é introduzir, aos poucos e de forma didática, as diretrizes financeiras da família. Nesse aspecto, por exemplo, a partir do momento em que a criança começa a apresentar mais maturidade, é importante saber o destino da renda familiar: quanto vai para o aluguel, imposto, supermercado, educação, etc. Assim, fica mais fácil entender porque comer fora toda semana, por exemplo, talvez não seja uma opção viável.

“Primeiro você tem consciência financeira, depois você atinge o equilíbrio financeiro. A partir disso, você consegue a sustentabilidade financeira”, explica Lauro.

A família também deve deixar sempre claro o valor da economia. No caso de problemas com as finanças em casa, estimular a redução do consumo de água e luz, por exemplo, pode gerar impactos positivos no final do mês. Fazer com que a criança ou adolescente perceba essas mudanças é fundamental para que esse comportamento seja reproduzido de forma natural.

“Os pais têm que mostrar depois os benefícios do que aquela criança está fazendo. Para ficar claro como abrir mão do ar condicionado, por exemplo, impactou no orçamento da família”, ilustra Gustavo.

Cuidado com a internet

Atualmente, a internet e as redes sociais têm começado a fazer parte da vida das crianças cada vez mais cedo e, com o grande volume de informações e produtos (a começar pelos próprios artigos tecnológicos), o consumismo acaba ganhando espaço. Muitas vezes, no entanto, o orçamento da família não permite a compra de determinados objetos ou, até mesmo, essa aquisição não será benéfica para a criança - o que gera o sentimento de frustração.

Neste sentido, Gustavo orienta que os filhos devem ser ensinados a diferenciar o que é visto nas redes sociais da realidade, a fim de evitar esses problemas.

“Essas pessoas colocam sempre os melhores momentos nas redes sociais. A criança tem que ser ensinada que aquilo que ela vê na internet ou nas redes sociais nem sempre é a realidade. Às vezes são só recortes que as pessoas usam para tentar construir uma identidade que não necessariamente é real”, afirma.

Outro aspecto importante para o desenvolvimento da consciência financeira das crianças nesse sentido é explicar o valor do trabalho. Por mais que a internet e, mais especificamente, as redes sociais estimulem o consumo, a partir do momento em que o trabalho é vinculado ao valor de cada produto, fica mais fácil definir o que é prioridade. Quanto mais gastos, mais trabalho e, consequentemente, menos lazer.

No caso do iPhone, objeto de desejo de muitas crianças e adolescentes, ilustrar essa relação deixa clara a necessidade de compreender o valor do trabalho. O modelo 11 Pro, um dos mais recentes, custa, em média, R$ 7 mil - o equivalente a mais de 6 meses de trabalho para quem ganha um salário mínimo - atualmente, fixado em R$ 1,1 mil.
*Estagiária sob supervisão de Letícia Moura