Rita De La Faria é professora de Direito Tributário na Universidade de Leeds (Inglaterra)Marcos Oliveira/Agência Senado

Apelidada por tributaristas brasileiros de "padroeira" do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a portuguesa Rita De La Feria diz que o novo imposto em discussão no Brasil é "amigo" das exportações e dos investimentos. Ou seja, é um imposto que impediria que no preço do produto exportado esteja embutido o custo do imposto. Na sua avaliação, a economia do Brasil está travada em larga medida por causa da tributação das exportações.
Rita é professora de Direito Tributário na Universidade de Leeds (Inglaterra), já participou de reformas tributárias em todo o mundo e ajudou na redação de várias legislações tributárias, incluindo as de Portugal, Turquia, Uzbequistão, Timor Leste, Angola e São Thomé e Príncipe. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão:
Por que é tão difícil fazer a reforma tributária no Brasil?
É difícil fazer reformas em todos os países. Mas o caso do Brasil é mais complexo por três dimensões. A primeira: é um país grande, onde há muitos grupos com interesses divergentes. Depois, é o fato de vocês terem uma estrutura federativa que complica o processo de negociação e dificulta se chegar a um acordo. E, finalmente, é o fato de o Brasil ter um sistema ruim há muitos anos. É aquilo que em inglês chamamos de "path dependence", um sistema arraigado, cimentado, com interesses muito estabelecidos. Remover os benefícios tributários que já existem é difícil. É um sistema que criou maus hábitos com grupos que estão habituados a esse tipo de tributação e, portanto, vão resistir a qualquer mudança.
A reforma tributária em tramitação prevê a criação do IVA, adotado em vários países. Os oposicionistas da reforma dizem que o IVA é um modelo velho e que será abandonado em breve. Por que o Brasil precisa mudar para o IVA?
Hoje, 170 países no mundo têm o IVA. Não é por acaso. É porque ele tem qualidades técnicas que significam que é um imposto superior aos outros impostos. Mais eficiente, fácil de coletar e que não cria distorções no mercado. É um imposto amigo das exportações. Ou seja, é um imposto que permite a exportação não onerada. Os bens saem do país sem nenhum imposto carregado. Só há um único país no mundo que desistiu do IVA dentre os 170: a Malásia.
Por quê?
O IVA é um imposto não cumulativo, e a Malásia começou a se recusar a dar o crédito. Isso matou o imposto.
No Brasil, há um debate muito grande de que o IVA vai gerar alta dos preços e inflação porque, para alguns setores, a alíquota subirá muito. Esse é um risco ou o período de transição mais longa pode ajudar?
É preciso dizer que essa presunção de que os preços vão aumentar significaria dizer que o sistema de agora tributa menos, o que, neste momento, é impossível dizer. O sistema brasileiro é tão complexo que não há ninguém que possa dizer com certeza quanto tem de imposto em cada produto. O IVA vai trazer uma transparência ao preço. Vai dizer: o preço é "x" sem imposto e "x mais" com imposto.
Há empresas do setor de serviços que reclamam que vão pagar uma alíquota de 25%...
O problema é que eles não sabem quanto é que está embutido no preço de imposto, não sabem quanto de imposto estava para trás. Nenhum prestador de serviço sabe quanto pagou de imposto quando comprou cadeiras, computadores... Há muita distorção de mercado, da cadeia produtiva no Brasil.
Por que um dos princípios básicos do IVA é a fixação de alíquota única?
A adoção de alíquotas múltiplas foi uma medida adotada na Europa nos anos 60, quando sabíamos ainda muito pouco do imposto. Achava-se que era a melhor forma de proteger alguns setores, proteger alguns produtos consumidos pelos mais pobres. Hoje, sabemos que não é verdade.
No Brasil, é praticamente certo nas negociações no Congresso que haverá alíquotas diferenciadas. Os setores de educação, saúde, agro, transporte e tantos outros defendem tratamento diferenciado.
Eu espero que não haja. O problema é que muitas vezes os benefícios são dados não por razões técnicas, mas porque há setores com poder muito grande para obter certos benefícios tributários. Verifica-se muitas vezes na discussão das alíquotas múltiplas, também aqui na Europa. Não tem nada a ver com justiça social. Eu espero sinceramente que haja força no Brasil para resistir a essa pressão, porque no fundo é dar benefícios aos poucos, que gritam mais, em detrimento de muitos.
A reforma tributária terá um efeito importante no desenvolvimento?
O que eu posso dizer é que um sistema tributário tão complexo como o do Brasil tem um impacto muito grande na economia. A economia brasileira está completamente distorcida pelo sistema tributário, principalmente nas exportações. Eu não conheço mais nenhum outro país no mundo que tributa as exportações.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.